Paulo_Costa_LimaUma pesquisa imaginária com estudantes universitários brasileiros mostrou que a grande maioria entende relativamente bem a disputa ideológica entre o governo Obama  — por exemplo ao propor um sistema de saúde pública para todos, que lá ainda não existia!!! — e os representantes políticos dos mais ricos (os republicanos), que não queriam gastos dessa ordem, e argumentavam que a medida violava os direitos individuais tão caros à Constituição americana — no caso, direito de não ter saúde pública!!

O que daqui parece cristalino — guerra política e embromação ideológica —, lá assume proporções de grande batalha campal, e como sabemos, os republicanos fizeram maioria na Câmara dos Deputados. Portanto, ganharam uma importante batalha, a partir desses ‘nobres’ argumentos.

Talvez a dificuldade de percepção da clareza dessa disputa por parte dos próprios americanos possa ser atribuída ao contato diário com uma mídia extremamente eficaz em apagar as evidências gritantes de que tratava-se simplesmente de um cabo de guerra  entre os mais ricos e todos os demais, sobre os rumos a serem escolhidos pela sociedade.

Mas, claro, dá pra encabular: como é que se faz isso? É um tipo de mágica ou hipnotismo? Você conseguir convencer uma maioria de que os seus direitos de saúde não são tão relevantes assim!!?

Agora vamos transpor a situação para o Brasil. Existe alguma disputa política e ideológica em curso sobre maior distribuição de renda e melhor democracia, versus manter as coisas como estão, ou até mesmo voltar alguns passos atrás? Sobre os rumos que a sociedade deve seguir?

Seria a grande mídia brasileira diferente da americana? Se lá fazem o jogo dos mais ricos, mostrando como a informação se transformou em indústria, aqui seria diferente? A indústria da informação além de dar lucro precisa defender o sistema como um todo. Como imaginar que a nossa indústria da informação seria confiável para os mais pobres? A rede pública de emissoras se divide em interesses estaduais — não existe ainda uma rede publica federal que faça alguma diferença. O contraponto fica na mão das redes sociais.

Ora, quando perguntamos aos nossos universitários se percebem qual a questão ideológica que está em jogo no Brasil, uma grande parte mostra que, assim como os americanos, não consegue interpretar com clareza o que acontece. Não sabem direito quais as políticas que distribuem renda e poder e quais as que concentram. Não têm uma visão muito ampla do jogo político, do papel da mídia, e tendem a repetir bordões um tanto generalistas ou esfarrapados.

Independentemente do grande valor de tudo que vemos atualmente — a capacidade de se mobilizar e fazer diferença, a capacidade de uma participação renovada, a discussão política retomada — precisamos reconhecer alguns tipos de vulnerabilidade, geralmente associadas a segmentos distintos da juventude:

1) A primeira vulnerabilidade é geral, afeta todos os jovens. Todos os que têm menos de 30 anos, não tiveram a vivência dos embates travados na década de 90 — a luta para mudar o rumo do País diante de uma governança de cunho neo-liberal, que buscou implementar um estado cada vez menor, encolhendo o espaço público e ampliando o privado (entre tantas conseqüências, as universidades públicas federais quase morrem por asfixia, enquanto surgiam centenas de empresas privadas de educação). Dessa forma, fica enfraquecida a consciência de que os programas de transferência de renda, inclusão social e erradicação da pobreza, a garantia do emprego e elevação do salário mínimo, os programas de educação e moradia — que tudo isso foi o resultado de uma luta encarniçada, inclusive contra os bordões da grande mídia e o 'nervosismo dos mercados’. E que essa luta envolveu tanto a coragem de ter novos ideais como a difícil arte de sua implementação diante de um sistema político totalmente enviesado por décadas de autoritarismo e fisiologismo. Escolhas precisaram ser feitas.

2) Uma parte dos jovens que está na rua tem uma formação política aguçada e questiona justamente os pactos que foram realizados para implementar os projetos de governabilidade ora em curso. E isso é vulnerabilidade? Não, isso é força e energia de transformação, é capacidade de exigir mais, e capacidade de exercer a crítica diante do que vêem. A vulnerabilidade é a falta de experiência sobre o geralmente longo caminho entre a crítica (os ideais) e sua implementação. Ao longo do século XX, muitas vezes, a esquerda ultra-radical acabou ajudando a direita. Como não cair nessa armadilha? A narrativa do PT levou 20 anos para atingir o poder federal, e só atingiu quando resolveu adotar o mecanismo da coalizão (triste, mas real). Quais as perspectivas de um novo patamar de mudanças? O delicado da situação é que a energia de transformação não pode ser esterilizada pelos cálculos de realização possível — mas, em algum ponto do processo será necessário baixar a bola e fazer as melhores escolhas disponíveis. É autodestrutivo não perceber essa ancoragem no real da política e acabar botando lenha na fogueira de algum retrocesso. Nada mais estranho do que o discurso de uma velha amiga que encontrei depois de alguns anos: “Primeiro temos que voltar para a direita para depois chegarmos à esquerda que queremos”. Estranho!

3) Uma outra parte do contingente de jovens tem vinculações com os partidos de esquerda que lideram a atual narrativa política, e quando podem (nas eleições) se manifestam nessa direção. O tempo de permanência de um mesmo grupo no poder certamente cria uma série de resistências, e com toda a campanha midiática em curso, está mais difícil se expressar nessa direção — na última eleição vi grupos de militantes comemorando na zona sul do Rio, com todo o gás. Mas a vulnerabilidade nesse caso é ficar isolado dessa energia de transformação que atingiu as ruas (e que a grande mídia tenta de todas as formas interpretar como sendo anti-governo). Esse isolamento significaria que os partidos ‘históricos’ não seriam beneficiados pelo fluxo de transformação. Seria um desperdício diante do que já conseguiram realizar. Ora, se o modelo de partidos caducou, é preciso canalizar a energia desse segmento para o novo modelo.

4) Mas, de longe, a pior vulnerabilidade vem do segmento de jovens que absorveu de forma acrítica o discurso do incitamento e da alienação. São aqueles que acreditam piamente em ocupações públicas de natureza ‘apolítica’. São os que renegam a priori a participação de partidos, que não estão dispostos a conviver com idéias divergentes, mas nada reagem quando há uma proposta concreta de luta na direção de uma renovação de todo o sistema via plebiscito — simplesmente porque tal idéia partiu do atual governo. Esse é o grupo ideal para o jogo de embromação ideológica do qual falamos acima — pois não enxergam a dimensão histórica do que já foi conseguido.

Depois de 64, e daquela euforia louca de marcha pela família e propriedade, foram quase 30 sofridos anos de uma amarga deriva política, e só depois disso a busca por um caminho menos irracional para este País. O furor moral era muito parecido, tinha algo de conversão, de sintoma. Então, o que esperar desse investimento midiático, que agora já dura mais de uma década, de incitamento à raiva através de representações enganosas plantadas a cada dia, em cada entrevista e telejornal?

Mal afinados em uníssono desajeitado, esses veículos de comunicação ideológica fornecem a prova final de que sem reforma do campo das comunicações, sem diversidade de pensamento e investimento, não haverá democracia possível.

Artigo publicado originalmente em http://terramagazine.terra.com.br/blogdopaulocostalima/blog/2013/07/10/amanha-tem-mais-perguntem-aos-universitarios/