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O Heleno de Tróia. Por Raul Longo
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Qua, 23 de Abril de 2008 05:55
O grande mal de não se ter uma biblioteca organizada, dá nisso. Procuro que procuro uma publicação muito bem elaborada pelo escritório do Bco do Brasil na Venezuela, no início da década de 80, e não acho.
 
Nem lembro como me chegou às mãos, mas é algo que não poderia perder. Intitulava-se, lembro bem: "BOLÍVAR - cartas à SAN MARTIN sobre o Brasil".
 
Interessante a iniciativa do então diretor do Banco do Brasil na Venezuela, mormente relacionando-se o conteúdo daquelas cartas entre os principais líderes da independência do continente, com a situação política brasileira na época da publicação, ainda a ditadura militar.
 
Nas cartas, Simón Bolívar expunha preocupações com o processo de nossa independência, divergente das demais de todo o continente: dos Estados Unidos à Patagônia (argentina ou chilena).
 
Enquanto de George Washington à Bernardo H'Oggins e José de San Martin, os promovedores das independências das nações de todas as Américas instituíram a modernidade política conquistada na Europa com a Revolução Francesa, resgatando aquele continente do jugo das monarquias pós medievais; no Brasil, Pedro de Alcântara adota o retrocesso de um já derrocado Napoleão, e se institui Imperador.
 
Ou seja, além de termos a última das independências do continente, aquilo nada mais era do que um presente de grego no qual Bolívar reconhecia uma ameaça às difíceis e honrosas conquistadas libertárias dos países vizinhos. Daí que, naquelas cartas reunidas pelo dirigente do Banco do Brasil na Venezuela, El Libertador revelava-se intencionado à uma invasão do país para a destituição do Pedro I e conseqüente instauração do regime republicano.
 
Para isso pedia a aliança de San Martin, pois reconhecia inviável às suas tropas a travessia da Amazônia, o instransponível Inferno Verde. Se o líder argentino aproveitasse da facilidade de locomoção de tropas pelos pampas e coxilhas gaúchas, Bolívar tentaria dar a volta para adentrar com reforços em algum ponto de melhor acesso, talvez pelo cerrado que se estendia desde a fronteira com a Bolívia que, confirmando as previsões do líder venezuelano, no império de Pedro II já se atrofiara sob as manipulações diplomáticas brasileiras.
 
Muito se cogita sobre as razões do rompimento de Simón Bolívar e San Martin, inclusive o acordo entre o argentino e os ingleses contra este projeto de republicanização do Brasil. Graças ao que não apenas nos mantivemos monarquistas por quase um século mais, com também escravagistas, visto que em função da monarquia igualmente fomos o último país do continente à abolir a escravatura.
 
Mas o que mais lamento ao não encontrar a tal publicação, é o não lembrar se haveria alguma recomendação ou cuidados de Bolívar quanto ao exército imperial brasileiro. Imagino que não, afinal o Brasil de então possuía apenas 2 grandes centros; o Rio de Janeiro e a antiga capital colonial de Salvador, e só consolidamos nossa independência em julho do ano seguinte, apesar de Portugal ser do outro lado do Atlântico. Do que se pode concluir que a história dos Dragões era mais uma alegoria do que algum risco militar a ser considerado. 
 
Isso se confirma no fato de que para vencer as tropas portuguesas no Recôncavo Baiano, tivemos de contratar o francês Pierre Labatut que, em carta ao José Bonifácio, reclamou: "Nenhum filho de dono de engenho se alistou para lutar". Ou seja, nossas elites decepcionaram o exército brasileiro desde o princípio. Quem garantiu nossa independência foram os tais filhos que não fogem à luta como o popular João das Botas, a camponesa e primeira soldada brasileira Maria Quitéria, entre outros heróis como Luís Lopes, o famoso corneteiro de Pirajá que renegando-se à covardia do toque de retirada, entoou o "avançar cavalaria e degolar", pondo em fuga as forças do General Madeira. Assim ganhamos a independência que o Pedro I proclamara às margens do córrego Ipiranga de São Paulo.
 
Mesmo San Martin não tendo aceito a proposta de Bolívar, verdade é que já antes e depois os "castellanos" que avançavam pelas fronteiras brasileiras com o Uruguai e Argentina, sempre deram muito trabalho aos gaúchos que nunca receberam apoio da corte e do Exército Imperial. Esses ocorridos geraram um sentimento separatista que persiste ainda hoje, por muitas vezes quase nos pondo a perder o importante e significativo estado do Rio Grande do Sul.
 
Só lá em meados da segunda metade do século XIX é que o exército imperial veio a se justificar, quando Solano Lopez nos ameaçou pelo Paraguai. E mais uma vez nossas forças armadas puderam se orgulhar dos filhos que não fogem à luta, com a significativa participação dos bravos guerreiros e exímios cavaleiros índios Guaicurus.
 
Enfim os desejos de Simón Bolívar, morto em 1830, foram realizados em 1889 pelo Marechal Deodoro da Fonseca, nosso primeiro presidente republicano, que foi substituído por seu vice, também militar, Floriano Peixoto. Com mão de ferro Floriano defendeu a República de diversos movimentos monarquistas que eclodiram de sul a norte.
 
Depois destes dois primeiros presidentes da República do Brasil, apenas mais dois militares elegeram-se democraticamente. Primeiro o Marechal Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro, que enfrentou duas revoltas de seus companheiros de armas da Marinha: a que ficou conhecida como Revolta da Chibata e a dos Fuzileiros Navais, movimentos que obrigaram a mudança de relações entre oficiais e marinheiros. Assim mesmo foi republicanamente substituído por seu vice Venceslau Brás.
 
Depois dele, apenas o Marechal Eurico Gaspar Dutra que se fez sucessor da ditadura de Getúlio Vargas, um civil.
 
Como patronos da república,  o senso de responsabilidade constitucional  das Forças Armadas brasileiras sempre se mantiveram impolutos e legalistas, apesar da ditadura Vargas. Inclusive no decorrer da 2ª Guerra Mundial que em outros países ensejou oportunidades de golpes e instauração de governos despóticos, e mesmo considerando o inicial entusiasmo de Vargas pela ideologia nazista, os militares continuaram primando pela estrita coerência com os princípios que orientavam o republicanismo e a democracia.
 
Não que entre escalões intermediários do exército deixasse de ocorrer movimentos insubordinados, como o da Intentona e o Tenentismo, mas estes sempre foram sufocados pela linha de legalidade e defesa constitucional das lideranças militares, um dos orgulhos da nação. E assim se manteve até 1954 quando, influídos por interesses externos e instigados pela imprensa da época,  destacadamente o famoso entreguista Carlos Lacerda, grupos de militares intentam um golpe anti-constitucional contra Vargas, já então presidente eleito por sufrágio democrático.
 
O suicídio de Vargas contém o atentado à constituição brasileira, da qual até então as Forças Armadas sempre se pautou como extremada guardiã. Dez anos depois, um grupo de oficiais de pouca significação histórica dentro do próprio exército, mas aberta e francamente apoiados por interesses de grandes capitais internacionais, com participação direta de diplomatas, políticos e militares norte-americanos; perpetram o golpe que dá início a um dos períodos mais tristes e lamentáveis de nossa história. E de todo o cone sul do continente, pois veio a servir de modelo para as tão quanto sanguinárias e cruentas ditaduras impostas pelos Estados Unidos contra o desenvolvimento do processo democrático em Chile, Argentina, Uruguai, Peru, Bolívia e demais, além do Brasil.
 
A este período correspondem a ausência de liberdade de expressão, a instituição da tortura, o abuso de poder, o assassínio de estudantes, trabalhadores e intelectuais. Acompanhado de um descaso social que provocou a miserabilização a que foi relegada a grande maioria da população brasileira em todas as regiões do país, promovendo a conglomeração popular em favelas e periferias que mais tarde geraram o desenvolvimento do crime organizado, responsável pela violência urbana e a ampla distribuição de drogas que hoje afeta tantas famílias, muitas de classe-média.
 
A decadência do ensino, o exílio de acadêmicos e da inteligência brasileira, a interrupção dos movimentos culturais, as distorções sociais, a concentração de renda, a dependência econômica do país, a promoção da corrupção entre grupos de políticos civis, e o desenvolvimento de execrandas organizações criminosas repressivas como o Esquadrão da Morte e as polícias políticas; foram fatores acompanhados da decadência de nossa formação e cultura, da inversão de valores e desorientação das massas populares, com conseqüente desvalorização de nossa história, inclusive a dos próprios militares brasileiros cuja função, antes, fora a de defender não apenas o território nacional, mas sobretudo a Pátria, verbete para o qual o mais popular dos dicionários brasileiros aponta os seguintes significados:
"Pátria [Do lat. patria.] S. f.
 1.  O país onde nascemos; torrão natal; terra.
 2.  Província, cidade, vila ou aldeia natal.
 3.  A terra dos pais.
 4.  Lugar de origem; origem, berço: 2  
 5.  Lugar onde se encontra uma grande quantidade de coisas de um determinado gênero: 2  
 6.  Terra que se considera como a preferida, a melhor: 2  
O país onde nascemos; torrão natal; terra. A terra dos pais. Lugar de origem; origem, berço. Lugar onde se encontra uma grande quantidade de coisas de um determinado gênero.   Terra que se considera como a preferida, a melhor. (Dicionário Aurélio - séc. XXI).
 
Neste período o exército é encarado por seu principal aliado, o povo  brasileiro, como um inimigo dentro de casa. E pelo resto do mundo um símbolo de domínio anti-democrático.
 
Enfim, em 2002, mais uma vez os tradicionais aliados das forças armadas brasileiras as resgataram dessa torpe herança, elegendo para a presidência do país um dos de suas origens. Mais uma vez os militares brasileiros encontraram naqueles filhos que não fogem a luta, o mesmo reforço que não lhes faltou na luta por nossa independência na Bahia, na refrega da guerra no Paraguai, ou nas pelejas por nossas fronteiras ao sul.
 
Hoje o militar brasileiro já não é mais encarado, como o eram em qualquer parte do mundo os militares latinos-americanos: ignorantes que abusam dos poderes a eles constituídos. Hoje o militar brasileiro não é mais um títere tirânico de republiqueta de bananas, com um quepe na mão a colher verbas, vendendo-se em troca de reprimir seu próprio povo.
 
Em qualquer parte do mundo, sejam quais forem as divisas de uma farda brasileira, hoje  se presta continência à essa instituição que representa uma nação soberana, reconhecida como liderança no hemisfério e importante contribuinte para o desenvolvimento da comunidade das nações.
 
Hoje, sequer passaria pela cabeça de um Simón Bolívar a intenção de excursionar belicamente ao Brasil, seja por quais caminhos fossem. A natureza da Amazônia continua tão inexpugnável quanto sempre foi, mas ainda não seria essa a razão a desestimular tal projeto, pois no mundo moderno o que realmente torna um país inatacável não são as muralhas, não são lanças e flechas, nem minas, mísseis e morteiros.
 
Chega a ser infantil, para não dizer estúpido, imaginar em pleno século XXI que apropriações ou desapropriações de quais e quantas áreas forem, de terra, ar e mar, possam defender ou expor a segurança de um país à satélites espiões ou armas com intenções invasivas, sejam tradicionais ou modernas como as químicas e biológicas.
 
Sequer a mais bem armada nação do mundo evitou o maior atentado aéreo da história, pois evidentemente o que hoje realmente defende um país é a dignidade de suas instituições e de seu povo. E nesse aspecto o povo e o exército brasileiro se aliaram em bons exemplos, apesar de algumas lamentáveis exceções.
 
Aliás, é bom lembrar que Tróia não caiu por causa de suas espetaculares muralhas, e sim por acreditar em presentes de gregos. Mais que isso, pelo desrespeito e a indignidade do rapto de Helena.

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