A preta Bené chorou hoje em Curitiba. Por Renan Araújo |
Seg, 24 de Dezembro de 2018 05:17 |
Chorou quase que na rua. Chorou para todo mundo ver o tamanho da sua agonia. Chorou por todos nós, a preta. Chorou pelas pretas como ela, que não aceitaram o chicote e não se limitaram à branca alforria. Chorou a preta Bené de encharcar a pele preta dela.
Chorou pelo Brasil preto que nem ela, que não aceitou ficar só na cozinha nem no abandono das ruas. Chorou Bené pelo povo que não quis a escuridão de não conhecer as letras e se aventurou em conhecer mundos diferentes em páginas brancas e letras pretas como ela. Chorou a Bené empregada, a Bené do morro, a Bené sofrida, lembrando do povo que também é dela. E que chora como ela. Chorou de fazer poças de lágrimas na Curitiba esquisita.
Chorou o choro dos posseiros ameaçados, da juventude ameaçada, dos índios ameaçados, dos operários ameaçados, das liberdades ameaçadas em cada esquina, a cada instante. Chorou o choro do Brasil ameaçado, a preta Bené. Chorou. Não o choro de vergonha, nem o choro de medo, mas o choro da revolta.
Acho que vi as lagrimas de Lula saindo dos olhos de Bené. Acho que vi o Cristo se contorcendo de dor nas lagrimas que escorriam no rosto cansado da preta Bené. Não havia sofreguidão no choro de Bené. Havia uma memória de todos os cárceres contido naquele choro.
Havia ódios não aplacados pelo futuro perdido naquele choro. Hoje milhões de Benés choraram silenciosas pelo Brasil. Benés homens e mulheres. Benés héteros e gays. Benés brancas, negras e mestiças. As lágrimas secas que escorreram dos olhos de quem quer Lula livre, de quem quer o Brasil livre, acompanharam como que numa liturgia, o choro de Bené e escorreram da cara do Brasil. "É uma dor profunda"- disse Bené. É uma dor profunda, dizemos todos nós.
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