Dilma solta o verbo Por Cynara Menezes e Sérgio Lírio
A
pré-candidata do PT fala sobre continuidade, drogas, o papel do Estado,
reforma
agrária e, por que não?, seu novo visual
Um
enorme painel da candidata ao lado de seu mentor, o presidente Lula,
punhos
cerrados no ar, emoldura o cenário da entrevista. Dilma Rousseff
posta-se bem à
frente da própria imagem. Desconfortável no início com perguntas
pessoais, ela
se solta aos poucos, enquanto defende as realizações do atual governo e
explica
o que pretende fazer se eleita. Basicamente, aprofundar o processo de
inclusão
social que, afirma, não se esgota em um ou dois mandatos.
Talvez
por
isso, ao se referir a uma eventual gestão sua, prefira a palavra
"pe¬ríodo". No
centro desse "período", promete, estará o compromisso de levar o País ao
clube
das nações desenvolvidas, com a erradicação da miséria, o foco na
educação e na
cultura. "Minha meta é levar nossa população à classe média, no
mínimo."
Dilma não é Lula. E uma discípula, uma aluna. Mas uma
aluna
aplicada, vê-se. Como nunca disputou eleição, a ex-ministra da Casa
Civil
replica o "mestre" ao usar o recurso de contar historinhas nas respostas
por
vezes pouco concisas. Também se percebe na candidata o cuidado de evitar
certas
polêmicas durante a campanha, o que não inclui fugir às perguntas sobre
seu
envolvimento na luta armada durante a ditadura. "Tenho muito orgulho de
ter
resistido do primeiro ao último dia."
Alvo de seguidas denúncias,
nunca
comprovadas, desde que Lula anunciou ser ela a sua candidata ao governo,
afirma
não acreditar que a imprensa brasileira seguirá o exemplo da venezuelana
e se
tornar cada vez mais hostil diante da possibilidade crescente de
permanência do
PT no poder. Por ser contraproducente. "De que adianta? Mais do que
somos
criticados, e daí?" Na entrevista, a pré-candidata disse ser contra a
descriminalização das drogas, defendeu a reconstrução do Estado e
repeliu os
estereótipos. "Nunca me senti uma pessoa infeliz. Não sou carente, sou
alegre."
CartaCapital: Neste ano, o Brasil pode escolher a
primeira
mulher presidente. Faz diferença?
Dilma Rousseff: Faz toda a
diferença,
porque tem uma história de poucos direitos para as mulheres. Até o
direito de
voto para as mulheres é muito recente no Brasil, menos de cem anos. E
ainda têm
grandes desigualdades, que vão desde – apesar de as mulheres terem maior
nível
de escolaridade – ganhar dois terços do salário dos homens até o fato de
existir
violência familiar contra a mulher. Outro dia aproximou-se de mim um
casal
jovem, o rapaz carregava um menino de uns 3 anos, e a mulher, uma moça
loira,
vinha com uma menina, de vestido com¬prido, bonitinha, cabelo
encaracolado.
Chamava Vitória. E a mãe falou assim: "Eu trouxe a Vitória para que você
diga a
ela que as mulheres podem, que mulher pode". Eu olhei pra Vitória e
perguntei:
‘mulher pode o quê?’ E ela: "ser presidente". Eu disse: ‘Vitória, mulher
pode
ser presidente. Porque isso faz parte do sonho que toda criança tem:
quero ser
pirata, toureiro. Mas também pode querer ser presidente e mulher nunca
quis. Uma
menina que quer é sinal dos tempos. E ela se chama Vitória, achei
simbólico’.
CC: Mas existe um modo feminino de governar?
DR:
Tem um modo feminino inegável na vida privada. Nós cuidamos,
providenciamos e
incentivamos. E interessante levar isso para a vida pública. Vou contar
outra
historinha. Foi uma senhora, de seus 50 anos, a um sindicato, muito
incomodada
com a oposição homem e mulher. E ela sintetizou o problema da seguinte
forma:
"Somos 52% da população, mas os outros 48% são nossos filhos. De maneira
que, se
formos presidentes, fica tudo em casa. Ou seja, damos conta de cuidar
das
mulheres e dos homens, até porque a nossa relação com os homens não é de
oposição. O olhar feminino não é excludente".
CC: Já foi, nos
primórdios do feminismo.
DR: Talvez no começo, porque, sempre que
se
afirma alguma coisa, torna a diferença muito forte. A mulher, para ter
consciência de que era discriminada, teve de fazer esse movimento. Mas
não
acredito que, hoje, esse seja um processo que crie diferenciação,
desigualdade.
Nenhuma política feminina é uma política anti-homem.
CC:
Curiosamente,
a senhora tem avançado menos no eleitorado feminino. Por que acha que
isso
acontece?
DR: Acho que tem razão o (cientista político) Marcos
Coimbra.
Ele fez uma avaliação correta: há o fato de a mulher não ter tanto
acesso à
informação quanto o homem. Muitas ainda não me conhecem. Quando se
separa o
universo das mulheres que me conhecem e as que conhecem o outro
candidato, eu
tenho mais aprovação do que ele.
CC: A senhora falou da menina
que
queria ser presidente, mas costuma dizer que este nunca foi um sonho
seu. Agora
que é candidata, acalenta algum projeto?
DR: Caminhar para que
este seja
um país desenvolvido. Foi o que o presidente Lula construiu e que a
gente pode
fazer.
CC: Se formos resumir, a marca do governo Lula é a
inclusão.
Qual seria a marca de um governo Dilma?
DR: Por que não pode ser a
da
inclusão também? Essa ânsia de novidade encobre uma questão seriíssima:
este
ainda é um país emergente, com um grau grande de desigualdade, e que
pode, a
partir de agora, porque acumulamos um conjunto de conquistas, trilhar o
caminho
do desenvolvimento. E isso não pode ser só com uma taxa de crescimento
do PIB
determinada, uma política de estabilidade macroeconômica. A minha meta é
erradicar a miséria, levar nossa população, os mais pobres, à classe
média, no
mínimo. Isso é um projeto de desenvolvimento, mas eu também tenho um
projeto de
Nação. Este país não transitará para uma economia desenvolvida se não
tivermos
educação de qualidade, estando no centro da educação o professor, que
tem de ter
salário digno. Quem fala em educação de qualidade e não fala do
professor está
jogando pérolas aos porcos. Todo mundo diz que temos um bônus
demográfico, que a
nossa população em idade ativa é maior do que a população dependente,
isto é,
crianças, jovens e idosos. Outro dia fui brincar que o conceito de idoso
estava
mais flexível, porque tenho 62 anos e não sou idosa, e a imprensa toda
deu que
eu mexeria na idade da aposentadoria, que mudaria a previdência.
CC:
E
não será necessário, em algum momento?
DR: Não tem reforma da
Previdência. Se você começar a fazer reforma da Previdência, acontece o
seguinte: a primeira que fizemos deu uma corrida para a aposentadoria.
Acaba
criando um efeito contrário ao que se pretende. Mas, voltando, também
vamos
discutir a nossa cultura, a política cultural ocupará um espaço cada vez
maior
nesse processo. Não podemos permitir que não existam salas de cinema na
periferia do Brasil, que o povo não tenha acesso a bibliotecas, à sua
própria
cultura.
CC: Em suma, vai ampliar o que foi feito durante o
governo
Lula?
DR: Não falo de só ampliar, não, falo de avançar. Se não
avançar,
não está continuando. O que o Lula construiu para o futuro? Um alicerce.
Saímos
de uma situação mais drástica, que foi a que nós recebemos do governo.
Vamos
relembrar bem: era uma situação de estagnação, desigualdade e
desemprego. Podem
falar o que quiser. Olhem estatísticas, meus filhos. E entramos numa era
de
prosperidade, que tem vários componentes: não é só inclusão, é
mobilidade
social, que significa que as pessoas podem subir na vida. É transformar
as
vantagens comparativas em competitivas, explorar as matrizes
energéticas, o
pré-sal, dar força à agricultura. Não somos aqueles países que têm
petróleo e
têm a maldição do petróleo, a pobreza no meio da abundância, o povo
pobre e a
riqueza do petróleo. Temos uma economia diversificada. Se a gente
apostar na
educação, vamos inovar também. Não se cria oportunidade no Brasil se não
inovar.
Se não formarmos engenheiros, físicos e matemáticos neste país, não
vamos
crescer adequadamente.
CC: A senhora promete erradicar a
miséria em
seu mandato. Mas o IPEA fala que erradicar a pobreza extrema só é
possível em
2016.
DR: Miserável é quem tem renda de até um quarto do salário
mínimo.
Pobre é até meio salário mínimo. Em 2003, tínhamos um total de 77,8
milhões de
pobres e passamos para 53 milhões no governo do presidente Lula. O
contingente
de miseráveis em 2003 era de 37,4 milhões e passou para 19,6 milhões.
(Vira- se
para o braço direito, Anderson Domeles: – Anderson, dá o meu papel. Já
fiz essa
conta. Prefiro o meu papel.) Então, a gente tem de buscar eliminar esses
19,6
milhões de miseráveis, mas acho que também temos de olhar os 24 milhões
de
pobres. Só não digo que será no meu período, nem estou dizendo que será
em 2014.
Mas, se você não colocar a meta clara e tornar isso um ponto político da
pauta,
passa batido. Erradicar a miséria está no centro da pauta do projeto de
continuidade com avanço do governo Lula.
CC: Mas qual vai ser o
caminho? A ampliação dos programas sociais ou o crescimento?
DR:
As duas
coisas. O aumento da renda em 70% se deve à formalização do trabalho. O
fato de
manter uma taxa de crescimento e torná-lo sistemático formaliza o
trabalho. Mas
quem ganha até um quarto de salário mínimo teve programas sociais de
dois tipos:
tem o de proteção da renda, que é o Bolsa Família, e tem programa social
com uma
certa perenidade. Exemplo, na área rural, onde se concentra um grande
número de
miseráveis, fizemos a política de agricultura familiar, multiplicamos
por cinco
o financiamento, criamos assistência técnica. E teve outro programa que
beneficiou a pobreza rural no Brasil, o Luz Para Todos. Não se eleva
socialmente
ninguém se não olhar para as condições que se pode ter para fazer renda.
E uma
delas, imprescindível, é energia elétrica. A grande política do meu
período é
manter essa política rural e chegar a uma questão fundamental: as
cidades. As
cidades no Brasil são o local das desigualdades. Nas cidades se
manifestou o que
há de mais perverso no Brasil, a retirada do Estado – aí vale para
município,
estado e governo federal – das periferias. Uma grande conquista deste
governo
também foi indicar caminhos. Pega o que está sendo feito no Rio, em
Manguinhos,
no Alemão, Pavão- Pavãozinho. É a volta do Estado.
CC: Ainda é
preciso
fazer uma reforma agrária de grande monta?
DR: Tivemos um
processo de
reforma agrária muito significativo, foram 500 mil hectares. Não é
trivial.
Ainda tem gente para ser assentada, mas política de assentamento não é
só
comprar terra. A forma como se fazia assentamento antes era colocar o
cara no
meio do nada. A agricultura familiar no Brasil deu certo porque tem um
suporte
no programa de aquisição de alimentos. Tem seguro, garantia à safra,
política de
preço mínimo. Demos um tecido econômico social, de apoio, à pequena
propriedade
no Brasil, que responde por 40% da riqueza que se gera no campo.
CC:
Mas se uma grande parte da miséria, como a senhora falou, está na zona
rural,
tem algum problema aí. Talvez tenha faltado reforma agrária.
DR:
Vou
repetir: não se resolve o problema do campo só dando terra. Tem de dar
condições
de produzir, sustentar a produção, apoio com assistência técnica,
comprar a
produção, garantir a comercialização, o acesso ao trator.
CC: A
senhora acha que, se o PT vencer as eleições, a mídia tende a se tornar
hostil,
como ocorre na Venezuela?
DR: A Venezuela não é nem sequer
parecida
conosco. Lá é uma economia de dois setores, portanto, uma sociedade que
tende a
refletir dois setores. De um lado, tem o petróleo e, do outro, o resto. E
só ver
a participação que tem a renda do petróleo na Venezuela, ver a história
da
Venezuela. E dinheiro que eles não sabem o que fazer com ele, ainda é
assim.
CC: Mas a imprensa brasileira, como a de lá, não tende a
se
tornar hostil a ama permanência a longo prazo do PT no poder?
DR:
De que
adianta? Qual a eficácia? Mais do que somos criticados, e daí? Qual a
nossa
aprovação? 76%…
CC: Como a senhora recebe essa acusação, que
deve se
intensificar durante a campanha, de ter sido "terrorista" ?
DR:
Tenho
dúvidas de que vai se intensificar uma coisa dessas, porque é
contraproducente.
A discussão sobre a resistência à ditadura é contraproducente para quem
não
resistiu. Sinto muito orgulho de ter resistido do primeiro ao último
dia, de ter
ajudado o País a transitar para a democracia e de não ter mudado de
lado. E
muito interessante a forma como eles entenderam a metáfora que o
presidente fez
com o (Nelson) Mandela. O que ele falou foi o seguinte: o Mandela,
talvez o
maior pacifista dos últimos tempos, foi uma pessoa que recorreu à luta
armada no
país dele, porque não tinha outra solução. Parodiando Tolstoi, que disse
que
todas as famílias felizes são iguais e todas as famílias infelizes são
infelizes
cada uma à sua maneira, todas as ditaduras são iguais e todas as
democracias são
cada uma à sua maneira. As ditaduras têm uma mania muito peculiar que as
caracteriza: excluir de forma violenta todos os que não pensam como
eles. O que
queríamos caracterizar naquele momento era a existência de uma violência
de
Estado que levou pessoas, nos mais variados locais, a tomar posições
firmes
diante da ditadura. Eu tomei.
CC: Por que a senhora apoiou a
decisão
do STF de não rever a Lei da Anistia?
DR: Eu sou a favor da
legalidade. O
Supremo decidiu e, até pelo que quero ser, não tenho a menor condição de
ficar
fazendo confronto com o Supremo.
CC: Discordar não é
confrontar.
DR: Para o papel a que me proponho assumir, é
sim.
CC: O que pedimos é uma opinião pessoal.
DR: Esta é
a
minha opinião pessoal. É ter consciência e maturidade para perceber que
uma
decisão do Supremo, num país como o Brasil, tem de ser respeitada. Como
Presidente da República, que é o que quero ser, seria desrespeito. A
partir do
momento que se decidiu, está decidido. A não ser que se queira criar
turbulência
e instabilidade. Eu não quero.
CC: Como a senhora pretende
lidar com o
toma-lá-dá-cá no Congresso?
DR: Como lidei, uai! Eu lidei com
esse
toma-lá-dá-cá, ou não?
CC: Mas, e diante de um episódio como o
do
mensalão? Todo mundo fala que. não fosse por sua habilidade, o
presidente Lula
não teria se mantido no cargo quando se chegou a falar até em
impeachment.
..
DR: A habilidade do presidente consistiu em ir para os
movimentos
sociais e deixar claro que impeachment não seria uma coisa adequada à
democracia
no Brasil. O presidente não fez nenhum toma-lá-dá-cá nessa
questão.
CC: Mas é preciso negociar com o Congresso o tempo
inteiro.
DR: Não concordo que a relação que tivemos ao longo
desse tempo
com o Congresso foi de toma-lá-dá-cá. Foi uma relação de negociar,
porque tem
oposição. O governo é a arte de negociar, não há nenhum mal em
dialogar.
CC: Há uma crítica recorrente de que o Estado
brasileiro tem
cargos comissionados demais e isso serve para comprar apoio político.
DR:
O Estado brasileiro ainda é um pouco desequilibrado. Herdamos um Estado
que
fazia corte linear, doa a quem doer. A manifestação maior desse modelo é
o que
encontrei nas Minas e Energia. Um engenheiro na ativa para 20
motoristas, em um
ministério que cuidava de petróleo, de gás, biocombustível, energia
elétrica…
Não se pode ter uma visão simplificada do que se quer de um Estado. Eu
quero um
Estado meritocrático e profissional. Hoje, ele ainda está descompensado,
começamos a remontar no governo Lula e vamos continuar. A questão das
indicações
políticas existe nos Estados Unidos, na França, na Alemanha, em todas as
democracias. Essa conversa de aparelhamento do PT… Vamos lembrar o que
houve
em outros governos. Como se fosse só o PT a fazer nomeação
política.
CC: O PT faz porque todos fazem, é isso?
DR:
Não vou
fazer tabula rasa disso. Pode ter, sim, nomeação política, o que não
pode é não
ter critérios técnicos. Posso receber uma nomeação política de um
partido da
minha base, ele vai me dar um nome, e nós vamos olhar.
CC: Não
é o
contrário? Olha-se o que tem para encaixar o apadrinhado?
DR:
Não,
normalmente indicam nomes com a ficha toda da pessoa. Essa conversa do
aparelhamento do Estado é preconceito. Tentam estigmatizar, é uma coisa
muito
velha, lacerdista, de república de sindicalistas.
CC: Para
alguns
desenvolvimentistas , o Brasil está num processo de desindustrialização,
por
causa do câmbio. A senhora concorda?
DR: Não há nada que a gente
não
possa compensar com duas coisas: política industrial e financiamento.
Mas acho
importante que a taxa de juro real do País caia e convirja para as
internacionais. Caminhamos celeremente para isso na próxima década. Se o
Brasil
mantiver uma taxa de crescimento de 5,5% ao ano, vamos ter uma redução
do
endividamento e aumento do PIB. E aí não há a menor possibilidade de não
ter
redução da taxa de juro real. O que não dá é achar que se faz isso por
decreto.
CC: O Banco Central no seu governo será uma Santa Sé,
como
comparou José Serra?
DR: Acho inapropriada a comparação, é o tipo
da
problemática que não constrói nada. Não tenho o que falar a
respeito.
CC: A senhora tem falado do combate ao crack, mas as
políticas antidrogas têm fracassado. Sob que ótica se daria esse
combate?
DR: O primeiro mecanismo é a prevenção. Não se combate
droga sem
repressão, tem de levantar a rota e combatê-la, mas só isso não adianta,
está
para lá de provado. Tem de fazer a prevenção e o apoio, e o apoio é
complicado
porque tem de apostar que tira o cara do crack depois que ele entrou. Há
várias
discussões a respeito, há casos que a pessoa saiu, mas não é fácil, não é
igual
às outras drogas. É altamente viciante e mata em seis meses. Não é algo,
inclusive, que tenha tradição mundial, há dificuldade de fazer.
CC:
O
que a senhora acha da descriminalização das drogas, de maneira geral?
DR:
Hoje não concordo. Não vou dizer que, numa crise de droga da proporção
do crack
no Brasil, caiba esse tipo de discussão agora. Não temos estrutura para
isso e
não temos como discriminar o que pode e o que não pode.
CC: A
senhora
foi muitos anos do PDT. Seu grande ídolo político é Leonel Brizola?
Existe
alguma idéia brizolista que poderá ser aplicada em seu governo?
DR:
Admirei muito o Brizola. Tinha características muito importantes, uma
grande
noção de soberania. O compromisso com a educação conflui com o que a
gente tem.
A escola em tempo integral não basta mais, é pouco, o País mudou, mas a
gente
tem de reconhecer que ele deu uma grande contribuição. O Brizola pensou
na
educação em 1962, e o Miguel Arraes na eletrificação rural, na mesma
época.
Enxergaram problemas que no Brasil não se enxergava. Quando se olha para
trás, a
política de Arraes e de Brizola nos estados deles foi excepcional.
CC:
O Chico Buarque, outro dia, disse que votaria na senhora por causa do
Lula, mas
que não via grandes diferenças entre um governo seu e um de José Serra. O
que a
senhora diria para o Chico?
DR: Talvez ele não me conheça
(risos). Aliás,
por culpa minha, eu é que tinha de procurá-lo. Até devo a ele um
telefonema, não
pude ir à casa dele no dia em que dona Maria Amélia, sua mãe, morreu. O
presidente Lula foi e não pude acompanhá-lo. Mas pretendo procurar o
Chico e
agradecer pela opção.
CC: A senhora não pareça ter sido muito
vaidosa
no passado e agora ganhou um upgrade no visual. Está gostando?
DR:
Ah, a
gente sempre curte, sempre é bom. Mas é um cabelo mais simples, né?
(Alisa o
cabelo, mais curto, mais claro e sem um fio fora de lugar.) E mais fácil
de
arrumar do que o seu. Mas eu gosto, não acho ruim, não.
CC:
Acha que
vão surgir muitos pretendentes. .. presidente e de visual novo?
DR:
É o
tipo da coisa que não dá tempo nem de a gente pensar, nessa função.
Agora, não
sou contra, não, viu? As pessoas namorarem, coisas assim. Acho
bom.
CC: Se a senhora fosse se comparar a uma mulher
governante,
estaria mais para Michelle Bachelet ou para Margaret Thatcher?
DR:
Ah,
Bachelet, sem dúvida, óbvio. Não tenho a posição conservadora da
Thatcher.
CC: Mas a pintam como dama-de-ferro, não?
DR:
É um
estereótipo. Toda mulher é dama-de-ferro? Nunca vi um senhor-de-ferro,
você já
viu algum?
CC: Qual é, hoje, o maior entrave para o Estado
brasileiro
conseguir ser eficaz nos investimentos?
DR: Ainda tem muita
burocracia
herdada do período em que a ordem era não gastar. Houve um processo
muito
difícil de gestão da coisa pública e se criou uma série de entraves ao
investimento. É fundamental reconstruir o planejamento, a capacidade de
fazer
projeto. O Estado pode demandar projetos.
CC: A senhora acha
que as
entidades fiscalizadoras, como o Tribunal de Contas da União (TCU), agem
com
excesso de zelo?
DR: Tive uma experiência muito boa com o TCU,
que,
inclusive, reconhece que o PAC tinha menos problemas do que qualquer
outro
programa do governo, pelo nível de acompanhamento direto nosso. Não acho
que a
questão de fundo seja essa. O que há é uma discrepância entre a
qualidade da
estrutura que fiscaliza, que se manteve ao longo dos anos intacta, que
teve
profissionalismo, que tem engenheiro ganhando a partir de 12 mil, e a
estrutura
que executa, onde o inicial é 4 mil ou 5 mil reais. Essa discrepância
vai ter de
ser alterada, tem de fazer plano de cargos e salários. Não pode ficar
perdendo
seus melhores quadros, senão não se consegue elaborar, olhar o futuro. E
ninguém
resolve isso no horizonte de um governo. Vamos ter de resolver a
meritocracia no
Estado brasileiro no horizonte de uma década. Levaram 20 anos
desmontando, não
se constrói de um dia para o outro.
CC: Privatizar é um tema
banido no
PT ou ainda existe algo privatizável?
DR: Privatizar patrimônio
público,
banco, estatal do nível da Petrobras e da Eletrobrás, é absolutamente
absurdo e
a vida nos deu razão. A crise mundial recente nos deu muita razão. Sem
essas
empresas não teríamos nos saído tão bem. A Caixa Econômica mudou, o
Banco do
Brasil mudou. O BNDES era uma central para fazer projetos para
privatizar
empresas brasileiras. Hoje faz projetos para expandir empresas
brasileiras, é
diferente.
CC: A senhora parece aquele tipo de mulher que as
durezas
da vida fizeram revestir-se de uma armadura. E difícil ter de se livrar
dela
agora, em campanha, ficar. como se diz, mais soft?
DR: Isso é um
baita
estereótipo. Quem não criou, depois de 60 anos de vida, vários
mecanismos de
defesa? Me mostre um bicho sem nenhuma carapaça que sobreviveu. Somos
todos
fundamentalmente muito parecidos. Nos defendemos, nos desmontamos, nos
abrimos
para as pessoas. Depende da circunstância. Não posso ficar chorando o
dia
inteiro sendo ministra-chefe da Casa Civil, me comovendo às lagrimas.
Agora, se
eu vir um filme comovente. choro. Como ministra, não podia ficar na
emoção
sistemática, porque ou eu segurava o touro a unha ou o touro picava a
mula. O
pessoal vende umas histórias esquisitíssimas. Talvez a suposição seja
que sou um
E.T. A verdade é que tive uma vida muito boa, tirando a prisão na época
da
ditadura. Casei, tive filho, vivi bem com meu marido, sou amiga do meu
ex-marido, ele é que nem meu parente. Nunca me senti uma pessoa infeliz,
não sou
carente, sou alegre. Gosto de viver.
Entrevista
publicada originalmente em www.cartacapital.com.br