Os anos mais crepusculares. Por Weiller Diniz |
Dando o que Falar | |||
Seg, 23 de Agosto de 2021 06:12 | |||
O capitão da caserna e os trogloditas da caverna são devotos da escuridão, das trevas, do furtivo e do obscurantismo. Têm aversão à luz, ao conhecimento, às liberdades e às conquistas iluministas.
Vadiam no degrau mais abjeto da indigência humana, no crepúsculo da civilidade. Fiel a cegueira proverbial dos incapazes, de esconder as mazelas da própria corriola e apontar o dedo contra os adversários, Bolsonaro só não oculta o tacape. Brande a borduna repetidamente para revogar – com atos ilegais – os mandamentos constitucionais da publicidade, impessoalidade e da racionalidade. Quando as labaredas se aproximam e iluminam os ilícitos dele e da família, a saída é golpear a transparência e decretar a opacidade. São inúmeros os expedientes para selar uma enorme caixa-preta no Brasil e esconder os vestígios delinquentes dos seus parentes e aliados. Segundo o ministro, a administração encontrou meios de manter a prestação de serviços com total transparência. Como exemplo, citou as sessões das Turmas do STF, que passaram a ser realizadas por videoconferência e transmitidas pela TV Justiça, pela Rádio Justiça e pelo YouTube. Frustrado com o malogro das ofensivas para turvar marcos jurídicos, o governo passou a adotar os procedimentos de ocultação como norma da administração. Assim que o desqualificado e investigado Eduardo Pazuello assumiu a Pasta da Saúde, no auge da pandemia, abortou as entrevistas diárias e deixou de divulgar o balanço diário de infectados e mortes. Assim como seus preceptores da ditadura, que ocultavam corpos, a logística fardada no Ministério da Saúde passou a esconder os dados oficiais que atestavam diariamente a incompetência da gestão. O boicote estatal à transparência foi substituído por um consórcio de veículos de imprensa que passou a divulgar os dados sobre a Covid-19. Pouco tempo depois o STF também determinou que Pazuello retomasse a divulgação cotidiana das estatísticas. Ainda assim elas eram procrastinadas a fim de evitar a exibição no telejornal de maior audiência no Brasil.Chamuscado pelas revelações da CPI do Senado, o governo ainda insistiu nos abusos acobertar verdades incômodas. O Ministério da Saúde colocou sob segredo os expedientes que tratam da aquisição de vacinas da Covaxin, investigada pela CPI por mais de 20 irregularidades, entre elas corrupção, superfaturamento, pagamentos antecipados e falsificação de documentos. Uma parte dos documentos foi entregue à comissão parlamentar, porém a pasta decidiu restringir o acesso público em resposta a um pedido feito por veículos de comunicação através da LAI. Em 6/8/2021, o Ministério da Saúde externou que o acesso aos documentos se encontrava “suspenso e restrito no momento”. Todos os documentos oficiais enviados à CPI pelo governo levavam o carimbo de sigiloso. A Comissão reclassificou boa parte deles. Esconder os papéis não disfarçou os odores repulsivos da malversação.O contrato assinado entre o Ministério da Saúde e a empresa Precisa Medicamentos na intermediação de um negócio de R$ 1,6 bi em vacinas da Índia é um pântano escuro e malcheiroso. Francisco Maximiano, dono da Precisa, é um caloteiro manjado em Brasília por vender o que não representa. Recebeu R$ 20 milhões antecipados na gestão do ministro Ricardo Barros, hoje líder de Bolsonaro, por remédios raros que não dispunha e, portanto, nunca entregou. Mesmo réu, Max, como é conhecido nos porões sombrios da corrupção, foi pinçado para ser o atravessador de 20 milhões de vacinas da Bharat Biotech. Não entregou uma dose sequer do imunizante, o mais caro adquirido pelo governo e com sérias restrições da Anvisa. Quem pediu a vacina Covaxin, em carta ao primeiro-ministro indiano, foi Jair Bolsonaro. Quem fez a emenda na MP que escancarou a compra foi Ricardo Barros. Alertado das ilegalidades pelos irmãos Miranda (um servidor do Ministério da Saúde e um deputado federal), Bolsonaro fechou os olhos para a imoralidade. E haja pântano! Bolsonaro também foi iluminado participando de uma reunião dentro do Palácio do Planalto negociando vacinas da Pfizer. Ninguém explica a participação do vereador na negociação dos imunizantes. Depois do escândalo, revelado pela CPI durante o depoimento do CEO da Pfizer, Carlos Murillo, o governo recorreu à velha tática de eclipsar. Impôs um sigilo secular sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome de Carlos e Eduardo Bolsonaro. Em documentos enviados à CPI, a Presidência da República informou a existência dos cartões de acesso ao Planalto dos dois filhos do presidente. Os ogros das catacumbas também classificaram como reservados ou secretos os telegramas diplomáticos entre Brasília e Israel sobre a vexatória viagem para conhecer o spray nasal contra a Covid-19. As informações sobre a viagem do ex-chanceler Ernesto Araújo ao país do Oriente Médio, em março de 2021, serão conhecidas apenas em 2036. Outro caso emblemático nas sucessivas tentativas de fraudar a transparência é a história tenebrosa do médico bolsonarista Victor Sorrentino. Ele foi detido no Egito em maio de 2021 por fazer piadas de cunho sexual a uma vendedora no Cairo. Também sob a alegada proteção à intimidade, o Itamaraty decretou sigilo de 100 anos nos documentos relacionados às negociações que realizou para a liberação do médico pelas autoridades egípcias. Sorrentino foi solto e voltou ao Brasil em junho. O pedido de desculpas do médico e a aceitação da vítima, movido por mera dissimulação tática, não apaga as ofensas contra as mulheres e ajudou a mostrar ao mundo o padrão moral e ético do eleitor bolsonarista.A Caixa Econômica Federal também alegou sigilo sobre cachê pago para o locutor de rodeios, Cuiabano Lima, protagonista da campanha nacional sobre o auxílio emergencial. Amigo de Bolsonaro, ele é presença constante no Palácio do Planalto. Os ministros do Supremo Tribunal Federal também decidiram derrubar o sigilo de alguns gastos do presidente da República, inclusive aqueles feitos por meio de cartão corporativo. Quando quer alardear mentiras, para esconder verdades, Bolsonaro não mede esforços. Foi denunciado na CPI por um auditor do TCU, Alexandre Figueiredo, por ter fraudado um documento para amparar as teses negacionistas durante a pandemia. A fraude sobre a suposta supernotificação de mortes, invocada por Bolsonaro, foi desmontada. Vergonha atrás de vergonha. De índole fascista, amigo de nazistas e adorador de facínoras, Bolsonaro tenta erodir os alicerces das democracias. Como método de acobertamento da própria incompetência se insurge, alternadamente, contra a liberdade de expressão, hostiliza a imprensa, bombardeia a transparência, questiona as eleições livres, desafia o mecanismo de freios e contrapesos, afronta a independência dos poderes e detona os direitos individuais e coletivos. Intercala as metas e os métodos, mas desde o primeiro dia após a posse, ele golpeia os mais sagrados fundamentos da civilização para tentar a atrofiar a democracia. O senhor das trevas terminará seus dias numa escuridão sepulcral. Artigo publicado originalmente no Outras Palavras
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