Mesmo morta, seguem atirando sobre o seu corpo. Por Gregorio Duvidier |
Cidadania | |||
Seg, 19 de Março de 2018 09:26 | |||
Estão tentando politizar a morte de Marielle, diz o deputado, a desembargadora e os abutres de plantão. Marielle morreu como morrem todos e todas, dirão. Podia ser meu filho, podia ser o seu. Estão fazendo palanque em cima de um caixão. A violência assola o país inteiro e nos iguala a todos, disseram, e é por isso, pra evitar a morte de mais Marielles, que precisamos de mais intervenção, chegaram a dizer. E a classe média, indignada com aquela morte absurda, até então sem explicação, respirou aliviada: ah, ela era mulher do Marcinho VP, ufa, tá explicado. A mulher da foto sequer se parece com ela, assim como o homem sequer se parece o Marcinho VP. Mas a mulher é negra, se não é ela, é sua prima. Muita gente aceitou. A postagem do MBL tem mais de 30 mil compartilhamentos em um dia --e não para de crescer. Multiplicam-se áudios vazados no WhatsApp --alguns supostamente da própria Marielle. "Isso é coisa do Comando Vermelho", diz um suposto expert, explicando-se em seguida: "os bandidos usavam chinelo". Elementar, meu caro WhatsApp. Estão tentando despolitizar a morte de Marielle. Não bastasse matá-la, agora tentam diluí-la. Despolitizar Marielle equivale a matá-la outra vez, e de uma maneira igualmente cruel. Todos aqueles que responsabilizam, mesmo que indiretamente, Marielle pela sua execução têm as mãos sujas de sangue. Toda execução de um político é um ato político: junto com o representante, querem matar tudo aquilo que ele representa. Marielle passou a vida lutando contra o feminicídio, a guerra às drogas, a desigualdade, e sobretudo o genocídio da população preta e pobre. Não tratar a morte de Marielle como parte desse genocídio é desrespeitá-la. Pedir mais intervenção militar usando seu nome é ultrajá-la. Sua morte não antecede a intervenção. Sua morte é consequência da intervenção, logo não pode ser sua causa. Não podemos deixar Marielle morrer duas vezes. Mataram pra silenciar seu grito. Não funcionou. Sua voz ganhou o país inteiro. Foram buscar munição pesada. Não sossegam. Mesmo morta, continuam atirando sobre o seu corpo. Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo
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