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2019 não será mera reedição de 1964. Por Angela Alonso
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Cidadania
Qua, 02 de Janeiro de 2019 00:27

Angela_AlonsoEleição de Bolsonaro não é marola de opinião nem reencarnação de populismos. Entre jocosas e desesperadas, mensagens de fim de ano falam de uma virada de 2018 para 1964.

Assim se evoca um presidente militar, cercado de militares, e uma semelhança de clima de opinião.

Agora como então, liberalização de costumes, avanço de pautas redistributivas e política econômica intervencionista provocaram manifestações reativas, dentro e fora das instituições. Dado este passado recente, o resultado das urnas não devia surpreender.

Mas surpreendeu. Cientistas políticos, sociólogos, jornalistas e economistas estiveram cegos para a avalanche até que ela os atropelou.

O triunfo bolsonarista possui várias camadas. Algumas são recentes e instáveis, caso do voto de protesto e do apoio de cepas da elite econômica. Mas há níveis mais antigos e sedimentados.

Desde o governo Lula, vem se configurando uma mobilização social antiesquerda no Brasil. São institutos, no formato think tank, como o Millenium, que promovem debates, cursos, publicações. São rádios e TVs, canais no YouTube e jornais digitais. E há redes de empreendedorismo cívico e religioso que estimulam ativismos, movimentos de “renovação”, novas lideranças e novos partidos.

Pode-se supor que o fenômeno é recente. Não é. O Instituto Mises Brasil foi criado em 2007, o movimento Basta! levou milhares de pessoas às ruas contra a corrupção em 2011 e, no ano seguinte, surgiu o Movimento Contra a Corrupção, de escala nacional.

O Partido Novo colheu assinaturas para seu registro durante os protestos de 2013. Em março de 2015, 54 grupos se coordenaram na Aliança Nacional dos Movimentos Democráticos, que organizou manifestações de quase 1 milhão de pessoas contra o governo Dilma Rousseff.

Esse campo antiesquerda é amplo e enraizado. E nada tem de homogêneo. Ao contrário do que o uso farto das noções de populismo e fascismo leva a crer, trata-se de universo de alta complexidade. Tem clivagens, matizes, nuances, que podem ser resumidas em uma matriz 3 por 3.

Um eixo é o grau de controle sobre o comportamento que se prescreve —com práticas mais liberais, mais conservadoras ou mais autoritárias. Outro é o das dimensões valorativas sobre as quais o controle incide: costumes, economia, instituições políticas. A combinatória produz desde autoritários puro-sangue até contraintuitivos grupos anarcoliberais.

Tanta diversidade gera entropia. O que agrega os diferentes é uma retórica ambígua, com definições genéricas o bastante para produzir unidade mínima face a um campo adversário. Um de seus polos de aglutinação é o antipetismo.

Outro é a “ética” na vida pública. Certos grupos a adotaram como lisura na gestão do governo, com corolário de que um Estado com menos impostos, órgãos e atribuições seria menos suscetível à corrupção.

Outros traduziram “ética” por moralização de costumes, resguardando nação, religião e família das ameaças do cosmopolitismo, do livre pensamento e da diversidade de estilos de vida.

A ambiguidade propiciou abrigar sob mesmo guarda-chuva grupos nacionalistas, militaristas, anticomunistas, pró-livre mercado, antitaxação, anticorrupção e pelo controle dos costumes. Todos ansiosos por uma sociedade mais “ética”, cada um entendendo “ética” à sua maneira.

Esse universo deu bases para a propaganda de valores alternativos aos da esquerda. Via mídias sociais, seminários, marketing e ferramentas de planejamento estratégico, difundiu narrativas de detratação do inimigo comum.

Também angariou fundos e apoios, fez lobby e alianças no Congresso, recrutou adeptos, organizou manifestações e coordenou elites sociais insatisfeitas com os governos petistas.

Todo esse mundo cresceu ao largo da grande mídia e da maioria dos cientistas sociais. Acumulou-se por quase uma década, antes que sua evidência nas ruas em 2015 impusesse sua consideração.

Capilaridade e volume suficientes para impulsionar uma candidatura presidencial. O capitão se beneficiou dessa sólida vertebração societária do centro à direita, que vicejava antes das eleições.

A avalanche social recaiu, por fim, sobre o sistema político, mas não nasceu dele, nem a ele se restringe. Tampouco se pode equacionar pela idealizada “reforma política”.

A eleição de Jair Bolsonaro é a vitória de uma mobilização social duradoura e arraigada. Não é marola de opinião. Nem é reencarnação de populismos ou fascismos. É fenômeno complexo e moderno. 2019 não será mera reedição de 1964. Quem fica pensando que a história se repete perde o bonde e acaba atropelado.

Angela Alonso
Professora de sociologia da USP, preside o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. É autora de “Flores, Votos e Balas”.

Artigo públicado originalmente na FSP de 30.12.18

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