Salvador, 28 de March de 2024
Acesse aqui:                
Banner
facebookorkuttwitteremail
Quando os republicanos começaram a odiar os fatos? Por Paul Krugman
Ajustar fonte Aumentar Smaller Font
Dando o que Falar
Sáb, 19 de Dezembro de 2020 06:12

paul_krugmanOs republicanos passaram a maior parte de 2020 rejeitando a ciência, diante de uma pandemia descontrolada, e agora estão rejeitando a democracia, diante de uma clara derrota eleitoral.

O que essas rejeições têm em comum? Em cada um dos casos, um dos dois grandes partidos políticos americanos simplesmente se recusa a aceitar fatos de que não gosta.

Não estou certo que seja correto dizer que os republicanos “acreditam” que, por exemplo, usar máscaras seja inútil, ou que fraudes eleitorais em larga escala tenham acontecido. Enquadrar a questão como se envolvesse crença indica que alguma forma de prova seria capaz de levar os fiéis do partido a mudar de ideia.

Na verdade, aquilo em que os republicanos dizem acreditar flui daquilo que eles desejam fazer, seja ignorar uma doença mortal, seja permanecer no poder a despeito do veredicto dos eleitores.

Em outras palavras, o ponto não é que o Partido Republicano acredite em coisas que não são verdade. É, em lugar disso, que o partido tenha se tornado hostil à ideia mesma de que existe uma realidade objetiva que possa conflitar com seus objetivos políticos. 

Repare, aliás, que não estou qualificando minhas declarações e afirmando que “alguns” republicanos o fazem. Estamos falando da maior parte do partido, aqui. O processo do Texas que apelava que a Suprema Corte derrubasse o resultado da eleição foi tanto absurdo quando profundamente antipatriótico, mas mais de 60% dos republicanos da Câmara dos Deputados assinaram uma petição em seu favor, e apenas alguns poucos republicanos eleitos o denunciaram.

A esta altura, você só será considerado um republicano legítimo caso odeie os fatos.

Mas quando e como o partido passou a ser assim? Se você acredita que tudo começou com Donald Trump, e que as coisas mudarão quando ele sair de cena (se é que o fará), você está sendo ingênuo.

Os republicanos vêm se encaminhando a isso há décadas. Não estou certo de que seja possível identificar o momento exato em que o partido começou a decair a uma insanidade maligna, mas a trajetória que conduziu a esse ponto provavelmente se tornou irreversível sob Ronald Reagan.

Os republicanos fizeram de Reagan um ícone, retratando-o como o salvador de uma nação desesperada e em declínio. Mas isso é principalmente propaganda. Se você se ativer à lenda, seria impossível saber que o crescimento econômico na era de Reagan foi apenas ligeiramente maior do que na era de Jimmy Carter, e inferior ao que seria no governo de Bill Clinton.

E a desigualdade de renda em rápida ascensão significou que parcela desproporcional dos benefícios do crescimento econômico se destinasse a uma pequena elite, com apenas algumas migalhas destinadas à maioria da população. A pobreza, medida devidamente, era mais alta em 1989 do que uma década antes.

De qualquer forma, PIB (Produto Interno Bruto) não é sinônimo de bem-estar. Outros indicadores já apontavam que estávamos saindo do rumo.

Por exemplo, em 1980 a expectativa de vida nos Estados Unidos era semelhante à de outros países ricos. Mas os anos Reagan marcam o início da grande divergência entre os Estados Unidos e os demais países avançados em termos de tendências de expectativa de vida. Hoje os americanos vivem em média quase quatro anos a menos do que os cidadãos de países de riqueza comparável.

O ponto principal é que, sob Reagan, irracionalidade e ódio aos fatos começaram a tomar o controle do Partido Republicano.

Sempre houve facções proponentes de teorias da conspiração, ódio à ciência e aversão à democracia, nos Estados Unidos. Mas antes de Reagan, os conservadores convencionais e a elite republicana se recusavam a fazer aliança com essas facções, mantendo-as à margem da política.
Reagan, em contraste, decidiu trazer os maluquinhos para dentro.

Muita gente está ciente, creio, de que Reagan acreditava em uma doutrina econômica absurda –a crença no poder mágico dos cortes de impostos. Estou certo de que muita gente se lembra de que o governo Reagan também era notavelmente hostil à ciência.

A capacidade de Reagan para agir com base nessa hostilidade era limitada pelo controle democrata sobre a Câmara dos Deputados e pelo fato de que o Senado ainda continha alguns republicanos legitimamente moderados. Mas Reagan e seus assessores ainda assim passaram anos negando a ameaça da chuva ácida e insistindo em que a evolução era apenas uma teoria, e promovendo o ensino da teoria criacionista nas escolas.

A rejeição da ciência refletia em parte a deferência diante de interesses especiais que não desejavam regulamentação baseada em ciência. Ainda mais importante, no entanto, era a influência da direita religiosa, que se começou a se tornar uma força política na era Reagan, vem ganhando posição cada vez mais central na coalizão republicana, e agora se transformou em um dos principais propulsores na rejeição do partido aos fatos –e à democracia.

Pois rejeitar fatos é algo que ocorre naturalmente a pessoas que insistem em que agem em nome de Deus. O mesmo vale para a recusa em aceitar resultados eleitorais que não as beneficiam. Afinal, se os progressistas são servos de Satanás que tentam destruir a alma dos Estados Unidos, eles não deveriam ser autorizados a exercer o poder mesmo que por acaso obtenham mais votos.

E alguns dias atrás o evangelista televisivo Pat Robertson –cuja influência política nasceu na era Reagan– não hesitou em pronunciar que o processo judicial do Texas era um “milagre”, uma intervenção divina que manteria Trump no poder.

O ponto é que a rejeição dos fatos pelo Partido Republicano, um fator tão conspícuo durante todo este ano, não é uma aberração. O que estamos vendo é a culminação de uma degradação iniciada muito tempo atrás, e que é quase certamente irreversível.

 
Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

 Tradução de Paulo Migliacci

Artigo publicado originalmente em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/paulkrugman/2020/12/quando-os-republicanos-comecaram-a-odiar-os-fatos.shtml

Compartilhe:

 

FOTOS DOS ÚLTIMOS EVENTOS

  • mariofoto1_MSF20240207-149Lavagem Funceb. 08.02.24. Alb 2. Foto: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240207-028Lavagem Funceb. 08.02.24. Alb 1. Foto: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-048Fuzuê Alb 1. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-144Fuzuê Alb 2. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-217Fuzuê Alb 3. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-334Fuzuê Alb 4. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-0900Beleza Negra do ilê. Alb 1. 13.01.24 By Mario Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1163Beleza Negra do ilê. Alb 2. 13.01.24. By Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1402Beleza Negra do Ilê. Alb 3. 13.01.24 By Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1641Beleza Negra do Ilê. Alb 4. 13.01.24 By Mário Sérgio

Parabéns Aniversariantes do Dia

loader
publicidade

GALERIAS DE ARTE

Mais galerias de arte...

HUMOR

  • A Justiça brasileira_1
  • Categoria: Charges
Mais charges...

ENQUETE 1

Qual é o melhor dia para sair a noite?