Sábado retrasado (13), num seminário para jornalistas da Fundação Nieman em Harvard, Yochai Benkler projetou um gráfico que sintetiza bem o estado terminal da noção de opinião pública.
À esquerda da tela, uma constelação de bolinhas azuis (jornais e revistas mais compartilhados por eleitores do Partido Democrata) e verdes (compartilhados por progressistas e conservadores sem distinção); à direita, círculos vermelhos dos meios que atraem a atenção de adeptos do Partido Republicano, Trump et caterva. Um estudo quantitativo, baseado na análise de mais de 1 milhão de reportagens publicadas por 25 mil órgãos da imprensa americana.
De um lado, The New York Times, Washington Post e similares. De outro, Fox News, Breitbart e outros. Além das cores, o tamanho das bolinhas indicava a frequência de compartilhamentos, e linhas entre elas davam ideia da tendência das pessoas a reproduzir notícias e informações de uns e de outros.
Autor do livro “Network Propaganda” com Robert Faris e Hal Roberts, Benkler chamou atenção no seminário para dois aspectos reveladores do gráfico referente às cem fontes mais citadas no Twitter: um emaranhado de linhas ligava os círculos azuis e verdes entre si, enquanto os vermelhos se destacavam por uma rede separada, menos densa e menos intricada.
Na interpretação de Benkler, a figura mostra que a centro-direita desapareceu e que a extrema direita (no gráfico) tem características próprias, sendo mais insular: “Não é direita vs. esquerda, é direita vs. o resto”.
Parece com o Brasil pronto para eleger Bolsonaro? Sim e não.
Como sua campanha se sustenta mais no WhatsApp do que em redes como Twitter e Facebook, um gráfico desses seria mais difícil de traçar para esta eleição.
Embora a campanha do PSL tenha encontrado formas de mobilizá-los como veículos de comunicação e propaganda em massa, como mostrou reportagem de Patrícia Campos Mello, os grupos de WhatsApp são encriptados. Formalmente, apenas possibilitam conversas privadas, anônimas, que não podem ser rastreadas.
Se a esfera pública pode ser comparada com uma praça de comércio, o WhatsApp conduz à sua balcanização graças a reservas de mercado: certos setores só compram e vendem informações (leem e compartilham) entre si, sem expor-se à concorrência de mercadorias potencialmente melhores (ideias e fatos mais representativos da realidade).
É como escrevi num tuíte: “As Guerras Culturais acabaram. Eles venceram. Fatos, medições e ciência têm agora o mesmo valor que opinião e religião”.
O que faz um jornal diante de tamanha erosão de sua própria razão de ser? Aceita sem espernear o ostracismo paulatino imposto por quem não tem compromisso com a busca da verdade e lhe imputa falsamente a pecha de central produtora de “fake news”?
A melhor resposta até agora partiu de Marcelo Coelho, no artigo “Ele sim, ele não, tortura pode ser”. “O PT merece caminhões de críticas hoje e elas devem ser repetidas sempre. Mas nunca tivemos um defensor explícito da tortura como candidato —e disposto a cumprir a promessa”, escreveu o colunista.
Eis o fato, sim, inquestionável: nunca, desde que foram restabelecidas as eleições diretas por que tanto lutou a Folha, tivemos um defensor explícito da tortura como candidato. Um candidato que mobiliza os sentimentos políticos mais primitivos (medo irracional, agressividade, xenofobia, homofobia) para chegar ao poder, fiel à máxima de que os fins justificam os meios.
E ainda chamam o cara de mito. Houve um tempo em que imprensa, ciência e opinião pública existiam para desbancá-los.