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Preâmbulo de uma dramática história por Jenner Barreto Bastos Filho
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Cidadania
Seg, 05 de Maio de 2008 09:40
Os conflitos do sangrento século 20 alteraram profundamente a geopolítica do mundo .  As guerras coloniais de finais do século XIX e de começo do século XX e as duas Grandes Guerras Mundiais, respectivamente de (1914-1918) e de (1939-1945) representaram grandes tragédias para a humanidade. As situações dramáticas e trágicas não ficaram apenas nesses tenebrosos eventos de grandes proporções: o período de aproximadamente duas décadas entre as duas grandes guerras foi especialmente tenso, para se dizer o mínimo, haja vista a sangrenta Guerra Civil Espanhola de 1936. No Brasil, como nos demais cantos do mundo, o cenário era de grande tensão.

 Em 1930 cai a retrógrada República Velha do café com leite, de economia predominantemente baseada na exportação do café, e ascende o populismo getulista. Em 1937 instaura-se o regime autoritário do Estado Novo. No contexto mundial o período (1945-1989) chamado de Guerra Fria representou outra tragédia para os povos com a aceleração da corrida armamentista associada à procura de hegemonia tanto nas relações comerciais quanto na própria presença militar no estrito senso do termo.

A partir de 1989 a outrora exacerbada polarização entre capitalismo e socialismo real é substituída por outra polarização maniqueísta, pois os detentores da nova hegemonia tiveram estrategicamente que fabricar inimigos, além daqueles concretamente já existentes, que fossem contraposição, passível de justificação através de propaganda e proselitismo, aos seus interesses hegemônicos. Passaram a se sofisticar os fundamentalismos de todos os tipos desde aqueles do mercado financeiro que procuram lucros e mercados a quaisquer preços como aqueles que se opõem aos primeiros com violência.

Hoje temos um mundo no qual tecnologias altamente sofisticadas de comunicação, de transporte, de modificação genética de organismos, entre outras, convivem com um mundo de impactos ambientais sem precedentes na humanidade. Some-se a isso um mundo de desigualdades abissais e, crescentemente abissais.

O historiador Eric Hobsbawm considerou que até então o século XX foi o mais sangrento de toda a história da humanidade e hoje, diante dos impactos ambientais, das guerras, da contaminação química generalizada, da exploração exacerbada dos recursos e bens naturais e do desenvolvimento predatório acarretados por programas hegemônicos em curso, não sabemos se o século XXI será melhor, embora tenhamos obrigação de lutar para que se configurem os melhores cenários de futuro.

Onde estão e onde estiveram os cientistas durante esse quadro de horrores?
Em primeiro lugar, para responder a esta pergunta, que implica certo grau de complexidade, é necessário levar em conta as grandes tensões sociais, políticas e econômicas de uma época dramática e, mais ainda que dramática, de uma época trágica. As comunidades científicas estavam sujeitas a enormes estresses diante de um quadro que exigia decisões rápidas e difíceis. Em situações dramáticas os cientistas nas sociedades tecnologicamente mais avançadas foram convocados para os esforços de guerra. Recusar a participar desse esforço em nome de princípios éticos e de foro íntimo significava tomar decisões enormemente difíceis, inclusive, a de estar sujeito a perseguições explícitas e com conseqüências severas para os membros da família desses cientistas.

A degradação moral que um quadro do gênero propiciou levou expressivos contingentes das comunidades científicas a práticas enormemente nocivas também no período de guerra fria. Os financiamentos para as pesquisas viam-se condicionados a participações dos cientistas que legitimassem justamente o que era do interesse do establishment dominante. Se o interesse fosse o de colocar no mercado um produto lesivo à saúde pública, mas que propiciasse exacerbados lucros aos seus fabricantes, todas as vozes que participassem da fraude que consistia em legitimar a "inocuidade" do produto eram prestigiadas, festejadas e financiadas. Aquelas que por razões éticas, humanitárias ou que simplesmente se imbuíssem de um sentimento de dever, eram marginalizadas, difamadas e perseguidas.

Um quadro dantesco do gênero abaixou de tal maneira os patamares de conduta ética que hoje nos deparamos com sérios perigos de investidas concretas no sentido da privatização da vida e da água na face da Terra.

Hoje assistimos, perplexos, que grande parte da elite que constitui a comunidade científica mundial se vê comprometida com a manutenção de paradigmas dominantes e, ainda pior, seriamente comprometida com o complexo industrial militar bélico. As coisas se apresentam de maneira tão entrelaçadas que hoje em dia é difícil se separar a atividade bélica, daquela dos transgênicos, dos fármacos, das práticas inúteis de vivisecção, de um sistema de aceitação de artigos que passa por vícios homéricos. A democracia e a autonomia foram vilipendiadas. Como bem disse o astrofísico Halton Arp, trata-se de uma elite que se legitima por meio de uma auto-seleção. É justamente essa elite que proclama o que seja verdade científica. Evidentemente, trata-se de uma falsa democracia.

O Grupo de Nápoles é formado por um conjunto de pessoas de todas as partes do mundo que estão atentas ao controle democrático da ciência e da tecnologia o que, evidentemente, inclui a crítica às más práticas vigentes nas comunidades científicas e nas academias em geral. Propugna-se em prol de uma ciência séria, ética que esteja a serviço dos povos e não a serviço de sua opressão.
Isso requer que a Sociedade Civil se engaje no controle social e democrático da ciência e da tecnologia.

O GRUPO INTERNACIONAL DE NÁPOLES: CIÊNCIA E DEMOCRACIA
Desde 2001, se reúne em Nápoles, Itália, um grupo de pessoas de diversas partes do mundo que tem uma preocupação em comum: a do controle social da ciência e da tecnologia nas sociedades democráticas. A preocupação das pessoas constituintes deste grupo reside precisamente na constatação da precariedade dos mecanismos mediante os quais esse controle é levado a termo no seio das imperfeitíssimas democracias que conhecemos.

O grupo de pessoas que aqui denomino por Grupo de Nápoles, embora o próprio grupo não tenha assim se autodenominado, tem em mente o crescente e avassalador poder das grandes corporações, quer sejam elas explicitamente bélicas, farmacêuticas, de organismos geneticamente modificados, petrolíferas ou de quaisquer outras naturezas. Tem consciência de que diante da assimetria de poderes a sua função é a de catalisar o ambiente no sentido de encorajar tanto a manifestação da inteligência de espíritos independentes quanto no sentido das tomadas de iniciativa em prol da organização cada vez mais aprimorada da sociedade civil em defesa dos seus mais legítimos interesses e mais geralmente, dos interesses dos povos que habitam o mundo.

Essas corporações adquiriram um poder de tal magnitude que passaram cada vez mais a chantagear governos, influir em grandes complexos militares e industriais dos quais são também parte, influindo decisivamente em Estados hegemônicos através dos quais também se manifestam por meio de políticas que os favorecem em detrimento de quaisquer outros interesses da população, por mais legítimos que sejam.
Deste modo, não se trata de empreender uma luta de Davi contra Golias ou de formar um quixotesco exército de Brancaleone. Trata-se isso sim de um grupo de estudiosos de amplo espectro (cientistas, jornalistas, artistas, acadêmicos, membros engajados em organizações da sociedade civil, entre outros) que assumem posições corajosas, mesmo em detrimento de onerosas conseqüências para as suas respectivas carreiras e prestígios pessoais. Dado deveras alarmante é que grande parte da comunidade científica legitima todo esse tipo de propaganda e proselitismo enganosos exercidos por esse poder, agindo por venalidade e em detrimento da vida, da saúde e dos interesses mais legítimos dos povos. A Instituição da ciência e da tecnologia a ela associada passou a se constituir, em larga medida, em uma opressão aos povos que se distingue claramente de seu papel revolucionário no século XVII de Galileu quando a própria nascente ciência era vítima do avassalador poder da Instituição da Igreja Católica e também se distingue claramente das promessas Iluministas do século XVIII de autonomia e libertação dos grilhões que oprimiam os povos e as pessoas individualmente.

O primeiro congresso de Nápoles, ocorrido de 20-21 de abril de 2001 no Palazzo Serra di Casano do Instituto Italiano de Estudos Filosóficos foi organizado pelos Professores Marco Mamone Capria do Instituto de Matemática da Universidade de Perugia, Francesco Attena da Universidade de Nápoles e Ermenegildo Caccese da Universidade da Basilicata. A partir desse congresso foi publicado um livro intitulado Scienza e Democrazia (Ciência e Democracia) organizado pelo Professor Mamone Capria. O segundo congresso de Nápoles realizado de 12 a 14 de junho de 2003 na mesma sede onde ocorreu o primeiro foi organizado pelos Professores Stefano Dumontet da Universidade de Nápoles, Antonio Gargano do Instituto Italiano de Estudos Filosóficos e Marco Mamone Capria da Universidade de Perugia.

A partir desse segundo congresso foi publicado o livro intitulado Scienze, Poteri e Democrazia (Ciências, Poderes e Democracia) também organizado pelo Professor Mamone Capria. O terceiro congresso de Nápoles, ocorrido de 20 a 22 de outubro de 2005 na mesma sede dos dois congressos precedentes foi organizado pelos mesmos três Professores. O quarto congresso está previsto para ser realizado de 15 a 17 de maio de 2008, na mesma sede que os anteriores e será organizado pelos mesmos professores que organizaram o segundo e o terceiro congressos.
Livros do grupo de Nápoles:
>> Scienza e Democrazia, Marco Mamone Capria (ORG.), Liguori Editore, Nápoles, 2003
>> Scienze, Poteri e Democrazia, Marco Mamone Capria (ORG.), Editori Riuniti, Roma, 2006.
www.dipmat.unipg.it/~mamone/sci-dem

O CONTROLE DEMOCRATICO DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA
Muito frequentemente, nos dias de hoje, as apreciações sobre as virtudes da ciência e da tecnologia aparecem com tons nitidamente maniqueístas. O maniqueísmo é aquela doutrina que separa muito radicalmente o bem do mal e, desta maneira, quem o adota na sua forma extrema é incapaz de enxergar qualquer traço de mal no que se pressupôs ser o bem, nem qualquer bem, ainda que mínimo, naquilo que se pressupôs ser o mal. Sob a ótica de uma concepção maniqueísta extrema, o mundo parece dividido entre indivíduos bons, de um lado, e indivíduos maus, do outro. Às vezes ainda pior: em indivíduos 100% bons, de um lado, e indivíduos 100% maus do outro.

Para dizer o mínimo, uma concepção do gênero é claramente inadequada, além de ser estimuladora de dogmatismos e fundamentalismos de diversos teores, advindos de todos os lados. Mas como já se disse mais de uma vez o bem e o mal habitam juntos nos corações de todos nós e se manifestam como propensões (tendências) enormemente complexas.

 Essas propensões são expressões de condições e situações neurológicas, psicológicas, sociais, políticas, econômicas, ambientais, etc. Isso, evidentemente, não significa dizer que todos nós somos simultânea e igualmente bons e maus. Há, obviamente, que se distinguir o ato virtuoso do ato hediondo e decididamente haveremos de distinguir quem os pratica. O que estamos querendo dizer é simplesmente o seguinte: em um mundo, como o nosso, as virtudes e os defeitos da ciência e da tecnologia devem ser concebidos como um complexo envolvendo múltiplas dimensões.

Efetivamente, as ciências de hoje, embora sejam filhas daquela ciência dos tempos de Galileu e Newton, se distanciaram sobremaneira da ciência mãe. E isso em muitos e muitos aspectos. Alguns desses aspectos são os seguintes: (1) hoje essas ciências se encontram sofisticadamente institucionalizadas, o que, evidentemente, não era o caso da ciência galileana; (2) a instituição da ciência tornou-se intensamente instrumental e serve a gigantescos poderes que são qualitativamente diferentes dos gigantescos poderes dos quais a própria ciência era vítima na sua forma nascente no século XVII que eram aqueles da instituição da Igreja Católica.

As várias faces de uma situação muito complexa: No dia 31 de janeiro de 2008, o jornalista e editorialista Helio Schwartsman da Folha de São Paulo publicou um artigo intitulado "Ciência sob Ataque" no qual criticou a ministra do Meio Ambiente Marina Silva por ter defendido - na saída de um evento criacionista para o qual fora convidada- o ensino de teorias "alternativas" ao darwinismo. (As aspas na palavra alternativas foram postas por Schwartsman). Ele argumentou que a ministra Marina Silva tem o direito, enquanto cidadã, de expressar a sua adoção pessoal, pois essa é uma prerrogativa democrática de qualquer cidadão em um Estado de Direito, mas enquanto Ministra de um Estado laico e, portanto, representante desse Estado, não deveria fazê-lo. O editorialista estendeu suas críticas aos ex-governadores, Rosinha e Antony Garotinho, por terem introduzido o ensino do criacionismo nas escolas da rede pública do Rio de Janeiro.

 Schwartsman escreveu que "admitir que padres e pastores profiram suas sandices epistemológicas em seus templos é uma necessidade democrática. Mas não faz nenhum sentido repeti-las nas salas de aula de um Estado laico". Aduz ainda ele que "fatos sobre o mundo não são matéria que se decida com base em convicções pessoais ou maioria".

Tal como Schwartsman concordo que os três políticos evangélicos acima citados têm o direito de exercer livremente suas crenças, pois trata-se de uma prerrogativa democrática do cidadão. Devem eles, por outro lado, não confundir esse direito com as suas funções de homens e mulheres representantes de um Estado laico.

No entanto, o foco de minha questão não é esta e sim outra bastante diferente. Ao colocar no seu artigo o título "A Ciência sob Ataque" e ao argumentar na forma como o faz, o editorialista da Folha de São Paulo parece atribuir demasiadas luzes à Instituição da Ciência e demasiadas trevas a quaisquer eventuais oposições aos poderes que essa institucionalização passou a representar, muitos dos quais nada ou pouquíssimos científicos.

Como físico teórico e professor desta disciplina, defendo o desenvolvimento livre de todas as ciências, mas defendo igualmente que o desenvolvimento dessas seja controlado pelos cidadãos, pois entendo também que o controle democrático da ciência e da tecnologia seja um direito do cidadão. Em outras palavras, os produtos da ciência e da tecnologia não estão acima de qualquer suspeita e a sociedade não tem apenas o direito de se manifestar como também tem o dever de exercer esse controle. Desenvolvimento livre não significa desenvolvimento irresponsável.

Aqui, é necessário um contraponto. Em um país como o nosso em que há carências graves -como aquelas representadas pelo déficit de alguns milhares de professores nas várias ciências, notadamente física- temos a obrigação de estimular e incentivar na juventude o gosto pelas disciplinas científicas que são essenciais para o desenvolvimento do país e esta é uma ponderação necessária. Este estímulo, no entanto, para ser honesto, deve necessariamente vir acompanhado da crítica aos produtos da ciência e da tecnologia que eventualmente possam causar danos à saúde pública, à qualidade de vida das pessoas, ao ambiente por todos nós constituído e compartilhado, e assim por diante.

Tudo isso é o que o Grupo de Nápoles Scienza e Democrazia/Science and Democracy chama de Controle Democrático da Ciência e da Tecnologia. Isso, evidentemente, nada tem de obscurantista. Muito pelo contrário. Trata-se de uma oposição necessária e urgente frente a um novo absolutismo representado pelos gigantescos interesses das poderosas corporações que se utilizam de maneira instrumental dos produtos da ciência e da tecnologia. Essas corporações cada vez mais tutelam e controlam a produção em ciência e tecnologia, concentrando demasiado poder em suas mãos em sério perigo para as instituições democráticas. Em larga medida -é bom que se afirme com todas as letras- tais interesses não necessariamente coincidem com os interesses dos povos por paz duradoura, boa saúde pública, ambiente limpo, alimentos saudáveis e vida feliz e autônoma dos cidadãos, inclusive dos cientistas.

A tese que defendemos aqui é a de que a(s) ciência(s) e a livre criatividade dos cientistas devem ser estimuladas com entusiasmo, mas que os produtos dessas e das tecnologias a elas conectadas devem ser severamente controlados pela sociedade civil. Além disso, defendemos que a sociedade civil - contrariamente ao que elitistamente se afirma- tem condições de exercer democraticamente este controle através de suas múltiplas interlocuções e organizações. Não admitir isso seria equivalente a ceder gratuita e irresponsavelmente espaço ao apetite absolutista das grandes corporações multinacionais que têm obsessão por mercado e por lucro a qualquer preço.

Essas corporações não apenas se utilizam instrumentalmente da(s) ciência(s) atropelando princípios éticos que deveriam lastrear qualquer conduta minimamente desejável. Elas tutelam, manipulam e chantageiam a comunidade científica e tem o poder de pôr no ostracismo membros, inclusive famosíssimos e muito prestigiosos, que a partir de então, através do braço repressor do financiamento e do poder midiático dessas corporações, passam a ser foco de uma cruel campanha de difamação. É triste constatar que diante de um quadro do gênero, a venalidade e o carreirismo tornaram-se uma poderosa moeda de troca.

Alguns exemplos eloqüentes: IRWIN D. BROSS: O bioestatístico e epidemiologista Irwin Bross (1921-2004) foi um cientista de peso no contexto da ciência estadunidense e mundial. Na década de 50 do século passado foi o responsável por planejar o primeiro grande teste clínico para a quimioterapia de câncer de seio. Ele planejou também alguns entre os primeiros testes clínicos da cura da leucemia infantil. As suas pesquisas repercutiram bastante e redundaram em práticas que hoje se tornaram corriqueiras como, por exemplo, o uso obrigatório dos cintos de segurança nos automóveis e a redução dos níveis de alcatrão e nicotina nos cigarros.
Bross, outrora tanto prestigiado, passou a ser colocado no ostracismo e impiedosamente perseguido após posicionar-se contrariamente às teses defendidas pelo establishment dominante. Este último incutia nas pessoas através de propaganda a idéia de que a exposição humana a níveis baixos de radiação residual era inócua à saúde. Bross defendeu, em oposição a esse ponto de vista, que tal radiação era e é severamente lesiva à saúde.

Após as bombas de Hiroxima e de Nagasaki, tropas estadunidenses ocuparam aquelas cidades japonesas. Estima-se que dos 222.000 veteranos expostos à radiação residual no período imediatamente posterior à explosão, cerca de 50.000 soldados contraíram câncer, manifestado tempos depois. A doutrina do Pentágono, sustentada por cientistas como Edward Teller, era que aquela radiação residual constituía-se em algo inócuo para a saúde. Muitos chegaram ao cinismo de especular que, no caso mais desfavorável, quando a doença viesse a se manifestar, essas pessoas expostas ou "já estariam aposentadas ou mortas por algum motivo e que assim não haveria problema."

Os cientistas que por venalidade deram legitimidade à tese do Pentágono, não são inocentes nesta história. Eles participam do poder que persegue e põe na dissidência quem tem compromisso com o bem público e que, em detrimento da própria carreira, assume posições corajosas. Diferentemente desses, os venais conquistam fama e dinheiro com o sofrimento alheio.

É importante que se afirme que Irwin Bross foi um peso pesado da ciência estadunidense. Pesquisador na Universidade John Hopkins, chefe do setor estatístico do Sloan-Kettering Institute, que é um dos mais importantes centros de pesquisa sobre tumores, e diretor do departamento de estatística do Roswell Park Institute of Cancer Research em Buffalo, Estado de Nova Iorque.

As conclusões de Bross que foram publicadas em um capítulo intitulado Sul "fare storia" no livro Scienze, Poteri e Democrazia organizado pelo Professor Marco Mamone Capria da Universidade de Perugia são realmente eloqüentes na medida em que advertem para uma situação enormemente perigosa para a humanidade. Tudo isso nos faz lembrar o escritor português José Saramago, Premio Nobel de Literatura, que em depoimento asseverou que o mundo vai mal e que a democracia vigente é uma ilusão, pois consiste apenas em tirar um governo do qual não gostamos para substituir por outro que talvez venhamos a gostar. Mas, a grande maioria dos governos, de fato, não manda. São as grandes e gigantescas corporações sim, que estão exercendo o poder.

A questão dos transgênicos: Trata-se de um dos temas recorrentes em todas as três versões já realizadas dos Congressos de Nápoles (2001, 2003 e 2005). Os trabalhos apresentados sobre o tema são competentíssimos, além de escritos por autores sérios e honestos que têm rigoroso respeito pelo interesse público. Infelizmente, a questão é quase sempre posta para o grande público com aquele tom maniqueísta: progressistas versus retrógrados.

De um lado estariam os pressupostos progressistas que querem o bem da ciência e o progresso científico e tecnológico e do outro lado estariam aqueles que passam a receber o epíteto de ‘retrógrados ambientalistas' que querem o atraso. Nada mais perverso, mais fraudulento e mais enganoso. Stefano Dumontet, professor da Universidade de Nápoles, destacado pesquisador da ciência agronômica e um dos organizadores dos congressos de Nápoles emitiu o seguinte parecer a respeito do tema.

Provavelmente, o debate sobre os organismos geneticamente modificados (OGM) é colocado como um falso problema. Chamar em causa a ciência neste debate é um despropósito. A ciência, ou melhor, a tecnologia genética, desempenha um papel secundário e até mesmo absolutamente marginal. E isso, quer seja no sentido da autonomia da pesquisa quer seja na autonomia de sua função social.

Tal como afirma Dumontet os cientistas trabalhando no campo sofrem da falta de autonomia em dois importantes sentidos: no primeiro, devido a sua dependência de financiamentos pesados para poderem levar adiante as suas pesquisas na medida em que esses financiamentos são controlados pelas grandes corporações; no segundo sentido, e ainda com maior razão do que no primeiro, esses cientistas carecem da autonomia para participar das diretrizes das políticas públicas que são definidoras da função social que os organismos geneticamente modificados exercem.

Os problemas acarretados pelos OGM não são apenas de natureza científica no sentido estrito do termo. Eles acarretam também enormes conseqüências éticas e políticas. As grandes corporações do campo se interessam, em primeiríssima instância, pela privatização e por patentes, pois têm o intuito de dominar mercados e obter lucros astronômicos.

Para tal produzem sementes estéreis que deixam os agricultores em completa dependência. Os agricultores ficam na posição de vassalagem frente ao novo absolutismo emergente. Ao invés do absolutismo caracterizado pelo L'etat c'est moi (O Estado sou Eu) de Luiz XIV, agora, com o advento de certos tipos de tecnologia genética, passou a existir o novo absolutismo da Monsanto e suas co-irmãs corporativas caracterizado pelo lema La vie c'est moi (A vida sou Eu). Sementes estéreis somente podem ser utilizadas no primeiro plantio, mas as sementes daí resultantes não podem mais ser utilizadas. Isso coloca os agricultores em completa dependência do capricho das grandes corporações.

Ainda que essa tecnologia fosse sem problema, o que não é o caso, a vassalagem dos agricultores já seria um problema ético e político de monta. Mas essas tecnologias são custosas, ineficientes e com grande potencialidade de contaminação genética como foi o caso do milho relatado pela revista Nature de 27 de setembro de 2001. Stefano Dumontet e Giovanni Figliuolo escrevem que:
É de pouco tempo a descoberta de que o gene Bt que confere resistência contra os insetos e portanto portador de vantagem seletiva foi transferido por fluxo genético natural das culturas OGM às variedades locais de milho cultivado no México, região que representa o centro natural da diversidade genética desta cultura.(DUMONTET & FIGLIUOLO, p. 327, In: MAMONE CAPRIA (Org.), 2006)

As sementes estéreis não constituem apenas um problema ético e político na medida em que em função da dependência criada, agricultores são compulsoriamente constrangidos a se transformarem em vassalos das corporações. O próprio fato da esterilidade, em oposição fundamental ao natural processo da vida, constitui-se em algo, no mínimo, suspeito. Quando pensamos que isso se dá unicamente para proteger direitos de patente, prover a conquista de mercado e incentivar o lucro exorbitante, então é forçoso concluir que "algo está podre no reino da Dinamarca".

Os problemas não param por ai. A contaminação química, a diminuição da diversidade biológica e o empobrecimento dos solos são questões de monta. E todos esses problemas são deveras acelerados pelos organismos geneticamente modificados.

Há, além disso, o problema geopolítico. O exemplo do que sucedeu na Zâmbia é sobremaneira emblemático. Vejamos o relato do cientista zambiano Mwananyanda Mbikusita-Lewanika que participa do Grupo de Nápoles. Esse país tinha uma economia excessivamente voltada para a mineração. Empreendeu esforços para diversificá-la por meio da agricultura. Sérios problemas de transporte e armazenamento passaram a existir. Foi oferecida à Zâmbia ajuda internacional na forma de oferta de alimentos transgênicos (organismos geneticamente modificados).

A sociedade zambiana, através de suas comunidades científicas, sociedade civil e a população em geral recusaram a oferta. O governo zambiano solicitou, em contrapartida, grãos não geneticamente modificados, mas os organismos internacionais se negaram a atendê-lo, pois os principais doadores - à frente os EUA- misturavam os seus grãos genética e não geneticamente modificados e desta maneira não haveria como discriminá-los. O governo zambiano então sugeriu que uma ajuda em termos de transporte fosse oferecida uma vez que havia superávit de produção em algumas regiões e déficit em outras; deste modo, se fosse oferecida ajuda em termos de infra-estrutura, então o problema poderia ser resolvido. Os organismos internacionais mais uma vez se negaram a ajudar com o argumento de que não tinham como prestar esse tipo de ajuda.

Esses organismos internacionais conjuntamente com o governo dos EUA pressionaram politicamente para que a proposta inicial da oferta de grãos geneticamente modificados fosse aceita e quando viram que os zambianos mantinham a sua negativa, passaram a empreender uma campanha difamatória a fim de que se
viesse a desacreditar no governo e nas instituições daquele país como "retrógradas", "atrasadas" e "renitentes ao progresso científico".

A questão dos transgênicos é profundamente geopolítica e requer a participação da sociedade civil. Os cientistas não estão em melhores condições que os não-cientistas para a tomada das melhores opções. Mais uma vez ressurge o mito dos OGM tal como surgiu o mito da Revolução Verde décadas atrás.
Pode-se ressaltar a questão geopolítica quando lembramos que o governo Bush vem fazendo críticas ácidas à Comunidade Européia em função da moratória dessa em relação aos organismos geneticamente modificados, com base no Princípio da Precaução.

Jenner Barreto Bastos Filho é Físico e Prof da Universidade Federal de Alagoas
Artigo publicado originalmente na Gazeta de Alagoas
http://gazetaweb.globo.com/v2/gazetadealagoas

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Última atualização em Seg, 05 de Maio de 2008 17:22
 

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