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Ensaboando com respeito o amigo na brotheragem. Por Bruno D'Almeida
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Seg, 25 de Outubro de 2021 02:55

Bruno_AlmeidaPerdi minha família para a estupidez – capítulo 05

– A identidade visual do seu consultório é horrível, você não tem um branding legal.

– Como?

– Seu consultório parece mais uma loja de açaí. Tudo lilás. Esse divã amarelo é esquisito.

– Lilás e amarelo são cores complementares.

– Mas não tem nada haver com a área de saúde. Posso te ajudar, aproveite enquanto meu preço é de sobrinho.

– Explique.

– Sabe quando você pede um orçamento para um designer, acha caro e pensa que seu sobrinho pode fazer mais barato?

– É o que mais tem no mercado.

– Estou no último semestre de Publicidade e Propaganda. Como ainda não sou formado, cobro preço de sobrinho.

– Obrigado, não precisa. Assim como está atende às minhas necessidades.

– Ainda bem que o tio Adamastor está pagando essa terapia, estou precisando muito desabafar. Na verdade, é uma série de dúvidas que começaram com a morte de meu pai.

– Pode começar.

– A relação com meu pai sempre foi de idas e vindas. Na verdade, só pude ter mais contato na adolescência. Quando era criança, só lembro de tio João, era ele quem me dava avião pra comer, quem corria comigo pela casa. João Ternura que me ensinou a ler em casa, foi a primeira referência de pai pra mim.

– Vocês continuam próximos?

– Não, nos afastamos completamente depois que meu pai reapareceu.

– Por quê?

– Tio João não se dava bem com meu pai, ele dizia que era impossível estar ao lado de quem defendia as ideias de meu pai.

– Quais?

– Meu pai sempre defendeu que na ditadura a vida era melhor. Tinha um pôster do Brilhante Ustra no quarto. Defendia que todo cidadão deve andar armado. Meu pai já era assim antes de ser modinha no Brasil. Só que tinha umas coisas dele que não batiam bem.

– Quais?

– Ele defendia a família tradicional, mas teve outra família em São Gonçalo. Minha mãe diz que ele defendia tanto a família tradicional que tinha duas famílias. Quando veio a pandemia, umas coisas que ele falava não se sustentavam mais.

– Quais?

– Ele repetia tudo que o presidente falava. Que era uma gripezinha. Que não era pra usar máscara. Que bastava fazer o tratamento precoce com cloroquina e ivermectina. Meu pai organizava vários grupos de WhatsApp, e eu acreditava no início que ele estava certo. Até o dia da primeira manifestação, fomos todos sem máscara para Copacabana. Eu não tive nada, mas minha mãe, que não foi, teve um gripe forte, achei que ela iria morrer. Meu pai morreu de covid depois de uma semana. Morreu em casa, não tinha vaga no hospital. Morreu da maneira mais triste, asfixiado. Dali em diante, passei a rever diversas coisas na minha vida.

– Quais?

– Eu me arrependi muito de ter votado nesse presidente nas últimas eleições. Veja bem, aqui no Rio foram cinco governadores presos ou afastados por corrupção, estava todo mundo na força do ódio. Mas tio João disse umas coisas grupo da família depois da morte de meu pai que me deixaram pensativo.

– Fale sobre.

– A primeira coisa que Ternura disse é que o presidente matou meu pai por ter estimulado as pessoas a saírem sem máscara nas ruas. Que nosso voto custou caro ao país. Quando o tio Adamastor questionou que não tínhamos escolha porque o Brasil estava no buraco, tio João rebateu na hora: “precisava tapar o buraco com merda?”

– Faz sentido.

– Faz todo sentido. E tem também umas coisas minhas sobre tinha Mariene, sabe. Naquele Natal da confusão, tudo começou porque repreendi minha tia por causa de um beijo. Fiquei nervoso porque não aguento mais guardar isso dentro de mim. Essas coisas mexem muito comigo.

– Quais?

– Aqui é sigilo, né?

– Total.

– Faço parte de um grupo de brotheragem.

– O que é isso?

– É um grupo que faz carinho na amizade, no sigilo.

– Explique melhor.

– Quando a acaba o futebol na quadra, toda quarta de noite, a gente se reúne no banheiro do condomínio. A gente se ensaboa, e cada um toca uma para o amigo que está do lado direito. Depois, cada um pode escolher fazer outras coisas.

– Quais?

– Ah, veja bem, tem regras. É tudo na brotheragem, sem carinho, sem sentimento, só pra ajudar o amigo a se desafogar.

– O que pode e o que não pode?

– É mais fácil dizer o que não pode. Não pode beijar, não pode soltar nenhum gritinho, nem dizer que gostou. Não pode dizer nenhuma palavra de carinho. O resto pode tudo. O negócio é ter prazer e pronto.

– O importante é que te faça bem. Você se sente bem nessa situação?

– Depois que vi tia Mariene se beijando com outra mulher, na verdade não.

– Explique.

– Na brotheragem não pode beijar. Mas cada vez mais estou sentindo vontade, sabe?

– É natural.

– Meu pai sempre disse que isso era errado, sempre tive essa criação. Acho que foi essa minha revolta naquele Natal. Sempre me condenei, sempre segurei a onda, e quando vi minha tia beijando tão bonito, eu me questionei. Sinto vontade de beijar Rafael na hora da brotheragem, ele fica me olhando de um jeito…

– Olha, Afonso…

– Pode me chamar de Afonsinho.

– Afonsinho, não existe problema de um homem beijar outro homem. Fico na verdade bastante satisfeito em ver você revendo seus conceitos. Pense na possibilidade de fazer as pazes com sua família. O próximo Natal está chegando.

– Estou aliviado, me sinto leve por ter falado. Olha, vou fazer uma nova identidade visual pro seu consultório, não precisa pagar, beleza?

– Beleza, até a próxima consulta.

Bruno D’Almeida escreve textos para a coluna Fabuloso Cotidiano, as histórias de ficção de um mundo de verdade, no Mídia4P em parceria com a Carta Capital. Siga Bruno D’Almeida em seu canal no YouTube e no Instagram @dalmeidabruno. Para ler outros textos do autor,

Perdi minha família para a estupidez – capítulo 05

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