Angelo Roberto se desatrelou. Por Gil Vicente Tavares
Eu era moleque. Fã de Gilberto Gil, assistia a uma entrevista dele e, em determinado momento, perguntaram a ele sobre a morte de Pedro, seu filho. Ele respondeu com a palavra resignação. Fui ao dicionário. Naquela época, “eu era feliz e ninguém estava morto”.
Meus avós, meus pais, minhas tias, meus amigos, a experiência da morte ainda não tinha chegado pra mim, e me coloquei no lugar de meu xará e de sua sabedoria em atravessar aquela sensação de perda.
Ontem, senti falta de Katia Alexandria, minha mãe. Ouvia uma música linda e me fez falta poder mostrá-la a canção e imaginar seus pés balançando, sinalizando que sua emoção havia sido acionada e que, em seguida, ela começaria a coçar a cabeça e chorar. É assim que ela me faz falta, em seus momentos de extrema sensibilidade imbatíveis.
Desde meados de janeiro, sempre, sou tomado pelas datas consecutivas de aniversário de meu pai e minha mãe. 25 e 28 de janeiro. Impossível não lembrar. Alto verão, período de festas, datas marcantes e indeléveis pra mim. Vinha pensando se falaria alguma coisa sobre o aniversário de minha mãe, hoje, e pensei em dedicar poesia, música, fazer textão, escrever artigo, e, de repente, recebo um whatsapp de Iana Landim. A filha de Angelo Roberto anunciando sua ida. Logo ele, que nos últimos meses, entre sumidas e aparecidas, havia me dado a grande honra de pensar uma exposição sua. Logo ele, que me ensinou a desenhar. Logo ele, para quem meu pai fez uma de suas odes brasileiras.
Logo ele, mestre do bico de pena, desenhista incrível, homem divertidíssimo, e logo no dia do primeiro aniversário em que não vejo e nem ouço a voz de minha mãe. Sentir, eu sinto. Vou sempre sentir. Seu brilho, seu calor, sua luz.
Talvez a vida seja isso, mesmo. Somos cavalos atrelados aos nossos preconceitos, ao nosso cotidiano, às nossas frustrações, aos problemas, felicidades passageiras, dores e amores, festas e fantasias.
Uma hora, o cavalo se solta. Se desamarra. E vai em busca do sol, até virar sol ele mesmo.
Angelo Roberto se desatrelou e foi ser sol, ser luz, ser estrela, brilhar lá de cima, provavelmente indo ao encontro da outra estrela que cumpriu, pela primeira vez, seu ciclo, seu giro, neste 28 de janeiro, sem as cordas dessa vida.