Aldeia Nagô
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Haiti: teste para a Humanidade por Leonardo Boff

3 - 5 minutos de leituraModo Leitura

O desastre que se abateu sobre o Haiti, arrasando Porto Príncipe e matando milhares de pessoas e privando o povo das estruturas mínimas para a sobrevivência, representa um teste para a humanidade. Segundo os prognósticos dos que acompanham sistematicamente o estado da Terra, não demorará muito e seremos confrontados com vários Haitis, com milhões e milhões de refugiados climáticos, provocados por eventos extremos que poderão ocasionar uma verdadeira devastação ecológica e dizimar incontáveis vidas humanas. O Haiti pode ser um sinal do anjo exterminador que passa, sinistro, ceifando vidas.


É neste
contexto que duas virtudes, ligadas à essência do humano deverão ganhar especial
relevância: a hospitalidade e a solidariedade.

A
hospitalidade, já o viu  o filósofo Kant, é um direito e um dever de
todos, pois todos somos habitantes, melhor, filhos e filhas da mesma Terra.
Temos o direito de circular por ela, de receber e de oferecer  hospitalidade.
Estarão as nações dispostas a atender a este direito básico àquelas multidões
que já não poderão viver em suas regiões superaquecidas, sem água e sem
colheitas? O instinto de sobrevivência não respeita os limites dos
estados-nações. Os bárbaros de outrora derrubaram impérios e os novos
"bárbaros"de hoje não farão outra coisa, caso não sejam exterminados pelos
ecofacistas que usurparam a Terra para si. Paro por aqui porque os cenários
prováveis e não impossíveis são dantescos.

A segunda virtude é a
solidariedade. Ela é inerente à essência social do ser humano. Já os
clássicos do estudo da solidariedade como Renouvier, Durkheim, Bourgeois e Sorel
enfatizaram o fato de que uma sociedade não existe sem a solidariedade de uns
para com os outros. Ela supõe uma consciência coletiva  e o sentimento de
pertença entre todos. Todos aceitam naturalmente viver juntos para juntos
realizarem a política que é a busca comum do bem comum.

Devemos submeter
à crítica o conceito da modernidade que parte da absoluta autonomia do sujeito
na solidão de sua liberdade. Diz-se: cada um deve fazer o seu sem precisar dos
outros. Para os seres humanos assim solitários poderem viver juntos precisam, de
fato, de um contrato social, excogitado por Rousseau, Locke e Kant. Mas esse
individualismo é ilusório e falso. Há que se reconhecer o fato real e
irrenunciável de que o ser humano é sempre um ser de relação,
um-ser-com-os-outros, sempre enredado numa trama de conexões de toda ordem.
Nunca está só. O contrato social não funda a sociedade mas apenas a ordena
juridicamente.

Ademais, a solidariedade possui um transfundo cosmológico.
Todos os seres, desde os topquarks e especialmente os organismos vivos são seres
de relação e ninguém vive fora da rede de inter-retro-conexões. Por isso, todos
os seres são reciprocamente solidários. Um ajuda o outro a sobreviver – é o
sentido da biodiversidade – e não necessariamente são vítimas da seleção
natural. Ao nivel humano, ao invés da seleção natural, por causa da
solidariedade, interpomos o cuidado, especialmente para com mais vulneráveis.
Assim não sucumbem aos interesses excludentes de grupos ou de um tipo de cultura
feroz que coloca a ambição acima da vida e da dignidade.

Chegamos a um
ponto da história no qual todos nos descobrimos entrelaçados na única
geosociedade. Sem a solidariedade de todos com todos e também com a Mãe Terra
não haverá futuro para ninguém. As desgraças de um povo são nossas desgraças,
suas lágrimas são nossas lágrimas, seus avanços são nossos avanços. Seus sonhos
são nossos sonhos.
 
Bem dizia Che Gevara:"A solidariedade é a ternura dos
povos". Essa ternura temos que exercer para com nossos irmãos e irmãs do Haiti
que estão agonizando.

Leonardo Boff é
autor de Hospitalidade: direito e dever de todos, Vozes
(2005).

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