Dia de mulheres por Marcelo Veras |
Seg, 09 de Março de 2020 16:04 |
Mais um dia, muitas mortas, muitas sobreviventes. Esta é, para mim, uma pergunta, o feminino vive ou sobrevive? Sem a psicanálise eu não saberia o que dizer sobre o feminino. Poderia pensar a mulher em relação à cultura: a mulher é um ser cujo corpo lhe foi roubado. Uma prisão às avessas, corpo colonizado, como diria Simone. Mas foi a psicanálise que me autorizou a falar das mulheres, e isso ao resgatar o feminino em mim. Sim, ao colocar Outro sexo para todo ser falante, nascido biologicamente macho ou fêmea, a psicanálise é um esforço a mais para sair das armadilhas do enclausuramento do ser em um gênero. Os críticos da psicanálise certamente vão evocar Freud, cujo Édipo tinha ares de centrar na tríade familiar a verdade dos dramas humanos. Freud foi um visionário, pensava para além de seu tempo, mas não esqueçamos, ele criou uma disciplina clínica, não uma ficção científica, suas histéricas eram muito diferentes dos pacientes que nos chegam hoje em dia. A crítica que muitos fazem à Freud mostra com frequência um deslocamento curioso, ele interpretava as histéricas de seu tempo, era a cultura que localizava um recorte do feminino, não o psicanalista. Freud hoje estaria com certeza diante de novos desafios, e não recuaria. Lacan deu um passo definitivo ao separar as questões do feminino do corpo biológico. Com Lacan, a anatomia não é mais o destino do feminino, ela se torna o avatar de todo ser falante, um a um. Trata-se de interrogar como a substância gozante se dispersa e se molda diante dos semblantes da época, sem necessariamente se confundir com eles. Deslocar a questão do feminino do corpo biológico é, no mínimo, uma alternativa para se pensar as angustias do ser sexuado para além das ofertas da ciência. A ciência oferece a possibilidade de tratar o real da inconsistência sexual pelo próprio real, mediante tratamentos hormonais e cirurgias. A psicanálise oferece outra perspectiva, abordar o corpo sexuado para além do real, pelos semblantes que cada um inventa com sua fantasia, por um lado, e com seu sinthoma, invenção única para além do gênero, por outro. |
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