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Os iniciados no mistério não morrem. Por Adriano Azevedo
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Seg, 07 de Janeiro de 2019 06:10

Adriano_AzevedoMaria Stella de Azevedo Santos, Odé Kayodê, assim chamada pelos Orixás há mais de 80 anos, conclui seu ciclo de vida aqui na terra, vivendo 93 anos, onde na tradição iorubá, viver muitos anos é uma dádiva, e esta circunstância é sinônimo de agradecimento para quem fica rogando ao astral que tenhamos esta dádiva também, de vida longa com saúde. Seu espírito foi chamado de volta ao Orun (céu), onde de lá, ela irá seguir determinações que nós pessoas vivas jamais teremos acesso.

Durante toda uma vida de mais de oito décadas, Mãe Stella defendeu de forma veemente a atuação do negro na sociedade civil, fazendo desta raça que por séculos sofreu e que ainda sofre preconceitos inumanos, mostrando que a cor da pele, não nos faz menores. E ela era a prova viva disso.

Formada pela Universidade Federal da Bahia na área da saúde pública, onde atuou até se aposentar por tempo de serviço, tornando-se em seguida mãe de santo de uma casa tradicional, o Ilê Axé Opô Afonjá, onde tivemos grandes matriarcas a nome da fundadora Eugênia Anna dos Santos, mulher que viveu o período pós-escravidão e que tinha um pensamento além da sua época. É a ela, mãe Anninha, quem devemos o poder de cultuar os Orixás, Voduns e Inkisis no Brasil. Passaram também nesta casa outras senhoras, das quais levantaram a bandeira do Candomblé e consequentemente do povo negro. E mãe Stella deu continuidade a este legado. Ela teve ao seu lado outras mulheres fortes como mãe Menininha do Gantois, mãe Olga do Alaketu, mãe Tatá da Casa Branca, dentre outras mulheres negras, fortes e de poder de voz atuante neste cenário.

Durante o Axexê (obrigação fúnebre), tivemos momentos em que outras casas como o Vodunzô, da nação Jeje, e o Terreiro do Tumba Jussara, da nação Angola, fizeram suas saudações em suas respectivas nações. Um ato de extrema emoção e solidariedade, mostrando a união dos povos das nações Ketu, Jeje e Angola, onde mais uma vez afirma a força destes povos, que sofreram represálias por conta da cor de pele, mas que firmaram suas convicções, e que hoje neste ato histórico para o Candomblé no Brasil, nos mostramos firmes e resignados acima de tudo.

O Gantois; Pilão de Prata; Obá Nã; o Terreiro Raiz de Ayrá e o Ilê Axé Ogunjá de São Felix, no Recôncavo baiano; o Axé Ajagunã de Santos, São Paulo; o Ilê Oxumarê, o Opô Aganjú, o Opô Afonjá do Rio de Janeiro dentre outras casas de Axé de Salvador, Macapá, Rio de Janeiro, São Paulo, Sergipe, Brasília, região metropolitana de Salvador, Recôncavo baiano, além de netos da casa que se fizeram presentes para render homenagem a mãe Stella de Oxossi.

Sexto dia de obrigação. Chegou o momento do Orô, círculo feito pelos Ojés, sacerdotes do culto aos ancestrais masculinos, os Egungun. Eles cantaram de forma hierárquica e ao final, entoaram saudações a Babá Ajosanjorun, ancestral fundamental do culto Egungun e Iansã, rainha detentora dos segredos dos Ojés. Os Eguns passeavam pela roça. Dentre Eles, estava Babá Abi Irin, o Konigbagbe (seu nome de batismo em vida, que significa, O Inesquecível), ancestral de mãe Stella, seu bisavô. Homem que veio da costa africana e que aqui conheceu uma escrava, que depois de alforriada e se unirem afetivamente, passou a ser chamada de Maria de Konigbagbe. A partir desta união, eles tiveram Maria Theodora que se casou com um português chamado Amâncio Soares de Azevedo e que daí surgiu Thomazia de Azevedo, mãe biológica de mãe Stella.

Muitas flores, comidas ritualísticas, bebidas, dinheiro e muito amor e fé foram depositadas nesta cerimônia. Chega o momento de mãe Stella aparecer pela primeira vez no mundo dos vivos, após a morte do seu corpo físico. Trazida pelo seu bisavô, Babá Abi Irin, o então Konigbagbe, para receber toda homenagem a ela depositada, Babá Alapalá que é o Egun Ojixé (patrono) do Opô Afonjá e que há mais de 30 anos não aparece manifestado nas terras de seu primo Xangô, disse que, Odé Kayodê estava muita bem e feliz. Disse também que continuará a rogar por nós e que de lá irá nos proteger. Momento de extrema emoção, e para aqueles que entendem este momento, o coração pulsava com mais força.

Mãe Stella recebeu tudo de forma positiva, desmentindo tudo o que foi dito por terceiros no período em que ela esteve presa e restrita à suas ideias e convicções, tendo porta-vozes de conveniência, que se apropriaram do poder de sua voz, para se promoverem de alguma forma.

Mãe Stella agora está no Orun. Mãe Stella vive na nossa fé, em nossos pensamentos e corações de quem a amou de verdade. Uma cantiga diz o seguinte: “Os iniciados no mistério não morrem. Os iniciados no mistério não desaparecem. Os Iniciados no mistério vão para a casa do renascimento, onde tudo se renova.” E assim damos continuidade a esta filosofia de fé, pedindo que ela de onde estiver, continue rogando por nós até o dia do reencontro.

Hoje, aos quatro dias do mês de janeiro, quando concluímos os sete dias de Axexê, após a entrega do seu corpo a quem de direito, seu espírito respondeu de forma positiva durante todos os dias de obrigação fúnebre. O Axexê foi repleto de emoções. Durante os sete dias, foram entoados cânticos, onde as pessoas dançavam, comiam e bebiam em sua homenagem, seguindo uma tradição milenar, onde o seu Orixá de cabeça, Oxossi, teria sido o primeiro ser a passar por este ritual de passagem e assim fizemos como manda esta tradição.

Ainda no dia quatro, ao final da tarde, após o Axexê, Babá Alaká de Oxossi e Babá Abi Irin de Ogun, seu ancestral, desceram do Ilê Ibó (local de adoração aos ancestrais desta casa) pra falar com os filhos de santo e os familiares. Babá Alaká saudou Oxossi através de cânticos e Abi Irin em forma de muita felicidade, pediu pra que não chorássemos e dançou lindamente encerrando os sete dias de obrigação. Ao som das palmas entoadas por uma canção de Iansã. Ele se despediu, deixando uma energia boa em todo o Terreiro e um vento forte varreu toda a tristeza que porventura estivesse por ali.

Ô dibôxê ô!

Mãe Stella vive em sua essência.

Por Adriano de Azevedo, Obá Abiodun, Balé Oyá, Ojé Abigbaewê, sobrinho e filho de santo de dona Maria Stella de Azevedo Santos, Mãe Stella de Oxossi.

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