68 acabou em 69 por Geraldo Maia |
Comportamento | |||
Ter, 13 de Maio de 2008 04:07 | |||
O tsunami libertário
68 saiu da França para varrer a Europa, mas em muitos lugares o lixo foi
conservado. Faltaram vassouras ou garis? Aqui no lixão da ditadura foi ao
contrário: espalharam a merda do AI5 por todo lado. Foi choque-elétrico e pau de
arara no atacado, e no varejo censura e repressão.
Lembro que juntar três pessoas para papear numa esquina era atentar contra a
segurança nacional. Corria o risco de uma viatura baixar e levar de bolo para o
desaparecido, um carro te atropelar do meio do nada, alguém te jogar uma bomba
no colo, ou te empurrar para algum porão. O poeta Geraldo Gesteira estava sentado na balaustrada do viaduto São Raimundo. Parou um carro e empurrou o cara. Ninguém viu a placa nem a cor do sujeito. O poeta Eugênio Lira advogava a causa dos camponeses explorados. Como pagamento recebeu foi bala e caiu no pó do esquecimento. O poeta Haroldo Nunes foi espalhar sonhos onde só havia coturnos curtos. Cortaram suas asas com uma escopeta e tentaram sangrar o sonho com uma baioneta, mas sonhar transgride a própria morte, e a morte de um poeta é luz que cala o idioma das trevas. E a voz do poeta é o que esmaga o verme do medo. Aqui 68 foi um 69 do tesão com a tortura, da guerrilha com o garrote, da massa com os militares. Dez anos depois em 79 os poetas foram ocupar as praças desertas com a poesia na fala. Poetas na Praça em movimento libertário de vida rebelada em pleno exercício de desafio e audácia. Mas não acabou aí. A liberdade desnudada em pleno 69 com a vida liberou geral em plena praça a coragem massacrada dos Malês, o grito esquartejado dos Alfaiates, a revolução amputada de Castro Alves, a glande angulagem de Glauber. Maio 68 foi a partir de 79, o Antonio Short, anjurbano em pleno acato do caso, foi Ametista Nunes, jóia ferida que a poesia cura, foi Eduardo Teles, e sua poesia deusa em fecundo silêncio, foi Gilberto Costa, cabeça nordeste de poieta , foi Gilberto Teixeira, poeta de aprendizado na tora. E foi Zeca de Magalhães, poeta de coração desembestado, foi Margarete Castanheiro, poetisa cujo amor só quem ama agüenta, foi Dorí, poeta e anjo prematuro, foi o poeta Douglas de Almeida, e sua biblioteca rediviva, foi Agenor Campos, e sua poesia abelha, foi Jorge Conceição e sua poesia dança, foi Paulo Garcez, e sua poesia em luz geminada, foi Edésio Lima, e sua poesia à vera. Afinal foram milhares de poetas e poetisas de todas as cores, cantos, bairros, cidades,crenças, raças, sexos, credos, sonhos, partidos, feiras, luas, estradas, que, para sempre, fundaram na praça da poesia um espaço itinerante de muito amor, rebeldia e luta. Geraldo Maia, poeta, doutor honoris causa, co-fundador do Movimento Poetas na Praça em janeiro de 1979 na Praça da Piedade, Salvador, Bahia, Brasil.
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