Anos de ouro no Central. Por Luiz Afonso Costa
Impossível resistir. Provocado pelo querido e beletrado amigo Jorginho Ramos, descarreguei parte da memória do Colégio Central, quando a mola da contracultura e da resistência à repressão distendeu-se em duplo disparo. Aí vai o texto:
No Colégio Estadual da Bahia, o Central, entre 1967 e 1969 descobri a militância política, a fraternidade democrática, a boemia (no Mercado Modelo original, queimado pouco depois, desfrutei batidas e lambretas no box do Fênix), entrei de cabeça na contracultura (Caetano lançava Alegria Alegria e eu circulava nas discotecas pedindo pra botar Satisfaction), filava aula pra ver matinê no cine Guarani, conversava com Juca Ferreira e Betica, Caminha, Joviano, Doris Serrano e tantos outros, encantei-me com Maiakovski, Evtuchenko e Sartre, sabotei a chapa adversária nas eleições para o Grêmio botando cedilha na inicial do nome dela – Central, dirigi a ala de criação “revolucionária” no galpão no fundo do Central e pratiquei tiro com badogue e bolas de gude tendo como alvo um PM esboçado na parede, havia sorrisos primaveris e promessas por toda parte antes que a ditadura fechasse a tampa do caixão em 69; empunhei em passeata na avenida Joana Angélica o mastro direito (sentido geográfico, por favor) de uma faixa cujos dizeres não esquecerei – “Estudante não dialoga com a ditadura”, ousei pedir para o desavisado balconista de uma loja de discos na Misericórdia que colocasse a vilipendiada “Pra não dizer que não falei de flores” ou Caminhando e cantando, como queiram, com os olhos ardendo de gás lacrimogêneo e o pau quebrando lá fora, saí em foto na primeira página d’A Tarde correndo (rss) das fantas dos milicos. Me apaixonei perdidamente por uma bela mulher (ela sabe, e acabou casando com outro) e não ousei declarar-me, mas saí de mãos dadas com ela depois de umas batidas de limão no Terreiro, em sequência às refregas com a polícia; declarei-me enfim a ela numa saveirada à lua cheia com o mote “quem ama não cai”, quando alguém me advertiu que eu cambaleava na borda (neste bordejo um companheiro se jogou nas águas e por pouco Yemanjá não o levou); fui retirado pela icônica Teresão (irmã de Bete Capinan) de uma reunião partidária barra pesada (onde se aplaudia estalando os dedos para não chamar a atenção) porque o partido não me considerava maduro (tinham razão e isso me salvou da barra pesada que pintou logo à frente – não festejo isso, apenas relato), enfim no Central minha mãe, duas décadas e tanto antes, também saiu na capa d’A Tarde como destaque no time de basquete e a tia-avó dela descobriu sua atividade clandestina), enfim o Central será sempre o Central para quem nele imergiu e para quem nele se formou, tantos que foram, confirmando que a Educação e a Cultura são os repertórios indispensáveis para sair do atraso, da ignorância e da monofasia partidária mentirosa. Que o digam a Coréia do Sul – e o Japão, onde o único cidadão dispensado de se curvar ante o Imperador é o professor. Que viva o exemplo do Central.

