Samuel teve um sonho muito real. Acordou assustado e começou a pensar. Tomando café da manhã, Samuel lembrou que praticamente toda comitiva que viajou recentemente para os Estados Unidos está
com o Novo Coronavirus, menos Bolsonaro.
Ao julgar pelo comportamento do presidente, que repetidamente afirma e nega o que lhe for conveniente sobre qualquer assunto, há motivos para desconfiar que o presidente está faltando com a verdade. Samuel lembrou que o próprio filho, Eduardo Bolsonaro, confirmou e depois negou, em entrevista a Fox News, que o pai estava contaminado. A questão fundamental é saber se é possível fraudar um teste de sangue envolvendo institutos renomados como o Hospital Albert Einstein ou o Instinto Adolpho Lutz? Infelizmente, Samuel achou que a resposta é sim.
Já houve muitos casos de fraude de esportistas por causa da política de exames antidoping. Basicamente o golpe consiste em a pessoa que usa alguma substância ilegal, com a ajuda de alguém, entregar a amostra de fezes, de urina ou de sangue de outra pessoa que já deu teste negativo. Samuel lembrou que o caso mais inusitado ocorreu no ano passado com Donell 'DJ' Cooper, jogador norte-americano de basquete, que entregou a amostra de urina de uma amiga, só que ela estava grávida e acusou no exame do esportista, que pegou dois anos de suspensão. No caso do presidente, se a amostra é coletada por alguém de sua confiança e entregue aos laboratórios de análise, é possível cometer uma fraude sem comprometer pessoas ou institutos confiáveis.
A cabeça de Samuel não parava enquanto assistia ao noticiário: Bolsonaro tem motivos para fraudar um exame? Se o teste para o Novo Coronavirus der positivo, Bolsonaro comete diversos crimes, inclusive de não fazer quarentena de uma lei que ele mesmo enviou ao congresso. Além de ver sua popularidade reduzida a pó, pois há milhares de pessoas morrendo no mundo, enquanto Bolsonaro fala que é tudo histeria e ainda convoca e participa de atos de rua. Seria uma porta aberta e concreta para impeachment.
Por isso a cabeça de Samuel martelava ao fazer faxina no banheiro. A questão que se deve esclarecer agora é: onde e quem colheu as amostras de sangue para o exame de Bolsonaro? Dadas as circunstâncias de contaminação de quase toda sua comitiva de viagem, Bolsonaro poderia ser obrigado a fazer um novo exame presencial no Albert Einstein ou no Adolpho Lutz e monitorado pela justiça?
São questões urgentes que só um sério trabalho de jornalismo investigativo, aliado à cobrança de setores da sociedade, da política e do judiciário, insatisfeitos com a conduta irresponsável de um presidente em momento de crise econômica e pandemia, poderiam resolver. Quem se habilita?
Samuel publicou um texto revelando sua epifania nas redes sociais, mas imediatamente a postagem foi apagada pelo Facebook, sob o argumento de violação das regras da comunidade. Procurou amigos jornalistas para publicar, mas muitos tinham medo, depois das mortes misteriosas de Marielle, Anderson, Adriano e até o estranho infarto fulminado de Bebianno, de alguém abrir a boca e ser a próxima vítima. Samuel desistiu da ideia porque chegou à conclusão de que sua história, tão verossímil quanto perigosa, só tinha espaço num inocente texto literário.
___________________ Bruno D'Almeida é escritor e mistura ficção e realidade através de crônicas literárias no Midia4P em parceria com a Carta Capital. https://midia4p.cartacapital.com.br/a-fantastica-historia-de-bolsonaro-ter-fraudado-seus-exames-do-novo-coronavirus/ |