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Negras e Negros Diante do Poder da Branquitude por Gilson Rego
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Qui, 05 de Fevereiro de 2015 18:04

Gilson2A força da branquitude tem enfrentado as ações revolucionárias dos movimentos negros no Brasil, afinal não existe democracia sem o fim do racismo. E como elementos de destaque destas ações existem o resgate da estética negra, influenciando de forma significativa o conceito de beleza brasileira, bem como a conquista das ações afirmativas (cotas nas universidades e em concursos públicos). Há também   um conjunto de outras, tratando acerca da saúde da população negra no SUS, apesar dos diversos entraves,  isto sem falar na aprovação da lei 10.639\03 a qual garante a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro brasileira no ensino médio. E ainda o crescimento da consciência racial somado à volumosa produção de pesquisas e títulos sobre a temática negra.

Assim, diante destas conquistas alguém poderia desenvolver a seguinte conclusão. Se todos estes elementos são fatos inquestionáveis, os quais falam por si mesmos e, portanto, muito difíceis de ser desconstruídos, seja por um processo de argumentação verbal ou até mesmo escrito; pode-se concluir então estarem os opressores passando por um profundo processo de dissolução?

Bem, falar em dissolução requer certo cuidado, pois apesar de os movimentos negros terem colocado novas agendas no país, a branquitude, tem como palavra de ordem o slogan “nunca dormir, nem tirar férias”.  (Ao contrário do que aconteceu com alguns movimentos após as eleições de 2002. Uns entraram em quarentena, outros tiraram licença premio). Por outro lado aquela passou a intensificar a utilização dos braços armados, tanto do estado (polícias), como também os grupos de extermínio e “justiceiros”. Fortaleceram a máquina de transformar os únicos os quais somente trabalharam neste país, em “os preguiçosos”, “os bandidos”, “os marginais” e “os traficantes” a partir de um forte apelo midiático, de maneira tal qual se tenta naturalizar a ação de amarrar pessoas negras em um poste ou arvore e surrá-las até a morte. E os resultados estarrecedores são sinalizados pelo próprio mapa da violência de 2014, cujo levantamento foi feito entre de 2002 a 2012. “Enquanto o número de assassinatos de brancos diminuiu de 19.846, em 2002, para 14.928, em 2012 as vítimas negras aumentaram de 29.656 para 41.127, no mesmo período”.

Além disso, ao se observar os demais indicadores sociais, bem como a maneira pela qual o negro ainda vem sendo retratado nos meios de comunicação de massa, percebe-se faltar muito ainda para esta branquitude se encontrar em processo de dissolução. Mas, afinal existem meios de golpeá-la com mais intensidade? Estaria ela agindo sozinha? Vejamos.

Na época da escravidão as forças fazedoras de fortunas com o trabalho gratuito do (a) negro (a), contava com jagunços, capatazes, capitães do mato, todos negros a serviço de seus senhores. Também no período da ditadura militar nenhuma agremiação subversiva poderia obter sucesso sem a participação das pessoas negras, inclusive várias delas em postos de liderança, pois na história brasileira este sempre foi o segmento mais bem preparado para um processo de luta e resistência a todas as formas de opressão, afinal sua luta vem desde a época dos navios negreiros. Inclusive o professor Ubiratan Castro (Bira gordo), costumava afirmar que as primeiras greves com pauta de reivindicação escrita, no Brasil, aconteceram a partir dos espaços de resistência negra, desde o séc. XVI.

E mais. Hoje, qualquer projeto de acumulação capitalista via religiosidade só consegue ter êxito, se arregimentar uma forte base negra de fiéis, engrossando suas fileiras e contribuindo diariamente com dízimos e ofertas, a exemplo das religiões eletrônicas evangélicas. Logo, por conseguinte, a versão segundo a qual se convencionou chamar de força ou poder da branquitude, na verdade se trata de um segmento branco o qual, entre outros fatores, historicamente vêm cooptando os oprimidos para legitimar e defender interesses dos opressores. Logo ela não está agindo sozinha.

Portanto a partir da análise desenvolvida acima, percebe-se como necessidade de primeira ordem, se pensar e compreender que o enfraquecimento e / ou diminuição do(s) poder (es) da branquitude significa, antes de qualquer coisa, multiplicar a conscientização racial, estabelecendo consequentemente a diminuição da participação negra naqueles espaços. E nesta reflexão, serão destacados dois pontos básicos.   O primeiro seria a desmistificação acerca da guerra racial a qual se vive no Brasil.

Esta tem sido nada mais que um jogo de poder entre os usurpadores de 400 anos de trabalho escravo os quais, continuam se beneficiando de todas as riquezas geradas por este trabalho gratuito, fazendo girar e perpetuar um conjunto de privilégios apenas entre os segmentos brancos, inclusive de brancos pobres de um lado. E no outro, aqueles, cujos ancestrais foram sequestrados, escravizados e seus descendentes continuam fora de todos os processos de socialização e distribuição das riquezas, até os dias de hoje. E se não bastasse, representados como “os preguiçosos”,” os traficantes” e “os marginais”.

Apesar de os discriminados estarem sendo empurrados diariamente às diversas situações genocidas mesmo assim, ainda existe um conjunto de negras (os) entre os quais alguns costumam afirmar se tratar de falta de educação e/ou de consciência por parte dos brancos, dizendo até ser ignorância (não saber) a tal ponto de as agressões racistas serem encaradas por várias pessoas como “os brancos não sabem o que estão fazendo” e por isso devem ser perdoados. Ora, alguém já parou para observar um detalhe importante acerca dos insultos racistas, dentre os quais, alguns são noticiados?  Pois bem. A maioria das agressões parte dos brancos pobres, principalmente no futebol. Ou seja, aquela conversa segundo a qual o pobre branco recebe o mesmo tratamento tal qual o negro não passa de mais uma falaciosa estratégia da branquitude.

Percebe-se então que a maneira como os racistas se representam nos meios de comunicação de massa e espaços de poder, constrói em alguns negros uma imagem de positividade branca internalizada, tão forte, ao ponto de os agredidos, terem medo e vergonhar de responsabilizar os agressores por seus crimes. Seria um acontecimento novo¿

Na verdade esta situação se desenrola desde o período escravocrata no qual negros trabalhadores da casa grande, tinham muitas vezes e praticamente toda a sua família violentada sexualmente, não só pelos patrões, mas também pelos filhos, familiares e conhecidos destes. E ainda assim, diariamente, este negro se sentia na obrigação de dizer “sinhozinho é muito bom pra mim”. E tal comportamento se reflete ainda nos dias de hoje. Os opressores, inclusive brancos pobres, agridem, machucam, causam traumas nas pessoas violentando-as física, moral e psicologicamente; e, contudo, um conjunto de vítimas olham tais manifestações como “ignorância” no sentido de não saber. Se for assim, então chamar o outro de macaco faz parte de um não saber branco. Logo, devem ser tratados como os coitadinhos? No mínimo estranho.

Ainda referente a este ponto se costuma ver um conjunto de negros ativistas, os quais ao chegarem aos espaços de terceiro grau, faculdades e universidades, geralmente um público de maioria branca, ao terem suas expectativas de aceitação e reconhecimento frustradas, passam a desenvolver um processo de conscientização e\ou educação para brancos acerca do racismo, na esperança de haver uma mudança de postura frente à “inocência branca” e, consequentemente, uma aceitação e reconhecimento dos discriminados nos novos espaços conquistados.

Assim, tornam-se discursadores de faculdade, oferecendo munições para os agressores virem depois contra os movimentos negros, com discurso afiado e conhecimentos acerca dos estudos e estratégias de luta da negritude, aprendida com aqueles negros ávidos por aceitação e ingenuamente esperançosos com a cura branca a partir do espaço acadêmico. Situações como estas apenas contribuem para com o fortalecimento da branquitude, afinal os brancos têm plena consciência acerca de suas ações no sentido de manter o negro fora de determinados lugares, fazendo uso da política de controle destes espaços. Usam dos mais variados dispositivos os quais garantam a exclusão daqueles. Valendo-se também da segregação, discriminação, estereotipação, animalização, entre outros, bem como se passando por inocente frente às discriminações raciais.

Enfim, são utilizados todos os meios necessários para obtenção de seus objetivos. Afinal será esta a política garantidora dos melhores empregos, salários, aparição na mídia de forma positiva, uso das melhores tecnologias de informação e de saúde entre todos os demais privilégios. Inclusive, não deve passar despercebido o fato de nas periferias e em locais muito pobres, os brancos lá residentes, ser sempre os primeiros a conseguir os melhores empregos, melhores moradias, adquirindo também e, consequentemente, as condições básicas para melhoria da escolaridade.

E quase sempre, entre os poucos os quais conseguem se tornar micro empresário naquelas localidades, se não todos, pelo menos a maioria é branca. Afinal “O branco quer o mundo; ele o quer só para si. Ele se considera o senhor predestinado deste mundo. Ele o submete, estabelece-se entre ele e o mundo uma relação de apropriação.” (sic). Franz Fanon - Pele Negra, Máscaras Brancas, p. 117, editora Edufba, 2008. Portanto, guerra racial cujas linhas de ação tem sido cuidadosamente pensadas e arquitetadas previamente; com objetivos e alvos definidos, não pode continuar sendo tratada como processo de inocência branca a qual precise de pedagogia dos discursadores de universidade em busca da cura branca, nem de apologia aos brancos pobres.  Muito menos da prática caridosa do perdão por parte dos negros menos avisados.

“Já o segundo ponto de destaque, gira em torno dos lugares, pois o sistema racista, objetivando dificultar a ascensão dos discriminados, criou a versão “lugar de negro” e lugar de branco”. Temática muito bem explorada por Lélia Gonzalez em seu livro Lugar de Negro. A partir da fantasia de superioridade branca os melhores espaços políticos, sociais, culturais , econômicos enfim todas as melhores estruturas, passaram a ser designados como  lugares pertencente à branquitude, enquanto as periferias, favelas, locais sem infra estrutura de moradia e escolas, bem como as piores colocações no mercado de trabalho, entre outros, ficaram conhecidos como lugares nos quais as massas negras viveriam, sem possibilidades de mudança. Inclusive a algumas décadas passadas era comum se ouvir a expressão dirigida a pessoas negras “procure seu lugar”, nos momentos de conflito negro \branco.

E tais situações são tão bem demarcadas ao ponto de os negros que conseguem ascender, passarem por um conflito profundo de autodestruição, conforme aponta a autora.  “E como naquela sociedade, o cidadão era o branco, os serviços respeitáveis eram os ’serviços de branco’, ser bem tratado era ser tratado como branco. Foi com a disposição básica de ser gente que o negro organizou-se para a ascensão, o que equivale dizer: foi a principal determinação de assemelhar-se ao branco – ainda que tendo de deixar de ser negro – que o negro buscou, via ascensão social, tornar-se gente”(sic). Tornar-se Negro, Neusa Santos  p. 21 \ 2ª edição.

Inclusive não são poucos aqueles adeptos das religiões de matriz africana, os quais ao iniciarem uma graduação, imediatamente começam a se afastar daquelas religiões. E se ingressarem na pós graduação, fazendo mestrados e\ou doutorados, ai o fenômeno do afastamento se intensifica , sob a justificativa de falta de tempo. Alguns decidem até frequentar o espiritismo e/ou religiões orientais, passando a se auto denominarem espiritualistas. Logo procuram evitar estar em seus lugares de origem, buscando frequentar apenas os “novos espaços”, de preferência aqueles cuja maioria é branca. E se aparecem nas comunidades , costuma ser para fazer discursos, cujo vocabulário é totalmente inalcançável pelas pessoas simples, muitos destes até sequer sabe assinar o próprio nome. Ou seja, precisam “provar” a si e aos demais ter conseguido  “sair   daquele lugar”. Afinal “A história da ascensão social do negro brasileiro é, assim, a história de sua assimilação aos padrões brancos de relações sociais. (...) É a história de uma identidade renunciada, em atenção às circunstâncias que estipulam o preço do reconhecimento ao negro com base na intensidade de sua negação.” Santos (idem) p.23.

A partir da colocação de Neusa percebe-se com muita clareza estar alguns negros travando a inalcançável busca por reconhecimento nos espaços de ascensão, tanto durante quanto depois das novas conquistas. Pois a única condição construída pela ótica branca para tal reconhecimento, seria o negro tornar-se branco. E é justamente aquela busca a maior responsável pelos equívocos identitários. Tanto os levantados acima, como também em relação àqueles os quais chegam ao ponto de ficar se digladiando nos partidos políticos em busca de carguitos. Geralmente são cargos de terceiro ou quarto escalão, sem nenhum poder de resolução, não atraindo, portanto, o interesse da branquitude. Mas alguém poderia dizer. A negrada precisa estar em todos os espaços, inclusive para ir naturalizando a sua presença nestes lugares. Sim , é verdade. Porém precisa-se saber qual o preço a se pagar por isso. Pois no Brasil, organizações poderosas dos movimentos negros se deixaram cooptar pelos partidos, para se tornarem bases puxadoras de votos para eleições dos brancos. Alguém já viu algum negro chegar a presidência de um destes partidos e se estabelecer com poder de decisão¿ Portanto nenhum exagero há, quando se afirma “O preto é um brinquedo nas mãos do branco (...)” Fanon p. 126.

E para concluir, percebe-se nitidamente a necessidade de se reafirmar alguns pontos chaves. Pois bem. A branquitude é um segmento, o qual consegue boa parcela de sua força a partir da cooptação de negras (os), inclusive ativistas, colocando-os como base de sustentação do esquema e a serviço dos interesses de dominação. Inclusive na guerra racial, não pode haver dúvidas acerca de qual lado os pobres brancos estão. Pois, quando portam a máscara da “inocência branca”, afirmam também, uma das maiores falácias produzidas em todos os tempos. Dizem estar sendo tratados e vivendo as mesmas situações e condições de existência das vividas pelo negro. Dessa forma, procuram esconder o fato de serem grandes beneficiados no esquema racista.

Já em relação à necessidade de reconhecimento, por parte de algumas(uns) negras(os) vale a pena observar o exemplo do bloco afro Ilê Aiyê, quando promove, todos os anos, a escolha da deusa do Ébano. Um desfile somente de mulheres pretas bem vestidas com trajes africanos, movimentando-se com o bailado da dança afro. Significando um dos acontecimentos mais poderosos do planeta. Pois as deusas africanas, literalmente se fazerem presentes neste evento ao ponto de os convidados sentirem suas presenças. Cleópatra, Dandara, Makeda, Nandi, Aqualtune, Nizinga, Ranavalona, Nefertari e tantas outras ajudam no fortalecimento do resgate ancestral africano. Além disso, o desfile consegue mostrar ao mundo, ser possível a existência de concursos de beleza, sem precisar apelar para a coisificação e objetificação do corpo da mulher. Ou seja, “deusa do ébano” além colocar pretos e pretos se admirando e se reconhecendo, sem a necessidade da mediação branca; também golpeia a branquitude, forçando esta a repensar suas referências de concursos baseados no patriarcalismo, machismo e racismo.

E por fim deve-se observar a armadilha construída em torno do processo de ascensão. Pois “lugar de branco” e “lugar de negro”, precisa ser desconstruído tanto no psicológico, quanto nas atitudes, porque tal visão tem impedido a troca e multiplicação de capitais (econômicos, culturais, informativos, espirituais etc.) dos que ascendem para com suas comunidades. Estes capitais, principalmente em relação à consciência racial, quando aplicados nas comunidades, passarão a fazer parte da vida dos futuros policiais negros, futuros professores (as) das escolas públicas, bem como dos futuros músicos e jogadores de futebol. Gerando assim novos comportamentos e posturas, incentivando, inclusive, a utilização de boicotes em lojas, shoppings e até mesmo em relação a seriados tipo “sexo e as negas”. Isto sem falar que poderá diminuir bastante a produção de letras musicais do tipo “lepo lepo” e “rala a checa no asfalto”. Ou seja.  Não se afastar de suas raízes e comunidades negras, pode ser um elemento gerador de força e estratégias de ação, capazes de pressionar cada vez mais o sistema em direção à diminuição e consequente dissolução daquilo ao qual passou a ser chamado de poder da branquitude.

Gilson Rego – professor e psicoterapeuta

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