Carine Araújo ouviu reiteradas vezes do poeta Damário Dacruz, com quem muito conviveu na cidade de Cachoeira/BA, que “a poesia não pode ser um desabafo”. Mas contrariou o mestre e cada vez que escrevia sentia esvair-se de suas dores e o desabafo ficava mesmo lá no papel. Quase todos diziam respeito a sua quase morte num 28 de outubro do ano 2000. Lá estava ela, ainda uma adolescente, vítima de violência doméstica pelas mãos de seu padrasto. As dores daquele 28 de outubro deixaram marcas que ecoaram nos anos que se sucederam, em terapias, em lágrimas, em poemas. Pronto há 10 anos, só agora com a pandemia – e exatos 20 anos após o acontecido - ela criou coragem de expurgar de forma poética esse filho, e enfim seguir, como diz um de seus poemas: “sem dor/ Aliás, a dor é essa mesma”.

Com ilustrações do artista plástico Pirulito e dividido em 3 partes: A chuva, A poesia e O Desfile, Desfile Poético sob a Chuva foi prefaciado pelas escritoras Daiana Quelle e Janaína Cruz, levantando a bandeira das mulheres que escrevem. Os personagens que se projetam pelas suas narrativas, deixam de ser globais, passando a ser abençoados pela verve poética de Carine, que no ato da escrita abriga a beleza inconfundível dos versos daqueles que se lançam com afinco ao mergulho e a exorcização de sentimentos que desmancham a alma. Desmanchar a alma provoca febre, a quentura voluptuosa que mais tarde a fez dona de si, numa conquista espiritual e orgânica pelo caminho próprio. Sua paixão pela poesia vem da inspiração do poeta conterrâneo Castro Alves: para ela a poesia precisava ter uma "serventia", precisava ser voz empunhada para libertar dos grilhões externos - ou internos.

Carine Araújo se descobriu poeta aos 12 anos quando ganhou, sem muita pretensão, o Concurso de Poesias do CECA. Ali ela percebeu que aquelas frases que se amontoavam em páginas e mais páginas tinham algum valor. Sua escrita expunha um olhar sobre o quotidiano, não à toa viraria depois cronista e roteirista. Esteve em alguns dos maiores eventos de poesia baianos como o Caruru dos 7 Poetas, Poesia na Boca da Noite, Flica e na Bienal do Centro Cultural Dannemann com a performance Mãe D'África, a mesma que a levou para São Cristóvão (SE) e Belo Horizonte (MG). Produtora cultural há mais de 15 anos, ela deixou que sua arte se empoeirasse para tirar da gaveta uma infinidade de outras. Desfile Poético sob a Chuva, seu primeiro livro de poesias, foi premiado pelo BNB e esse ano ganha distribuição digital através da Amazon. A produção é da Tabuleiro Produções.