A eterna busca do liberal-de-verdade. Por Gregorio Duvivier
De todas as reações envolvendo as exposições “profanas”, duas coisas me deixaram muito espantado. A primeira é que as pessoas ainda se importam com o que acontece dentro do museu.
Isso só pode ser um sintoma de que o governo Temer tá fazendo o Brasil decolar. “Nosso IDH pode ser baixíssimo, mas aqui a gente para tudo pra discutir performance.”
A segunda coisa é que o Brasil não tem nenhum liberal-de-verdade. Detesto a ideia de um Estado autoritário saber o que é bom pra mim, o que eu tenho que ler, ouvir ou fumar. Ou seja: me identifico com os liberais-de-verdade. O problema é que nunca conheci nenhum.
Em São Paulo, o prefeito-liberal-de-verdade fez um vídeo contra o que chama de “arte libidinosa” –referindo-se à performance do artista nu que permite que suas articulações sejam manipuladas. Caberia explicar ao prefeito que não havia libido nenhuma ali, e que afinal a libido está nos olhos de quem vê. E que, sendo assim, me assusta que o prefeito veja libido na figura de um homem de pau mole que permite ser manipulado. Talvez venha daí sua simpatia pelo Michel Temer.
Mas justiça seja feita: libido tem em toda parte. Inclusive nas obras do Romero Britto, pra usar um artista que o prefeito conhece. Vale lembrar que as flores são conhecidas metáforas para a pepeca, e até nos corações que o artista põe sobre as bochechas, há quem veja uma bunda pro alto, ou dois testículos de cabeça pra baixo. Vamos mudar de artista: as obras da mulher do prefeito também podem ser consideradas fálicas, a começar pelo fato de serem feitas de madeira (vulgo: pau) e na cor vermelha, não por acaso cor da glande, e dos pequenos lábios, e do PT, e da ciclofaixa. Daí a censurá-las, prefeito, é um longo caminho.
No Rio, os liberais não queriam votar num socialista, porque afinal são contra um Estado interventor, e preferiram votar num pastor da Igreja Universal que, surpresa!, revelou-se a favor de um Estado interventor. Vetou o recebimento de qualquer exposição de “arte profana” em território carioca, cortou investimentos do Carnaval e aproveita qualquer solenidade pra cantar música gospel.
No entanto, verdade seja dita: quem achava que o bispo ia distribuir cargos entre pastores da Universal se enganou. Crivella distribuiu cargos pra bispos de várias congregações. Um dos secretários, também pastor, fez cruzada contra piercings e tatuagens no gabinete.
E o liberal-de-verdade? Arqueólogos seguem cavando, em busca de alguma ossada.
Artigo publicado originalmente na FSP – 09.10.2017