Tonho da Ilha Por Zuggi Almeida |
Seg, 14 de Janeiro de 2019 07:31 |
Tonho já saiu da barriga de Maria metendo os pés nas estradas do mundo. Criado na localidade de Baiacú, em Itaparica, Tonho de Maria era um ilhéu franzino e exímio na especialidade em desentocar caranguejos. Zeca de Maria, insistia em preparar o filho para herdar a arte de trabalhar o couro, colocar a sola, o salto ou mesmo reparar calçados que já requeriam a aposentadoria. Tonho trouxe apenas uma característica paterna, o direito de imaginar viagens até os países mais longíquos. O sapateiro no final de tarde reunia a meninanda do lugarejo e sentado na porta da tenda contava as façanhas que ele realizou abatendo alemães em terras italianas, na Segunda Guerra Mundial. Tonho já com 20 anos, todos os dias botava a catraia no canal em cima do pesqueiro certo e recolhia sirís graúdos ou tainhas quando lançava sua tarrafa com maestria. Vadú de Judite chegou a Baiacu de férias no final de ano.O primo de Tonho de Maria trabalhava embarcado num cargueiro grego e aproveitou a passagem pelo porto de Salvador para reencontrar a família, os amigos e alimentar o grande sonho da vida de Tonho. Vadú apresentou ao parente uma proposta de embarque como limpador de convés no navio onde ele trabalhava como ajudante de cozinha. Tonho aceitou na hora e três meses depois estava embarcando num dos cargueiros da frota do armador Pierre Onassis. Enfim, lá se foi Tonho de Maria descobrir o mundo. Cinco anos depois estava Tonho de volta ao Baiacú pagando a rodada de cervejas, na Visgueira de Bené. Camisa de cambraia de linho, calça de gurgurão, sapatos polidos e um imenso relógio importado no pulso. Contava suas aventuras pelos países mais exóticos do mapa terrestre, os costumes diferentes de cada povo, as mulheres magníficas e o domínio que adquiriu sobre os mais diversos idiomas, dentre esses, o inglês, o espanhol, o francês, o alemão e até o russo. Apenas omitiu da platéia que a estadia nesses países era por poucos dias,o suficiente para desembarcar a carga e partir.. Na maioria das vezes, a tripulação não recebia a autorização para ir à terra e os contatos com essas populações locais não aconteciam.. Num domingo cedo, Tonho de Maria ainda dormia da farra da noite anterior quando foi acordado pela mãe que avisou: - Tonho , o motorista do prefeito está aí na porta procurando por você. O rapaz levantou, lavou o rosto e foi saber do motivo da procura. Tonho, o prefeito precisa muito de você - disse o motorista, - e completou - você sabe falar russo?- de pronto o filho de Maria respondeu -, depende ! Na dúvida, Tonho de Maria vestiu um dos paletós que trouxe da viagem e embarcou no carro oficial, enquanto no caminho o motorista explicava qual era a tarefa. - Meu amigo, chegou aqui na ilha um pessoal da Rússia que veio assinar um convênio com a prefeitura para construção de uma escola de música e a mulher que o prefeito contratou para traduzir a conversa comeu uma muqueca apimentada e passou mal. O carro parou em frente ao prédio onde todo o recepetivo estava preparado e o prefeito apressou-se a receber Tonho de Maria dando-lhe um forte abraço. O alcaide pediu a Tonho de Maria que desse as boas vindas de Itaparica para os soviéticos. Tonho pegou o microfone, pigarreou e disparou: - Dobrowski polanski itaparica island orloff ! A delegação russa sorriu, afável. O prefeito pediu que Tonho agradecesse ao apoio do povo russo à educação na ilha de Itaparica. - Tonho pigarreou e mandou: Tchaikovski azenka gorbachev itaparica island perestroika. Mais uma vez, os russos foram todos sorrisos. Então, o prefeito pediu que Tonho convidasse os russos para o lançamento da pedra fundamental da escola. Tonho arrematou: - Venka! - e apontou a direção da pedra, - e todos seguiram para o local. Após a inauguração onde foi assinado o protocolo de intenções, os russos retornaram para Salvador e Tonho seguiu com o prefeito e seus assessores para pensão de Neidinha. A farra de moquecas regadas à cervejas e fartas doses de Correinha foi até o começo da noite. Durante a comemoração, o prefeito lançou o seguinte convite para Tonho de Maria: - Tonho você veio pra ficar de vez ? Que tal você assumir a nossa secretaria de turismo ? perguntou. Tonho pigarreou e respondeu: - Seu prefeito, estou aqui apenas passando uma temporada enquanto aguardo um convite da ONU para assumir um cargo no estrangeiro -, respondeu. Enquanto o convite imaginário do órgão internacional não chegava, Tonho aproveitou o tempo e mandou fazer uma canoa nova, comprou uma tarrafa maior e todos os dias apoitava no canal, bem cima do seu pesqueiro favorito. ......................................................................... Cai o pano * zuggi almeida, baiano, escritor e roteirista. |
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