Salvador, 16 de April de 2024
Acesse aqui:                
Banner
facebookorkuttwitteremail
Miliciano metendo o louco na terapia. Por Bruno D'Almeida
Ajustar fonte Aumentar Smaller Font
Ter, 19 de Outubro de 2021 21:08

Bruno_Almeida

Perdi minha família para a estupidez – Capítulo 02.

– Você não se faça de besta comigo, beleza?

– Bem-vindo ao nosso consultório. Estou aqui para ajudar sua família depois de nossa conversa de ontem. Hoje é sua primeira sessão de terapia.

 

– Não é só isso, e você sabe.

– Como se sente, Adamastor?

– Não estou me reconhecendo mais. Passo a maior parte do dia deitado na cama. Simplesmente não consigo levantar pra trabalhar duro. A internet em Santíssimo, a revenda de gás em Augusto Vasconcelos, o posto de gasolina na Estrada de Cabuçu, minha empresa de segurança que dá proteção a todo comércio do calçadão de Campo Grande. Meus negócios estão dando prejuízo porque simplesmente não consigo acompanhar. Maldita briga de Natal.

– Não se culpe, são sintomas de depressão. Ninguém perde dinheiro porque quer.

– Frescura. Não tenho essas coisas. Estou revoltado com os prejuízos e quero que tudo volte ao normal.

– Conte mais sobre o Natal.

– Isso foi em 2019, antes da pandemia. Todo ano eu dou um churrasco pra reunir a família. João Ternura e Mariene procuraram confusão. Fiquei calado segurando a onda, mas teve uma hora que não deu. João fica defendendo bandido esquerdopata. Mariene não tem limites, levou a namorada dela lá pra casa e ainda ficaram se beijando. O finado Gabriel e Afonsinho apenas pediram respeito e eu acho certo. Tudo tem limite.

– Você vê problemas em duas mulheres se beijarem?

– Claro. Veja bem, não sou preconceituoso, tenho até amigos que tem esse negócio. Mas eles devem fazer essas coisas na casa deles, e não na rua ou na casa dos outros, é falta de respeito.

– Entendo. Mas por que o senhor enfiou um espeto de churrasco na mão de seu sobrinho?

– Não foi uma coisa intencional. Quando eu vi, eu já fiz, entendeu? Tinha acabado de tirar um espeto de picanha da churrasqueira, uma coisa linda. Quando cheguei na mesa pra colocar a carne, percebi a confusão. Era João e Mariene de um lado, Afonsinho e Gabriel do outro, e Elvira gritando com uma Bíblia na mão. João me ofendeu, disse que eu era fascista, eu não sou fascista. Não sei nem o que é isso. Na força do ódio mandei ele calar a boca. A intenção era enfiar o espeto na cara dele, mas como ele colocou a mão se protegendo, atravessou a mão dele.

– O senhor se arrepende?

– Claro que me arrependo, foi de cabeça quente. O problema é que alguém da família gravou, que eu não sei quem foi, pois tinham outras pessoas, aí ganhou o mundo, saiu até naquele lixo de jornal da televisão. Aí lá me chamaram de miliciano, veio investigação, meu patrimônio foi revelado e a Corregedoria abriu processo contra mim. Posso ser expulso da corporação.

– O senhor se considera um miliciano?

– Veja bem, ninguém gosta de exposição. Antes era só boato, nem sabia que minha família sabia. Todo mundo fazia vista grossa. João não me chamou só de fascista, ele me chamou de fascista miliciano, e miliciano eu sei muito bem o que é.

– Mas qual é o problema de ele chamar então?

– Nenhuma desgraça gosta de ser chamada pelo nome. A gente dá proteção, paz nas comunidades e presta serviços de qualidade por um preço justo.

– Queria agradecer pela cortesia da internet. Obrigado.

– Há vinte anos isso era terra de ninguém, era tudo dominado pelo tráfico. Eliminamos os traficantes e colocamos ordem em toda Zona Oeste. Teve ajuda do Bope e depois das unidades de polícia pacificadora. A gente foi entrando nas comunidades e tomando conta de tudo. Teve uma hora que virou oportunidade de negócio, as comunidades não tinham muitos serviços e a bandidagem ameaçava voltar. A gente foi montando uma revenda aqui, espalhando cabo de rede por ali e o dinheiro foi entrando. Agora que tenho uma vida confortável, veio essa confusão.

– Como pretende reverter essa situação?

– Estou pagando terapia pra todo mundo pra você convencer a família que devemos selar a paz novamente. Aí para de sair notícia a meu respeito e fico tranquilo para continuar meus negócios. Vi no seu Instagram que você tem 50 mil seguidores e consegue melhorar a vida das pessoas. Dou muitas risadas com seus vídeos no TikTok e, como você é da região, resolvi te procurar.

– Veja bem, eu não posso fazer milagres. Já está todo mundo agendado com quatro sessões até o Natal. Posso tentar, mas não é garantido.

– Pois você vai conseguir, senão todo mundo vai saber a verdade sobre você.

– Como assim?

– Vamos inverter essa merda. Deite aqui no divã que eu vou ficar sentado no seu lugar pra te fazer umas perguntas.

– Isso não é ético.

– E você tem coragem de falar de ética, seu charlatão? Você merece uma bala no meio da cara. Deite logo aqui antes que eu perca a paciência e não precise puxar minha arma pra você.

– Tudo bem, eu deito, mas vamos com calma.

– Cadeira confortável a sua. Me conte tudo. Vou logo adiantando: puxei sua ficha com o pessoal da inteligência da polícia. Não há nenhum registro de diploma em seu nome. Você já foi preso duas vezes por falsificação de documentos em Maringá. Por que decidiu ser um falso psicólogo?

– Sou viciado em séries. Já assisti a todas temporadas de Grey’s Anatomy, Dr. House e The Good Doctor. De tanto assistir, achei que poderia atuar na área de saúde.

– Mas por que não se tornou um falso médico?

– Porque é mais fácil ouvir as pessoas e dar conselhos do que fazer uma cirurgia no coração de alguém, né? Passei a ler vários livros de autoajuda e sites de psicologia. Basicamente eu pergunto aqui o que as pessoas sentem, elas ficam chorando, eu digo algumas palavras de conforto e elas saem felizes. A maioria dos meus clientes querem apenas desabafar sobre seus conflitos amorosos.

– E ninguém desconfia?

– Quando vou atender a um novo cliente, pergunto se ele já fez terapia. Se ele já é paciente psicológico ou psiquiátrico,  eu fico calado durante toda consulta, peço pra ele falar de seu histórico. Aí no final digo que não tenho especialidade para o problema dele e peço que procure outro profissional. Eu só atendo pessoas que nunca fizeram terapia e não possuem um bom nível intelectual.

– Você está me chamando de burro?

–  De modo algum, tanto que o senhor entendeu o que eu disse.

–  Pois faça seu trabalho direito. Quero minha família reunida e feliz no Natal. Se você falhar, no mínimo todo mundo fica sabendo que você é charlatão.

– E tem coisa pior que isso?

– Tem sim. Jogo você lá de cima do Gericinó depois de te colocar no micro-ondas. Você não se faça de besta comigo, beleza?

Bruno D’Almeida escreve textos para a coluna Fabuloso Cotidiano, as histórias de ficção de um mundo de verdade, no Mídia4P em parceria com a Carta Capital. Siga Bruno D’Almeida em seu canal no YouTube e no Instagram @dalmeidabruno. Para ler outros textos do autor, clique aqui.

Compartilhe:

Última atualização em Seg, 25 de Outubro de 2021 03:20
 

FOTOS DOS ÚLTIMOS EVENTOS

  • mariofoto1_MSF20240207-095Lavagem Funceb. 08.02.24. Alb 2. Foto: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240207-042Lavagem Funceb. 08.02.24. Alb 1. Foto: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-072Fuzuê Alb 1. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-176Fuzuê Alb 2. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-248Fuzuê Alb 3. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-367Fuzuê Alb 4. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-0798Beleza Negra do ilê. Alb 1. 13.01.24 By Mario Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1221Beleza Negra do ilê. Alb 2. 13.01.24. By Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1394Beleza Negra do Ilê. Alb 3. 13.01.24 By Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1584Beleza Negra do Ilê. Alb 4. 13.01.24 By Mário Sérgio

Parabéns Aniversariantes do Dia

loader
publicidade

ENSAIOS FOTOGRÁFICOS

HUMOR

Mais charges...

ENQUETE 1

Qual é o melhor dia para sair a noite?