Dos porões do Dops para a Presidência Por Rui Martins
Extraordinária revanche que, ao mesmo tempo, reforça o
conceito de ser preciso lutar, mesmo quando se é minoria e parece ser perdida a
causa. Qual dos carrascos e dos militares do Golpe de 64 poderia imaginar,
naqueles passados fim dos anos 60, que uma das jovens recolhidas a uma das
celas do Dops seria eleita, mais de 40 anos depois, presidenta do Brasil ?
Diante de situações como essa, se fortalece a convição da
necessidade de se lutar mesmo quando tudo parece ser contra nós e quando se é
uma reduzida minoria. Graças ao meu amigo e colega Alípio Freire, imponente e
carismática figura, visitei, durante minha viagem a São Paulo, dois lugares que
me religaram à época da luta contra a ditadura militar – os arquivos onde estão
guardados os documentos relacionados com os perseguidos, presos, torturados e
mesmo assassinados no Dops, depois chamado de Deops, mas sempre um instrumento
cruel da repressão. E a seguir, na praça General Osório, junto à antiga Estação
da Luz, os lugares onde funcionavam parte dos mecanismos da repressão, hoje
transformados no Memorial da Resistência.
Cubículos onde se acumulavam os jovens resistentes à
ditadura, onde eram torturados, recebiam verdadeiras lavagens de porcos como
refeições e apodreciam sem direito à luz solar, coisa permitida reduzidas vezes
e apenas por restritos minutos. Coincidentemente, ali estavam no começo de
outubro, data de minha visita, numerosos cinegrafistas dos diversos canais da
televisão brasileira.
E por que ? Para mandarem ao ar, logo após confirmada a
vitória de Dilma Rousseff, documentos filmados da cela onde esteve presa,
quando militante contra a ditadura militar brasileira. A vitória não saiu, como
se esperava, no primeiro turno, e tudo vai ser levado à televisão brasileira
neste domingo do segundo turno.
Não faltarão, sem dúvida, as informações truncadas, pelas
quais ouvi um jovem me dizer, ter sido Dilma assaltante de bancos, mas tinha
recebido informação incompleta, pois não lhe tinham explicado ser essa a
maneira, na época, de se atacar o sistema militar e obter fundos para manter a
resistência aos ditadores.
Estranho país esse meu Brasil, onde por guerrinhas
políticas se procura denegrir a imagem de seus heróis do passado. Os covardes
de ontem, que compuseram, colaboraram ou se aproveitaram da ditadura tentam
agora minimizar o valor de todos quantos expuseram suas vidas em luta pela
liberdade e pela democracia dos dias de hoje.
Dilma Rousseff não é apenas a primeira mulher brasileira
eleita presidenta (e isso já é estraordinário num país tido como de machistas),
é mais que isso, é uma das lutadoras naqueles escuros anos de chumbo. Anos em
que, militares teleguiados pelos EUA destruíram a cultura construída nas nossas
universidades, a pretexto de evitar o marxismo, mas na verdade para manter a
desigualdade social e a semi-escravidão de grande parte da população, da qual
só agora vamos saindo.
Dilma foi uma resistente, vinda das hostes de um outro
herói, Leonel Brizola. Sua eleição é o coroamento do longo caminho das batalhas
sociais em favor do povo e da liberdade, que são por uma melhor repartição do
pão e por uma melhor remuneração do trabalho da maioria da população.
Depois de quase quinhentos anos de um Brasil governado
sempre pelas mesmas famílias, pelas mesmas oligarquias, houve a ascenção de um
filho do povo. A Casa Grande perdeu para os habitantes da Senzala e um Brasil
mais justo vai surgindo, mesmo diante de numerosas tentativas para se devolver
o poder aos seus antigos detentores. Oito anos, tantas vezes conturbados pelas
dificuldades de se governar com um Parlamento viciado na corrupção, é um tempo
curto demais para se contrapor aos quase 500 da elite branca e rica brasileira,
disposta tantas vezes a vender e a ceder nossas riquezas em troca de vantagens
pessoais.
Dilma Rousseff, a corajosa mulher dos anos 60, que viveu
três anos nas escuras celas do Dops, por afrontar os militares – nisso
sobrepujando tantos homens, dispostos por covardia a se submeter aos fardados –
é hoje a garantia de um novo governo em favor do povo e não em favor dos ricos
e suas oligarquias.
O Brasil é exemplo de democracia na América Latina,
mostra um enorme avanço tecnológico ao ser capaz de apurar rapidamente as
eleições que, nos EUA, demoram um mês em meio a trapaças de toda espécie.
A derrota de Serra sela o fim de um época. Por um bom
tempo, poderemos ter a certeza da manutenção dos verdadeiros representantes do
povo no poder, mesmo sob a pressão do cartel da imprensa da direita, que
confunde liberdade de expressão com manipulação e engôdo do povo com seus telejornais
supérfluos, suas telenovelas modificadoras da nossa cultura e com sua máquina
de informação implantada por todo o país sem contrapartida, numa verdadeira
ditadura latente e invisível mas eficaz.
Dilma, a resistente de ontem é a nossa presidenta de hoje,
numa extraordinária revanche aos golpistas, torturadores e assassinos do
passado, ainda saudosos dos anos em que enterraram aqueles anos ricos em
cultura e manifestação popular. Os tempos mudaram, graças aos resistentes, o
Brasil se transformou, graças aos anos Lula numa potência mundial, que Dilma,
representante das mulheres brasileiras, tantas vezes oprimidas e obrigadas a
ficar na cozinha, vai continuar.
PS. Graças
aos arquivos do tempo da ditadura, pude também me reencontrar, naqueles idos de
1967-68, ao lado de Mario Martins, no Teatro Paramout, secretariando o Encontro
com a Liberdade, ao lado dos resistentes da época. A história de um país não se
faz num dia, ela é o resultado de anos de lutas e, no caso do Brasil, a
satisfação dos dias de hoje é saber que a Casa Grande está sendo transformada
em Casa do Povo.
PS-2. A partir de amanhã e até o dia 9, os
emigrantes poderão eleger seus representantes num Conselho junto ao Itamaraty,
apenas figurativo, mas que poderá ser um trampolim a uma Secretaria de Estado
dos Emigrantes. Na América do Norte, são candidatos apoiados pelos Estado do
Emigrante, Josivaldo Rodrigues e Veronique Ballot; na América do Sul,
Fernanda Balli; na Ásia/África Alberto Ésper e, na Europa, Rui Martins. Para
votar ir ao site www.brasileirosnomundo.mre.gov.br
, onde estão todas as informações.
Rui Martins,
correspondente em Genebra, líder emigrante, jornalista e
escritor.
Artigo publicado originalmente em: http://correiodobrasil.com.br