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Uma solução, por Fernando Horta
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Cidadania
Qua, 11 de Outubro de 2017 04:45

Fernando_HortaO pensamento conservador nunca teve apelo para as massas. Sempre precisou de um veículo no qual imbutido conseguia tornar-se palatável para aqueles – maioria – que não recebem do mundo material nenhum indicativo de facilidade e nenhuma ideia de melhora para sua vida.

Há uma maioria de pessoas para as quais as benesses do capitalismo nunca chegaram e nunca chegarão. Qualquer ideal conservador (que procura manter as coisas como estão) não atende, pois, minimamente os interesses deste grupo.

Daí que sempre o Estado precisa de uma força coercitiva física. Para lidar com os descontentes de forma direta. Tanto maior é este aparato quanto maior a diferenciação social de um país ou de um local. Se a polícia gasta em spray de pimenta, bala de borracha e cacetete, fica claro que não é uma policia contra o criminoso que está em oposição à lei. É uma polícia contra o cidadão que quer mudança política. Está em oposição ao grupo que governa.

A História ensina que a violência física, para conter movimentos sociais é a solução mais cara e de menor efetividade. O custo imediato da contenção via pancada é ainda maior em uma sociedade do século XXI, em que o sangue no rosto de um professor ou um menor de rua baleado por um policial provoca – ou deveria provocar – uma imensa conturbação social. E a cada golpe de cacetete no cidadão este custo aumenta. A contenção meramente física não é sustentável a médio e longo prazo, além de desgastante politicamente.

Neste ponto que o pensamento conservador entra. Fica clara a necessidade de um controle ideológico da população. Um controle que se baseie na coerção das ideias e não na física. Um controle concentrado (o Direito) e um controle difuso (educação, religião, mídia, ideologia e etc.) que possa ser exercido por meio de alguma legitimidade retórica e que pareça virtuoso, que tenha uma significação primeira carregada de obviedade e “normalidade”. A naturalização das normas sociais (aquele processo que diz que “foi sempre assim” ou que “é claro que tem que ser assim”) é o processo mais evidente desta dominação invisível.

A questão é que o convencimento de uma população heterogênea não é simples. As chaves de linguagem que funcionam para um jovem negro de periferia de uma grande cidade brasileira não são as mesmas para uma mulher, branca que trabalha no campo ou para um executivo de classe média. O conservadorismo deve, portanto, buscar embalagens diferentes que possam cruzar as heterogeneidades sociais e econômicas protegendo a integridade da mensagem interna. É vital para as elites que o sistema que lhes beneficia (e até por isto elas se tornaram elites, numa relação dialética com o sistema e seus benefícios) se mantenha o mais imutável possível. E para isto é preciso convencer os desfavorecidos deste sistema que eles assim o são por motivo diverso do que a própria lógica do sistema.

Ora, se as próprias regras do jogo fazem com que um time de duzentas pessoas perca sempre para um time com dez é preciso contar a estas pessoas que a “culpa” pela derrota não está nas regras, não está no jogo. A “culpa” deve recair ou na incontestável superioridade técnica individual dos dez que ganharam, ou na também incontestável incapacidade (ou leniência) dentro do time dos duzentos que perderam. Como estas explicações estão sempre sujeitas ao escrutínio racional, e, desta forma, podem ser colocadas em xeque por mera observação, surge uma terceira explicação: os dez ganharam por que Deus quer. A hierofania (manifestação divina na terra) se torna causa e consequência das diferenciações sociais e econômicas. E incontestável, eis que as razões dos deuses são insondáveis e misteriosas embora – diz-se – sempre certas.

Acho que se o leitor chegou até aqui já pode ver refletidos os três discursos legitimadores das coisas (e conservadores, portanto), que hoje assolam o Brasil de forma mais violenta: o empreendedorismo liberal que diz “para ser rico é só trabalhar”; a criminalização da pobreza via incapacidade ou indolência (aquela que diz que pobre é vagabundo ou analfabeto incompetente); e a Teologia da Prosperidade, deste neopentecostalismo de mercado em que deus é um comerciante num balcão que aceita doações materiais em troca de benesses espirituais. Este deus mais se parece com um comerciante desonesto pois a sua parte do contrato ele recebe imediatamente, enquanto a sua obrigação é sempre condicional a uma série de razões que só vão aparecer depois: “você não teve fé suficiente”, “não doou o suficiente”, “não acreditou o suficiente”, “não aceitou Cristo totalmente” ... e por aí vai. Claro que o contrato com esta divindade vigarista é sempre irrecorrível. Seu procurador (sem procuração) enriquece (o pastor), claramente (sic) porque “acredita” e “tem fé”.

Como a sociedade brasileira é tão desigual que os dois primeiros caminhos de legitimidade da desigualdade (empreendorismo e a criminalização da pobreza) são de difícil aceitação para a maioria da população, o que mais cresce é esta religiosidade teatral mercantil que – se aplicássemos corretamente nossas leis – até ilegal é. E estes pastores-comerciantes-procuradores de divindades vigaristas enriquecem, compram televisões e rádios, entram para a política e tentam dominar toda forma de crítica e questionamento a eles mesmos. Atacam, pois, a arte, a educação, o livre pensar, a ciência ... tudo dentro da mais perfeita cartilha do século IX antes de Cristo. Como resolver este problema, que ataca não apenas o cerne da democracia mas todo o arcabouço de sociedade laica que se tem desde o século XVIII?

Existem três maneiras distintas. A primeira é como fez Angola, decretando unilateralmente e na legislação do país que este neopentecostalismo comercial de mercado “se aproveita da boa vontade da população” e por isto está proibido. Embora autoritária, a solução resolve o problema. Demanda, porém, continuidade neste controle e – como afirmamos no início do texto – é um meio de controle caro e talvez mesmo ineficaz a médio e longo prazo.

A segunda forma é como foi feito em países como China, antiga URSS e Cuba ou também nos países nórdicos e ensaiado na União Européia: um ensino radicalmente laico, materialista e com um nível de aprofundamento científico capaz de destruir o mais básico senso comum. Veja que este tipo de educação só é possível em países capitalistas homogêneos e pequenos, e em grandes populações só por meio do modelo socialista de controle do Estado. Não há nenhum país capitalista de grande população que tenha conseguido implementar este laicismo, mesmo a França sofre com este problema. O custo de uma educação laica é grande. Há que se formar e selecionar professores, manter em constante formação, gerar um grau de legitimidade social ao professor bastante alto,  criar um apareto de regras e regimentos que fortaleça o laicismo, criar aparatos de controle (ao menos no início do processo) e etc. ... Não creio que o Brasil tenha condições de resolver o problema desta forma.

A terceira forma foi a utilizada nos EUA desde o século XVIII até hoje. Em que pese o recente assalto de uma religiosidade conservadora, a política norte-americana equaciona bem o problema desta “Teologia da Prosperidade” que, por sinal, nasceu lá, nos anos 70. A forma de controle é simples. Desde antes da Independência (1776-1783) houve um pedido das Treze Colônias da América do Norte para serem reconhecidas como parte política do império inglês. Eles bradavam “No representation, no taxation”. Algo como “sem representação política não pode haver cobrança de impostos”. Daí a lógica traz a solução para o problema da religião na política: quem não paga impostos também não pode entrar na política.

Nos EUA, qualquer associação civil que goze de QUALQUER imunidade tributária não pode participar, sob qualquer forma, da política. Não pode fazer propaganda, escrever sobre, ter candidatos, fazer proselitismo, nem nada. Em caso de desrespeito à lei, os impostos são cobrados retroativamente, cinco, dez ou até quinze anos para trás em alguns estados. Um pastor evangélico que vire político usa – a bem da verdade – o dinheiro do cidadão para fazer sua campanha. O que ele não paga de impostos (dinheiro do povo, portanto) ele gasta na campanha. É imoral, ilegal e atentatório à democracia e à república.

Podem perguntar: mas se um pastor quiser se candidatar? Que saia dos locais religiosos e a sua igreja declara abertamente, diversas vezes que “não apoia nem política nem economicamente o candidato X”, porque se houver a mínima desconfiança social de que não houve esta ruptura, a Igreja vai pagar os impostos. Retroativamente e com multa.

O princípio vale para os “think tanks” também, mas este é o tema de um outro texto.

A obrigação do pagamento de impostos é uma defesa da laicidade do Estado, da democracia e teria o condão de parar este movimento que estamos fazendo rumo à Idade Média. E talvez até reequilibrasse as contas públicas que Temer está destruindo. Afinal, a parte mais sensível destes “religiosos” não é sua fé, mas o seu bolso.

Que estes pastores-políticos paguem seus impostos já! Retroativamente, claro.

Artigo publicado originalmente em  https://jornalggn.com.br/noticia/uma-solucao-por-fernando-horta

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