Sirkis vai embora com as nossas ilusões. Por Moisés Mendes |
Cidadania | |||
Dom, 12 de Julho de 2020 20:23 | |||
Alfredo Sirkis morreu no dia em que um general, ocupante da vice-presidência da República, assumia compromissos com empresários ricos para redução no ritmo de destruição da Amazônia. Na véspera, o general havia prometido a mesma coisa a investidores internacionais. Não são compromissos com o país, com os brasileiros, com os ambientalistas ou com os povos da floresta. São acordos com o pessoal do dinheiro. E tudo parece muito natural. Sirkis morreu nesse ambiente de destruição e de pressão de homens de negócios, porque o bolsonarismo prejudica seus interesses. Retrocede-se a abordagens pré-Sirkis. O jornalista havia renovado o discurso ambientalista no Brasil. Foi ele quem politizou o que, quando retorna ao país, nos anos 80, chamavam de movimento ecológico. Sirkis era uma cara nova, o anjo Gabriel da ecologia, num contexto de militância de mulheres e homens já maduros. Ele é quem amplia o conceito de luta verde, dando sequência ao movimento liderado por gaúchos. José Lutzenberger, Magda Renner, Augusto Carneiro, Hilda Zimmermann, Giselda Escosteguy Castro, Flavio Lewgoy, Sebastião Pinheiro, Caio Lustosa – todos eles se preocupavam com ar, rios, matas e bichos como uma luta de grupos organizados à margem da política. Sirkis, inspirado no que via na Europa, ofereceu discurso político à militância. A guerra era pesada, era mais do ecológica, era ambientalista. Amplia-se o conceito e seu alcance. Fundam um Partido Verde. Hoje, temos restos de quase tudo que veio depois. O Brasil mostra ao mundo o mais trágico retrato da destruição ambiental com o que se passa na Amazônia. Mas deve ser um dos países mais resignados diante dessa destruição. É desolador. Sirkis, o cara que remoçou a luta ambientalista, viu já como idoso os jovens se mobilizarem no ano passado no mundo todo em defesa da nossa floresta – que eles consideram um bem de todos –, enquanto os jovens brasileiros viam as manifestações de rua pela TV. O sentimento de que a Amazônia pode ser destruída é hoje muito mais um dilema dos jovens estrangeiros do que brasileiros. Não temos nada semelhante às mulheres (muitas mulheres) e aos homens maduros que fizeram a cabeça dos jovens no fim do século 20. E hoje não temos jovens que pelo menos tentem imitar Greta Thunberg. Na quinta-feira, o general Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia, disse aos investidores estrangeiros que irá fazer tudo para mudar a imagem do governo em relação à Amazônia. Mas, entre outras coisas, disse também que índios não precisam de água potável (sonegada por Bolsonaro) porque “eles se abastecem dos rios”. E na sexta-feira disse a empresários brasileiros que o governo vai reduzir o desmatamento ao que for tolerável. Um dia antes de morrer, Sirkis ficou sabendo por que o governo se nega a fornecer água aos índios. Mas deve ter morrido sem saber que Mourão vai mobilizar esforços para não perder a confiança dos capitalistas. O Conselho da Amazônia do general não tem representantes do Ibama e da Funai, mas tem 15 coronéis, um general, dois majores-brigadeiros e um brigadeiro. Mourão e os militares serão tutores de Ricardo Salles, o ministro encarregado de passar a boiada. Salles continua no cargo, porque é dele a tarefa de atender demandas de grileiros, garimpeiros e todo tipo de assassino de índio. Alfredo Sirkis deve ter imaginado um dia que a Amazônia seria salva pela ação de uma gurizada cabeluda inspirada em ex-guerrilheiros que viraram ecologistas. A floresta acabou entregue à gestão de homens velhos e fardados, alguns já de pijama, que se aliaram aos desatinos de um governo omisso e conivente com a ação de criminosos. Os índios que não morrerem com o coronavírus morrerão pelos efeitos da cloroquina que os militares distribuem nas aldeias. Rondon já havia fracassado. A geração de Alfredo Sirkis também fracassou. Artigo publicado originalmente no Brasil 247 https://www.brasil247.com/blog/sirkis-vai-embora-com-as-nossas-ilusoes
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