segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Mulata Exportação

(Poema de Elisa Lucinda)

Mas que nega linda
E de olho verde ainda
Olho de veneno e açúcar!
Vem nega, vem ser minha desculpa
Vem que aqui dentro ainda te cabe
Vem ser meu álibi, minha bela conduta
Vem, nega exportação, vem meu pão de açúcar!
(Monto casa procê mas ninguém pode saber, entendeu
meu dendê?)
Minha torneira, minha história contundida
Minha memória confundida, meu futebol, entendeu,
meu gelol?
Rebola bem meu bem-querer, sou seu improviso,
seu karaokê;
Vem nega, sem eu ter que fazer nada.. Vem sem
ter que me mexer
Em mim tu esqueces tarefas, favelas, senzalas,
nada mais vai doer.
Sinto cheiro docê, meu maculelê, vem nega, me
ama, me colore
Vem ser meu folclore, vem ser minha tese sobre
nego malê.
Vem, nega, vem me arrasar, depois te levo pra
gente sambar.”
Imaginem: Ouvi tudo isso sem calma e sem dor.


Já preso esse ex-feitor, eu disse: “seu delegado...”
E o delegado piscou.
Falei com o juiz, o juiz se insinuou e decretou
pequena pena
com cela especial por ser esse branco intelectual...
Eu disse: “Seu Juiz, não adianta! Opressão, Barbaridade,
Genocídio
nada disso se cura trepando com uma escura!”
Ó minha máxima lei, deixai de asneira
Não vai ser um branco mal resolvido
que vai libertar uma negra:
Esse branco ardido está fadado
porque não é com lábia de pseudo-oprimido
que vai aliviar seu passado.
Olha aqui meu senhor:
Eu me lembro da senzala

E tu te lembras da Casa-Grande
e vamos juntos escrever sinceramente outra história
Digo, repito e não minto:
Vamos passar essa verdade a limpo
porque não é dançando samba
que eu te redimo ou te acredito
“Vê se te afasta, não invista, não insista!
Meu nojo!
Meu engodo cultural!
Minha lavagem de lata!
Porque deixar de ser racista, meu amor,
não é comer uma mulata!


quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Um eco, algum grito...

Não sei qual é o valor dessa minha voz em meio a tantas outras. Em meio à banalidade da vida, da mão cortada, do corpo violentado, do xingamento, do grito. Não sei qual é o valor. Talvez seja só mais um eco, mas enfim, deixo o meu. Essa expressão, ainda que seja vã.
Não consigo me conformar com o dado alarmante de que todos os dias uma mulher, uma garota, uma velha, uma irmã sofre algum tipo de violência sexual. Seja da bolinação que se faz de boba, seja do ato emsi, da sediciação, sodomização ou tudo que se incorpora a violência em nome de um prazer animal. Não consigo me conformar, até porque qualquer notícia dessa me dói na carne, como uma mão violentamente espalmada.
Na manhã de ontem, uma moça (que podia ser eu, ou tantas amigas e colegas que estudam no Campus da UFBa), foi brutalmente violentada porque não tinha dinheiro nem pertences valiosos para dar para o ladrão bestial. Para não sair perdendo tempo, por assaltar alguém sem posses, ele roubou dela o que tinha de mais precioso, o seu viço, a sua dignidade.
Aí abro o jornal e leio que uma menina de 9 anos era abusada por um adolescente de 15 anos e por um homem mais velho. Ao descobrir que seu filho abusava da neta de sua esposa, o velho se sentiu autorizado a fazer o mesmo. Assim, a menina passou a viver nesse cotidiano perverso, saciando o prazer escroto de dois seres animais. Sim, porque os homens transitam no mundo como animais. E como tal, nos enxergam como alimento para sua sede animal. Saciar essa sede vem primeiro. A humanidade, a dignidade, o respeito pela pessoa é mero detalhe. Não mata sede.
E isso me dói, porque é todos os dias, em toda a parte e eu sinto medo. Um pavor paralisante. E sinto uma impotência imensa. Que posso eu fazer diante disso? Que posso eu fazer para impedir que todos os anos 125 mil irmãs que vivem em Salvador sofram abusos? Que eu posso fazer para impedir que esses absurdos se repitam a cada 15 minutos (no Brasil, é o tempo de realização de atos de violência contra mulher)?
Mas é isso. Está no hábito. Está no entendimento. Está na cultura. Somos algum buraco. Somos um prazer pro corpo do outro. Somos qualquer coisa. Uma loira num anúncio de cerveja. Uma negra de bunda farta. Não sou qualquer coisa. Não somos...como fazer esses animais verem que somos gente. E que eles, por incrível que pareça, também o são.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Sim, eu sou feminista. Sou mesmo. Desavergonhadamente feminista. E não tenho que me envergonhar disso: por que eu, mulher, classe baixa, negra, periférica, nordestina deveria defender um modelo de comportamento, direito e pensamento que em nada me privilegia? Ao contrário, rebaixa, diminui, incapacita.

Sim, e estou feroz. Embora já tenha feito elegias aos homens, embora seja uma mulher que escreve poemas para seus amados, faz desenhos para aqueles que deseja, compra presentinhos, faz almoço e se precisar passa roupa, eu ando impaciente com os homens. Impaciente com os enquadramentos que são dados pelos homens, com a falta de descuido e a eterna prepotência.

E quando em algum momento esbravejo, um deles responde com desdém "hum, ela é feminista". Como se isso fosse uma ofensa! Ora, sou mesmo. Não posso concordar que uma mulher seja puta porque gosta de gozar. Não posso concordar que uma mulher seja otária só porque ela não está disposta a "dar" para determinado cara. Não posso aceitar ser tratada com indelicadeza porque não sou branca e gostosa para o padrão dele. Não posso admitir que o fato de eu andar na rua habilite o sujeito a me passar a mão no seio. Não posso deixar de torcer para que a mulher traída dê um belo corno no marido, que garanhão varre meio mundo. Não posso admitir que um sujeito me torça o braço porque quer que eu dance com ele. Não posso deixar de sentir nojo quando vejo uma mulher defender um patriarcado que não é seu. Não posso deixar de aplaudir uma mulher que se impõe. Não posso deixar de esbravejar quando vejo uma mulher negra ser tratada como mula. Não posso admitir que uma reclamação minha seja considerada irrelevante porque sou feminista, e como qualquer feminista, sou azeda, mal-comida e coisas do gênero. Gozo todos os dias, graças ao bom deus.

Sim, sou pelo direito de uma mulher ser o que ela quer. Inclusive dela se defender e defender as parceiras. Porque ao longo da história, nossa função foi defender o homem, o desejo do homem. Lutar para ter o homem pra si. Que se foda, se torcem o nariz pro feminismo. Feminismo é necessário. Sou filha de uma geração de mães solteiras. Cresci numa casa de mulheres que criaram sozinhas seus filhos. Boa parte das minhas amigas não têm pai. Algumas delas, têm filhos, cujos pais, pouco se lixam. Moro numa cidade, que no carnaval o corpo da mulher é coisa pública. Já fui chamada de puta, por não beijar alguém que nunca vi pela obrigação de saciar um desejo que não é meu. Na rua onde moro, uma senhora de 60 anos quase foi estrupada por um garoto que também tentava roubar sua televisão. Acabei de saber, que a cada 15 minutos uma mulher sofre violência sexual no Brasil. E me justifique agora: por que eu não devo ser feminista? Por que devo defender o direito de quem me oprime?

Aguardo bons argumentos.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

A maternidade

Ver os olhinhos quase abrindo daquela menina me causou uma emoção diferente. Uma alegria e uma ternura que vivem em mim e nem sempre tenho contato. Ela tem os olhinhos miúdos e castanhos e a pele rosada. Uma vida que acaba de começar nessa vida. Tantos aprendizados, tanta fragilidade. A natureza é meio milagrosa, assustadoramente milagrosa. E completamente embasbacada eu assisti aquele espetáculo da vida recém vivida, acabando de começar.
A minha amiga, que depois de tanta jornada de encontros, desencontros, moços bons, moços maus, moços confusos, outros tanto cafagestes, enfim, encontrara um homem leve e amor tranquilo, que sem desculpas ou rodeios se aprochegara a ela e lhe fizera uma filha. A tal menina que vi mexer na barriga cheia d'água da mãe e que agora estava ali, diante de meus olhos fazendo seus pequenos movimentos.
Ah, e tão lindo ver minha amiga, mãe. Ela que já vi desempenhando tantos papéis com tanta seriedade e disponibilidade, estava ali desempenhando aquele novo papel, talvez o mais doce de todos e o mais difícil: ser mãe. Mãe da pequena menina, que antes que meus olhos consigam se dar conta, já estará por aí a correr e a fazer perguntas provocativas. Ainda miúda ela anseia pelo bico do peito da mãe. Nenhuma das duas precisa de muitas lições para fazer o exercício que a natureza impeliu a mulher e a criança: nutrir uma a outra.
E diante desse milagre doce, que é a vida recém concebida, esqueço de todas as mazelas da humanidade, de todas as desumanidades. Aquela vida pedindo atenção, carinho, paciência e zelo aguçam e mim uma humanidade boa e que quero sempre por perto. A humanidade feminina de maternidade, de querer volver uma pequena ou pequeno nos braços e mostrar o bonito do mundo.
Ah, sim, quero essa alegria bonita. E já me vejo doida para ver de novo aquela pessoa em potencial, para vê-la chorar o choro agudo de quem ainda não forjou as palavras.
Sei pouco lidar com as crianças, elas me soam a algo difícil, que mexe talvez com meus fantasmas de criança. Mas me desperta também a mulher doce que há em mim. Que sonha com uma filha de grandes olhos e cabelo cheio, pele mestiça e lábios grossos, cheia de perguntas que eu não saberei, aquela mania de se esconder atrás da saia da mãe.
É fato, sonho com isso de ser mãe. De ser boa mãe. De ser doce mãe.
Parabéns a todas

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Não há como fugir da carência

Mãe Clarice Lispector disse num dos seus escritos (que não tenho em mãos agora) que não há como fugir da carência. A carência está aí, está posta, nos cerca, nos atravessa, nos consome. É algo inerente ao espírito humano, é o que faz de nós humanos numa medida, bem como nos move em outra. Segundo Lispector, a carência não pode ser ignorada, nem subestimada. Não é algo desprezível (normalmente os homens desprezam mulheres visivelmente carentes, já ouvi alguns declararem ter nojo, como se neles não houvesse carência. Mas sempre tenho dúvidas sobre de que matéria são feitos os homens...isso é outro assunto), mas também não é algo superestimável. É algo nosso e merece ser cuidado com carinho.
Sou carente. E como disse, um dia ouvi um homem dizer que sente nojo das mulheres carentes. Isso me caiu muito mal na alma, porque embora e não estivesse se reportando a mim, transversalmente me agredia. Sou carente e ora lido bem, ora lido mal com as minhas carências. Normalmente as chicoteio. Outras vezes sou autocomplacente e faço grandes bobagens. Sou carente e desejo pessoas que não deveria desejar mais, ligo, escrevo, sinto vontade de ver, sonho com...e me chicoteio no final do dia. A carência em meu caso é uma espécie de flagelo. Porque ela me coloca em situações minimamente constrangedoras. Como um viciado, que rouba, se prostitui, vende a mãe para ter insumos para alimentar seu vício. A minha carência me faz adicta. Rastejando em torno das coisas que preciso.
E como disse, me chicoteio no final do dia.
Um passo feliz que dou de vez em quando é reconhecer: sou carente mesmo, mas não posso deixar a carência ser mais forte que eu. Como tia Clarice também disse "eu sou mais forte que eu". Se sou mais forte e minha cabeça vem em cima do meu coração, preciso pelo menos entender meus mecanismos, tentar mapea-los e compreendê-los (quando não evitá-los, que é o melhor dos passos).
Ligar para os ex é sempre um gesto de carência extrema. Não aguento, ligo. Me estapeio literalmente quando desligo o telefone, mas na seqüência alguns raciocínios ajudam a entender o gesto: faço por carência, por precisar ouvir aquela voz masculina, por uma aposta em algum cavalo já apostado na corrida. Mas muito pouco é por amor, é por paixão. Maior parte é por carência. Como disse, a tal muitas vezes nos coloca em situações minimamente esdrúxulas...
Dia desses senti vergonha. Fiz uma coisa que sabia que não devia ter feito, ignorando a minha própria prudência ou fiapo de orgulho. Fiz porque tinha uma esperança de que o cavalo pudesse correr tão rápido como das outra vezes. Não deu certo, ele refugou e eu me estapeei. Enterrei a cabeça no travesseiro.
Passou, porque depois de tomar uma dose de passiflora, me veio a consciência de que não era amor, de que não é paixão, nem um afeto assombroso. É só carência...e a tal me faz agir assim. Tudo sobre controle.
Mapeada a carência é reconhecer a sua existência, admitir e saber lidar com ela. Não sei lidar com a minha. Ela é meu mistério de esfígie, preciso decifrá-la antes que me devore. Mas hei de fazê-lo. Sou mais forte que ela.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Menstruo desde os dez anos, assim que completos. São 19 anos de sangue. Sangue, cólicas, lágrimas, nervosismo e gemidos. Aos 11 anos tive uma das piores cólicas de minha vida. Lembro que deitada no colo de minha mãe, eu pedia para não morrer. Porque nunca tivera dor tão funda e insuportável até aquele momento. O sofrimento persistiu por anos a fio. Não somente no momento em que ela descia, mas dias antes: dores de estômago, enxaqueca e muito,muito chororô.
Sem contar que o sistema imunológico costumava sair de férias, sempre que a amiga menstruação dava sinal de aproximação. Nessas momentos tive rubéola, dengue, catapora, depressão e o que ocorrer...
Assim fui tomando um certo horror de minha menstruação e estudando como diminuir seus impactos sobre a minha vida. Sim, porque eram impactos, bastante sofridos. O fato foi que aos 27 anos, eu decidi dar um basta nas agonias, vômitos, quedas de pressão, cólicas e diarréias mensalmente provocadas pela parceira. Adotei o esquema do anticoncepcional trimestral. Com ele tenho sido feliz há quase que dois anos.
Depois de tanto tempo, dei uma segurada no uso do remédio. Fui pra Chapada Diamantina e percebi que todas as mulheres me olhavam com certo espanto por eu optar por suspender minha menstruação. Comecei a achar que aquilo não devia ser bom. Que alguma coisa de errada eu estava fazendo com meu corpo.
Esse ano ainda não tomei minha santa injeçãozinha. Na última terça-feira, tive um acesso de choro. Uma resposta fria de um ex-caso foi o suficiente para eu me debulhar em lágrimas e me sentir a pior das mulheres. Feia, insossa, desprovida de atributos sexualmente interessantes, impossível de ser desejada, querida, amada. Ninguém no mundo olharia para mim. Chorando liguei pra uma amiga. Chorando fui para a academia. Chorando saí do meu ensaio, me sentindo ainda mais feia, mais desprezível, ainda acrescentando os dados de que não era também uma boa atriz. Fui dormir com o travesseiro molhado de tanto chorar. No dia seguinte, tinha meu lençol manchado. A menstruação descera. E com ela se apaziguara aquela dor toda, que não era necessariamente o que é a vida, mas a nuvem da tensão pré-menstrual.
Não sei. Por um lado sentia falta desse rio que corre pelo corpo. Mas por outro me desagradou ver que tudo continuava como antes: se eu quiser voltar a menstruar regularmente, tenho que preparar meus lenços e pedir que o mundo tenha cuidado comigo, pois posso cortar os pulsos.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

A mais forte


Jacyan Castilho é uma mulher admirável, com uma sensibilidade movida a sangue quente. Inteligente e divertida, esta atriz não tem medo de ser o que é, pessoa agridoce e criativa. Atriz, diretor, doutora em Artes Cênicas, bailarina, mãe, mulher, boa de papo, como se pode ver nessa entrevista. Leia, diverta-se e pense.


Eu - Quando você percebeu que não teria jeito, seria atriz?

Ela - Nunca percebi. Desisti mil vezes, achei mil vezes que não tinha jeito pra coisa, tentei mil vezes fazer outra coisa. Mas, se ainda estou aqui, é porque devo ter insistido umas mil e uma vezes...


Eu - Tem umas profissões que são meio glamurizadas, o ofício do teatro é uma delas. Em sua vida, há(ou houve) algum glamour em ser atriz?

Ela - Bom, costumava dar Ibope com os meninos (rsrs) - os meninos de fora do ramo, evidentemente. Arranjei alguns namorados com esse papo de "sou atriz...".

A família sonha em te ver na Globo, e, eventualmente,quando você aparece lá mesmo, o cara do bar da esquina fica orgulhoso por você e te exibe pros fregueses. Nesses dias, o café vinha mais quentinho.

Ou seja, fica todo mundo louco pra te exibir, e quando conseguem, você é bem tratada. Mas o meu dia a dia nunca foi glamouroso, sempre tive pouco dinheiro e muito trabalho. Glamour, mesmo, é quando a gente fica amiga de maquiador e cabeleireiro - aí é o máximo, porque já fui a festas muito linda e produzida carinhosamente pelos amigos, de graça!


Eu - Você se sente uma mulher forte? Às vezes, pessoalmente, acho essa história de ser mulher forte um barril da porra, porque simplesmente as pessoas acham que somos meio invencíveis, que suportamos tudo, temos a flexibilidade de uma borracha...acho isso barril...pessoalmente. Você se encara como forte ou pelo menos tenta ser? O que é ser uma mulher forte?

Ela - Sim, penso que sou forte, desde menina, mas tenho feito um looooongo trabalho pra deixar de ser. Porque, como você disse, isso é muito chato... quando era garota, e (achava que) tinha que provar meu valor, eu fazia questão de ser fortona, independente e cheia de iniciativas, em todos os campos, do pessoal ao profissional. Hoje trabalho duro para saber pedir ajuda, deixar que façam por mim, ser bem mulherzinha. E adoooooro quando me dão ordens! Aí não tenho que pensar, só executar, kkk!


Eu - Embora o ambiente de teatro seja dito um espaço "prafrentex", nos seus bastidores carrega os mesmos preconceitos e formas de relação de qualquer outro lugar. Logo, atores por mais polidos ou prafrentex que sejam, independente de orientação sexual, são machistas. Pelo menos percebo assim...na verdade, quero perguntar como dirigir homens, lidar com eles, sem ser um deles, sem deixar de ser feminina ou gostosa por isso? Você faz que para conseguir isso?

Ela - São machistas, sim, e o meio é preconceituoso, sem dúvida ne-nhu-ma. Minha fórmula infalível é: me faço de burra. Faço que não estou "entendeindo", finjo que não percebo indiretas, piadinhas, cantadas, interesses, puxadas de tapete e similares, e sigo em frente. Mas, na verdade, o fato é que, seja por sorte, seja por saber escolher as parcerias, eu não costumo ter problemas com os companheiros de vida e de trabalho ... eu sempre escolhi intuitivamente as pessoas pelo senso de humor. Quem não tem senso de humor não cola comigo.


Eu - Você acha que existe um padrão de pensamento feminino e um padrão de pensamento masculino? Acha que pensa de que jeito?

Ela - Ah, acho que tem diferenças, sim. E acho até bom que seja assim. Só que acredito, malgrado meu, que penso "masculinamente". Demorei até admitir que sou gostosa, me perdoe a falta de modéstia. Achava mais importante ser inteligente (hoje acho os dois muito bom). Não tenho muito saco pra conversa de mulher, a não ser as das minhas amigas inteligentes e bem humoradas. Mulher chatinha cheia de inha me cansa, vai daí que a maioria dos meus amigos é homem. Tirando aquelas baixarias de bunda e coisas assim, eu gosto da conversa deles. E me divirto muito, muito, muito, conversando com meu marido.

Eu - O que é liberdade para você? Acha que consegue viver aquilo que chama liberdade?

Ela - Aí vem a minha frase norteadora da vida, uma dita por Denise Stoklos num espetáculo que me marcou pra caramba, o "Um fax para Cristóvão Colombo": " A verdadeira revolução começa no espelho do banheiro". Penso que a liberdade mais difícil de ser conquistada é a criatividade nas relações pessoais, isto é: a liberdade de não ter de repetir os padrões de relacionamento de todo mundo, a liberdade de criar os seus próprios.Seja de marido/ mulher, patrão/ empregado, mãe / filho, professor / aluno, entre colegas de trabalho, artista / mercado, etc. Uma vez Bárbara Heliodora, crítica de teatro famosa lá do Rio que foi minha professora, falou uma coisa hilária em sala (ela é hilária!): Dói muito ser inteligente. Quando a gente é algum "ista" - flamenguista, comunista - a gente raciocina só que tudo ou é bom (o Flamengo, o comunismo) ou não é (o Fluminense, o capitalismo). Quando a gente é inteligente, está sempre pesando a situação, avaliando os prós e os contras, relativizando, se colocando no lugar do outro, sem tomar partido a priori. Isso dá muito mais trabalho! (Era mais ou menos isso, não me lembro bem). É isso! Eu acho que a liberdade dá trabalho. Não é à toa que tanta gente desiste e prefere ser mais um na manada.