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Frieza de Biden sobre vitória taleban lembra que Cabul é pior que Saigon. Por Igor Gielow
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Dando o que Falar
Ter, 17 de Agosto de 2021 03:50

IGOR_GIELOWO desastre político e de imagem para os Estados Unidos no Afeganistão está evoluindo de forma tão rápida quanto a queda do país para as tropas do Taleban.

O desassombrado —e atrasado— discurso do presidente Joe Biden estabeleceu coerência com o que ele vinha falando: os afegãos que se virem, o contribuinte americano não vai aguentar a pantomima.

A única admissão de erro foi ter acreditado na marionete Ashraf Ghani, o presidente afegão que ele recriminou por fugir do país no domingo (15), selando a vitória taleban em Cabul. As coisas ocorreram mais rapidamente do que o previsto, disse Biden.

Nada além de um certo nojinho acerca das imagens grotescas de afegãos tentando fugir da capital e se agarrando à fuselagem de gigantes cargueiros C-17, só para cair das alturas depois, que não estariam deslocadas em filmes como "Guerra Mundial Z".

O vídeo da cena evoca, num sinistro círculo narrativo, os pequenos pontos filmados em 11 de setembro de 2001 enquanto as Torres Gêmeas ardiam por obra do mais famoso hóspede do Taleban, Osama bin Laden.

Lá, como agora, a qualidade do vídeo não permite a noção clara do horror de corpos caindo para a morte. Em Nova York, fugiam das chamas. Em Cabul, do terror presumido apesar das promessas talebans de uma inaudita moderação.

Nos últimos dias, foram evocadas as imagens da corrida desesperada de americanos para deixar Saigon enquanto as tropas comunistas do Vietnã invadiam a capital do protetorado americano no sul do país, em 1975. A ideia do fantasma de Saigon pegou tanto que o próprio secretário de Estado, Antony Blinken, reforçou a noção ao vivo no domingo (15): "Isto não é Saigon".

Ele estava certo, por motivos errados. É pior que Saigon, onde os EUA foram humilhados numa guerra que se arrastou por uma década. Agora, em Cabul, são 20 anos de esforços desorientados em vão, e à humilhação é adicionada uma mancha indelével: o abandono dos aliados que se expuseram durante anos de uma ocupação impopular do país asiático.

Claro, havia vietnamitas do lado americano, mas o contexto não era o de reconstrução como no Afeganistão.

Não só esses colaboradores, uma legião de pessoas como Ahmad Ali, que trabalhava no começo dos anos 2010 em Cabul como “fixer” —o faz-tudo do jornalista ocidental enviado a locais inóspitos, um misto de tradutor, assistente, consultor e, muitas vezes, motorista.

Ahmad, que trabalhou com a Folha em 2011 no Afeganistão, hoje vive bem em Viena, trabalhando em um organismo internacional. Mas seus dois irmãos, não. "Eu não ouvi mais falar neles. Eles estão em perigo", contou, por mensagem.

Ele não sabe, mas supõe que os dois jovens estão entre os 2.000 cabulitas que passaram a noite na pista do ironicamente chamado Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em homenagem ao primeiro presidente do "Afeganistão democrático", aspas compulsórias, inventado pelos EUA.

Essa gente não pode ter sido colaboracionista, mas acreditou num país com oportunidades diferentes das existentes sob o Taleban, sob a guerra civil, sob a ocupação soviética. Agora, correm o risco de serem tachadas de inimigas do Emirado Islâmico do Afeganistão.

Como disse em seu protelado discurso nesta segunda (16), Biden assumiu o risco, embora o vexame ocorrido nas duas últimas semanas pareça ser impossível de contornar. Os EUA já abandonaram aliados ocasionais antes, como os curdos do norte da Síria podem lembrar bem ao serem deixados na mão por Donald Trump em 2019.

Nos anos do republicano no poder, países da Otan e parceiros históricos como Coreia do Sul e Japão viam o risco de traição surgir a cada tuíte do mercurial presidente. Mas há particularidades que tornam o caso afegão único. O país, na sua forma atual, é uma confusão criada a partir de uma ideia fora do lugar americana, a de que a semente da ocupação floresceria a democracia no Hindu Kush.

Como isso não aconteceu, por óbvio, restou a volta ao padrão tribal de antes. Neste sentido, a fala de Biden foi um exemplo cru de "realpolitik", com rara franqueza. Construção de nações, disse, é mesmo uma balela para enganar bem-intencionados enquanto jogamos um jogo maior.

É verdade, e provavelmente funcionará para um público doméstico não muito afeito ao que acontece pelo mundo. Nisso, a frieza de Biden tem seu sentido —em outras sociedades, já seria possível estimar o custo de tudo isso sobre sua reeleição. Mas azar de quem acreditou nos EUA antes, como os irmãos de Ali. A esta altura, aliados americanos em todo o mundo devem estar refazendo suas contas.

Artigo publicado originalmente em https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/08/frieza-de-biden-sobre-vitoria-taleban-lembra-que-cabul-e-pior-que-saigon.shtml

 

 

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