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A independência dos soldados do tráfico por Josias Pires
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Cidadania
Seg, 14 de Setembro de 2009 09:17
A capa do jornal A Tarde, de Salvador, publicada no dia 11 de setembro é uma síntese eloqüente  de algumas das dimensões profundas da sociedade soteropolitana: abaixo do nome do jornal e acima do título "14 presos são transferidos para o Paraná", a fotografia do avião bi-motor da FAB ocupando todo o alto da página, em seis colunas. As asas e o corpo da aeronave atravessam a foto de ponta a ponta. Em primeiro plano os soldados da Força Nacional vigiam os presos, que foram dispostos em duas filas, todos algemados nas pernas e nas mãos. De dois a dois eles sobem as escadinhas de acesso ao avião. Na legenda da foto informa-se que foi a maior operação de transferência de detentos feita na Bahia com destino a prisões de segurança máxima, desta vez para Cantanduvas (PR).

Na metade inferior da página uma foto não tão grande, mas respeitavelmente publicada em quatro colunas, da ialorixá Stella de Oxossi, Maria Stella de Azevedo Santos, 84 anos, de beca azul segura a comenda da 1a. mulher agraciada com o títulos de doutora honoris causa da Universidade Estadual da Bahia. "Reconhecimento à luta em defesa dos direitos humanos", diz a legenda, fazendo evidente contraponto editorial à manchete da primeira página.

De fato, o contraste entre as duas imagens é inquietante. A capa é magistral no sentido de opor duas realidade que convivem na mesma cidade. É óbvio, milhões de coisas acontecem todos os dias em todos os lugares. Mas estamos falando de símbolos. A mulher negra, mãe de terreiro, sacerdotisa de religiões que lutaram bravamente para continuarem vivas. Lutaram, inclusive, para se defenderem da polícia, que costumava quebrar atabaques e objetos rituais na tentativa de dificultar e destruir a crença ancestral.

Estamos falando de um cidade conflagrada pela crime social, que leva ao banditismo milhares de jovens, que morrem e nascem incessantemente.

Numa das reportagens internas do jornal encontramos valioso depoimento da professora aposentada e makota do terreiro angola Tanuri Junçara, Valdina Pinto. Ela recomenda o combate ao tráfico indo "além das prisões dos soldados. "É como numa guerra, quem vai na frente são os soldados, os pequenos. Os poderosos são poupados". Valdina acredita que há pessoas influentes por trás dos soldados do tráfico, que tem fácil acesso a armas, drogas e muito dinheiro.

"Somente o investimento do Estado na atenção aos jovens pobres poderá reverter a situação da criminalidade", afirma. Só as crianças e jovens poderão nos salvar.

Ao lado dos investimentos na juventude é preciso avançar no conhecimento do mapa e da genealogia das organizações criminosas que atuam em Salvador e na Bahia.

Precisamos conhecer como estruturam-se tais organizações e conhecer as suas relações com a polícia. Algo absurdo ocorreu na corporação militar da Bahia no governo Paulo Souto: o comandante-geral da PM pertencia a uma organização criminosa que envolvia outros coronéis em postos-chave de compras de equipamentos, etc.

A conivência com o crime era tamanha que o então maior traficante de cocaína de Salvador, conhecido como Ravengar, hoje preso, morava em local por demais conhecido e tinha larga proteção policial.

O líder Perna passou oito anos na prisão comandando o tráfico até que foi afastado em 2007. Sob um comando que tolera e pratica o crime não tem como o crime ser combatido.

Quando o governo decide combater o tráfico, as pressões todas vêm à tona.

É preciso investir na articulação das políticas públicas, isto é fundamental, segurança pública, já se disse muito, é um pacote de serviços públicos de qualidade.

Como deve ter ocorrido durante outras rebeliões, vi a cidade cair em profundo silêncio, andei em ônibus vazios em horário de rush, senti no ar e nos olhares o espanto nos rostos. Quantos ficaram aturdidos com as cenas de explosões de módulos policiais e ônibus queimados, e mais a promessa terrorista - veiculada pelos programas de tevê - de novos ataques ainda mais fatais contra as vidas humanas.

Vimos e vivemos o sabor amargo do clima de guerra, produzido por uma rebelião feita por jovens recrutados pela grana do tráfico de drogas. Quem são essas pessoas? Qual a história de vida de um Campana? Piti? Etcétera? Como foram suas experiências nas escolas, nas famílias, na vida social, enfim?

Quem sabe se estes poderiam ter virado executivos importantes se tivessem, na infância e juventude,  escolas, trabalho, cultura, lazer, dignidade humana oriunda de políticas públicas decentes e aplicadas com determinação. Ao contrário, o crime multiplica-se em meio às injustiças tremendas de toda a ordem.

É uma vergonha o que os serviços públicos de atenção básica aos pobres ofereçam tão pouco para a formação e transformação das crianças e dos jovens. Chega de propaganda, queremos resultados. Antes de tudo, as crianças, pois só as crianças poderão nos salvar - se ainda houver tempo face às anunciadas catástrofes ambientais.

As crianças e os jovens.

Bancar o debate sobre o fim da ilegalidade das drogas. Estabelecer um debate nacional sobre as drogas, a fim de criar um consenso, uma opinião, divergente que seja, de como equacionar. Liberar significa certificar o mercado, impor ao mercado paralelo as regras do mercado legal. As drogas movimentam bilhões. Não sou economista e não saberei dizer qual o impacto social dessa grana sendo legalizada...

Quanto ao impacto em termos de inclusão social parece-me que poderia ser enorme.

Está bem, a máfia sempre vai existir. Parece que sim - mas pode ser que fique cada vez mais difícil para ela operar.

Novos roteiros. O espanto da rebelião. Sintoma social da tragédia brasileira, da miséria brasileira, rebeldia social trágica. E assim atestamos, mais uma vez, a falência de certo modelo de Estado brasileiro.

Não é nenhuma novidade dizer que no Brasil o Estado foi erguido pelo Rei e sempre protegeu os interesses dos poderosos. Lula não acaba com isso, mas ajuda a acabar na medida em que redireciona importantes prioridades, que as políticas sociais ganham focos e projetos consistentes. Cabe às prefeituras com o estado e os agentes federais fazer a gestão competente dos programas. É disto que carecemos.

Permanece o tamanho gigantesco das transformações que precisamos.

Elas parecem maiores do que pode só o governo fazer.

Ou fazemos a democracia participativa ou perderemos o jogo.

Passou a hora de cair o reis de ouro, o reis de espadas, o reis de copas, o reis de paus, isso já era há muito tempo ...

Vivemos agora a era do pré-sal.

o que será de nós?

Josias Pires Jornalista, mestre em Artes Cênicas, diretor da série de TV “Bahia Singular e Plural”


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