Seres Humanos & Mercadorias por Emir Sader |
Meio Ambiente & Sustentabilidade | |||
Seg, 14 de Julho de 2008 02:57 | |||
Um cartaz em uma manifestação
de imigrantes equatorianos - eles são mais de 700 mil, chegados depois da
dolarização da moeda do país -, lutando pela sua legalização, dizia: "Estamos
aqui, porque vocês estiveram lá." Afirmação sintética sobre a relação entre
colonizadores e colonizados, entre globalizadores e globalizados.
A
chamada Diretiva da vergonha - assim caracterizada pela carta de Evo Morales
pedindo aos governos europeus para não aprová-la - reflete uma virada geral para
a direita no continente, de tal forma que, ao mesmo tempo que foi aprovada a
duríssima legislação sobre os imigrantes, a duração da jornada de trabalho foi
aumentada para além das 48 horas semanais, incluídas as horas extras. Agora a
jornada deve ser negociada diretamente entre patrões e trabalhadores, podendo
chegar até a 78 horas - mais do que o dobro das 35 horas aprovadas há duas
décadas na França. Em algumas regiões a polícia tem o poder de deter a qualquer pessoa por 42 dias sem acusações. Alguns serviços secretos estão autorizados a violar, sem autorização judicial, os correios eletrônicos. Os imigrantes sem documentos podem ser detidos por até 18 meses. As crianças podem ser enviadas a países distintos de sua origem. O governo italiano mandou ao Parlamento projeto de lei que pode castigar com até 4 anos de prisão a imigrantes ilegais. Autorizou também a polícia a deter e expulsar aos ciganos. A França fixou cotas de estrangeiros a ser expulsos cada ano, numero ascendente conforme passam os anos. A Inglaterra aumenta de 28 a 42 dias a detenção sem acusações a suspeitos de terrorismo. A França autoriza o interrogatório de suspeitos durante 6 dias sem a intervenção de advogados e as normas que controlam os aeroportos se tornaram secretas. A Espanha, mesmo sendo o país que regularizou a situação de centenas de milhares de estrangeiros, apresenta, no entanto, o caso mais evidente de discriminação. Por um lado, tolera os latino-americanos - brancos, de fala espanhola, religiões ocidentais -, a ponto de tê-los recrutado para fazer a guerra no Iraque e no Afeganistão, com uniformes espanhóis. Mas rejeita os africanos, que chegam diariamente a suas fronteiras, especialmente desde o Marrocos, o Senegal e a Mauritânia. Somente neste ano 12.260 chegaram e foram rechaçados. Os que foram legalizados, o foram quando a economia espanhola crescia, a população espanhola diminuía e ninguém queria fazer trabalhos desqualificados. Mas agora que chega a recessão, fecham-se as portas para os imigrantes. "A mensagem européia é clara - diz um colunista espanhol: "imigrantes, não, muito obrigado; petróleo, passe, por favor". Em outras palavras, livre comércio, mas numa sociedade que considera aos seres humanos mercadorias, estes - ou estas - são excluídos(as) da lei geral. As mercadorias podem e devem circular livremente, os seres humanos, não. Os seres humanos - neste caso, imigrantes - estão acompanhados das idéias. O norte globalizador envia sistematicamente suas interpretações do mundo - via grande mídia, via internet, via cinema, editoras, etc. - para o sul globalizado, que não tem como difundir suas visões do mundo, visto desde a periferia. Não é necessário recordar que sempre aceitamos aos imigrantes europeus, sem nenhuma política de cotas. Mas as reações são imediatas. Uma vez Garcia Marquez anunciou que não permitiria mais a venda dos seus livros na Espanha, se passasse a ser solicitado visto para os colombianos. Agora Hugo Chávez anuncia que deixará de vender petróleo aos países que aplicarem a Diretiva da vergonha. O Mercosul condenou expressamente a medida. Imigrantes sem papéis invadiram centros que deveriam atendê-los em Paris. Marroquinos se aproveitaram que todos os espanhóis estavam assistindo à cobrança de pênaltis, em que a seleção do seu país derrotou à italiana, para saltar os muros da fronteira em grande quantidade. A fronteira entre direita e esquerda nunca é tão clara quanto no que se refere à política com os imigrantes. Porque eles estiveram aqui, há tantos dentre nós por lá. Emir Sader é sociólogo e professor
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