68 acabou em 69 por Geraldo Maia
O tsunami libertário
68 saiu da França para varrer a Europa, mas em muitos lugares o lixo foi
conservado. Faltaram vassouras ou garis? Aqui no lixão da ditadura foi ao
contrário: espalharam a merda do AI5 por todo lado. Foi choque-elétrico e pau de
arara no atacado, e no varejo censura e repressão.
Lembro que juntar três pessoas para papear numa esquina era atentar contra a
segurança nacional. Corria o risco de uma viatura baixar e levar de bolo para o
desaparecido, um carro te atropelar do meio do nada, alguém te jogar uma bomba
no colo, ou te empurrar para algum porão.
O poeta Geraldo
Gesteira estava sentado na balaustrada do viaduto São Raimundo. Parou um carro e
empurrou o cara. Ninguém viu a placa nem a cor do sujeito. O poeta Eugênio Lira
advogava a causa dos camponeses explorados. Como pagamento recebeu foi bala e
caiu no pó do esquecimento.
O poeta Haroldo
Nunes foi espalhar sonhos onde só havia coturnos curtos. Cortaram suas asas com
uma escopeta e tentaram sangrar o sonho com uma baioneta, mas sonhar transgride
a própria morte, e a morte de um poeta é luz que cala o idioma das trevas. E a
voz do poeta é o que esmaga o verme do medo.
Aqui 68 foi um 69 do
tesão com a tortura, da guerrilha com o garrote, da massa com os militares. Dez
anos depois em 79 os poetas foram ocupar as praças desertas com a poesia na
fala. Poetas na Praça em movimento libertário de vida rebelada em pleno
exercício de desafio e audácia. Mas não acabou aí.
A liberdade
desnudada em pleno 69 com a vida liberou geral em plena praça a coragem
massacrada dos Malês, o grito esquartejado dos Alfaiates, a revolução amputada
de Castro Alves, a glande angulagem de Glauber.
Maio 68 foi a partir
de 79, o Antonio Short, anjurbano em pleno acato do caso, foi Ametista Nunes,
jóia ferida que a poesia cura, foi Eduardo Teles, e sua poesia deusa em fecundo
silêncio, foi Gilberto Costa, cabeça nordeste de poieta
, foi Gilberto
Teixeira, poeta de aprendizado na tora.
E foi Zeca de
Magalhães, poeta de coração desembestado, foi Margarete Castanheiro, poetisa
cujo amor só quem ama agüenta, foi Dorí, poeta e anjo prematuro, foi o poeta
Douglas de Almeida, e sua biblioteca rediviva, foi Agenor Campos, e sua poesia
abelha, foi Jorge Conceição e sua poesia dança, foi Paulo Garcez, e sua poesia
em luz geminada, foi Edésio Lima, e sua poesia à vera.
Afinal foram
milhares de poetas e poetisas de todas as cores, cantos, bairros,
cidades,crenças, raças, sexos, credos, sonhos, partidos, feiras, luas, estradas,
que, para sempre, fundaram na praça da poesia um espaço itinerante de muito
amor, rebeldia e luta.
Geraldo Maia,
poeta, doutor honoris causa, co-fundador do Movimento Poetas na Praça em janeiro
de 1979 na Praça da Piedade, Salvador, Bahia, Brasil.