Morre Anselmo Serrat, criador da Escola de Circo Picolino. Por Jonga Lima |
Qui, 19 de Março de 2020 04:25 |
Tem gente que quando fica velho adoece de tanto cuidar dos seus próprios interesses, dos interesses dos seus, e vive uma inesperada solidão por tudo material que deixou pra trás, e se vê sem saúde, sem amigos, sem afetos, sem histórias bonitas pra contar. Com Anselmo Serrat foi diferente. Um navegante sonhador, com sua lona à beira-mar de Pituaçú, rodeado de gente, artistas e amigos, sob ventos e ondas fortes. Hoje ele partiu desse mundo, depois de uma incrível jornada. O nosso Guerreiro Picolino se foi. Na sua trajetória deixou muitas e muitas histórias bonitas e inesquecíveis, que ficam pra gente contar. Lutou incansavelmente para realizar a missão de sua Associação de Artes do Circo Picolino, de espalhar a arte circense pelo mundo, de fazer a arte servir como instrumento de educação e ação social, dando às crianças a oportunidade de um sorriso, de um balanço, de sair da corda bamba da vida e brilhar num picadeiro iluminado. Lutou bravamente contra os interesses mesquinhos de uma grande parte dos empresários e políticos baianos que queriam a todo custo expulsá-lo da orla de Salvador. Enfrentou com sua coletividade de guerreiros, os tratores da prefeitura, peitou a ambição dos que não conseguiam enxergar o valor que o circo tem. Viveu também os aplausos e admiração de um respeitável público, em seus inúmeros e lindos espetáculos circenses, misturando toda magia do circo, com música ao vivo, com poesia, com cinema, com teatro, com dança, numa celebração inesquecível de cultura brasileira viva e espiritualidade. O guerreiro sai de campo vitorioso! Lembro do dia em que estávamos todos no circo, numa manhã esfuziante de espetáculo, com centenas de crianças na plateia, com Luana Tamaoki Serrat, Flavia Marco, Nina Porto, Nana Porto e toda trupe de artistas e professores, eu, juntamente com todos os queridos músicos da Banda Picolino (Andre Borges, Beto Portugal, Amadeu Alves, Dom Lula Nascimento, Jaime Bocão, Beef, Duda Machado, Tamima Brasil, Mauro Rodrigues, Michelle Abu), e era chegado o grande momento de Anselmo entregar o Troféu Picolino daquele dia para nada mais nada menos que o educador Paulo Freire, que estava presente ali para receber a homenagem. Foi uma emoção indescritível. Nós tocamos a canção “Amanhã” de Guilherme Arantes e foi uma comoção geral das crianças com Paulo Freire, num momento de luz e realização da “missão picolino”. Nesses dias intensos que se antecederam ao falecimento de Anselmo, vivemos um movimento interno de muito cuidado e solidariedade com ele, que com certeza vai ficar em nossa lembrança pra sempre. Todos os amigos uniram-se numa corrente amorosa e solidária de ajuda familiar, com escalas diárias para cuidados no hospital e em sua casa. Nosso guerreiro sentiu-se a todo instante acolhido, cuidado, amado e querido. E eis que chegou o dia de sua despedida... Com muita emoção, sigo com a certeza de que vivi tudo que tinha que viver com essa criatura vibrante. Anselmo Serrat, diretor da Escola de Circo Picolino, foi pra mim um mestre. Na música, um verdadeiro pai, acreditando sempre no meu potencial, tolerando as minhas fraquezas e dando muito gás às minhas criações. Juntos com Tito Bahiense, Sandrinha Simões e o Menos Um No Quarteto, arrebentamos a boca do balão com o Circo Dá Samba, nas terças do Coletivo! Pra história do circo, foi um gigante. Pra Salvador, um comissário da cultura. Viva a memória de Anselmo Guarani Kaiowá Picolino Guerreiro Serrat! Segue o barco querido! Axé! Aleh!!! Hey!!!!! “Veja o mundo em cores de pura emoção Vem pro circo da vida, picolino de amor Batom, purpurina, junta mole das meninas Palhaço, cantador Quebra tudo, improvisa na ginga Moleque, acrobata, trapezista da dor Mexe o corpo na manha da vida Que pro artista requer magia e suor Passarinho em liberdade Som da música atonal Perna de pau Somos raça, somos luta no meio de um vendaval circo imortal!” (Jonga Lima) |
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