Aldeia Nagô
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Mabaços por zuggi almeida

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura
Zuggi_Almeida

Elias sempre foi mais apressado chegando ao mundo com dois minutos de antecedência de Daniel. Fez um esporro danado durante o corte do cordão umbilical. Elias tinha um choro diferente.

Daniel,o irmão demorou mais para nascer e exigiu paciência e técnica dos médicos para chorar um pouco mais tarde e respirar no mundo exterior. 
Cresceram aos cuidados de seu Eliezer e dona Candinha, pais zelosos do bairro do Nordeste de Amaralina, que preferiam ir ao cultos do Salão das Testumanhas de Jeová em substituição ao banho de mar, aos domingos. Os irmãos cumpriam a regra familiar.

Aos 12 anos, Daniel andava viajando por livros, cadernos de desenhos enquanto Elias já estava matriculado na escola da vida. Amavam-se, mas eram diferentes. Elias, o fiel escudeiro do irmão na defesa contra o bullying praticado pelos colegas contra Daniel, a ponto de levar o fervoroso pai até a sala de um delegado de polícia.Elias havia quebrado a boca e dentes de um garoto que atacou seu irmão na volta da escola, tomando-lhe o tênis. Essa seria a primeira das inúmeras vezes que seu Eliezer e dona Candinha iriam se haver com a justiça por conta das estrepulias do filho desatinado.

Aos 16, Daniel concluira o ensino médio, integrava um grupo de dança amador na comunidade e alimentava o sonho de estudar no exterior. Por outro lado, Elias sinalizava a ostentação financeira calçando tênis importados, usufruindo de um iPhone última geração e portando uma pistola Glock reluzente na cintura.
O patrão do tráfico quando botou o olho em Elias percebeu as qualidades do rapaz para o gerenciamento das atividades na Baixinha, o moloque foi criado lá, era notório por conta de três desafetos que já tinha derrubado. Perfeito. 
Ali, Elias era o representante do patrão.

Quando Daniel voltando de um ensaio foi pêgo e jogado no fundo do carro cinza, a morte beirou o rapaz pela primeira vez. No meio do campo deserto, quando o porta-malas foi aberto, a lanterna iluminou o rosto de um Daniel desesperado, Elias salvou o irmão por uma característica.

Em certa perseguição policial, Elias jogou-se de cima de uma laje sobre um monte de vergalhões de uma obra, ficou espetado pelo ombro, foi capturado e preso. A cicatriz diferenciava um irmão do outro, isso fez um dos atiradores avisar:

Peraí, rapaziada ! Segura o dedo. Não é esse mabaço, não. A gente quer é o outro.Daniel ficou ali no êrmo tremendo e chorando até conseguir recuperar as forças e voltar andando pra casa.

Quando numa das raras vezes que aparecia para visitar a mãe, Elias anunciou o nascimento do primero filho. Casou-se com Semirâmis, uma garota que conheceu quando frequentava os cultos evangélicos e demonstrou ser uma perfeita e fiel companheira do lar. Ele sempre estava nas orações de Semirâmis pedindo proteção para o marido quando este saia para trabalhar.

Nessa ocasião, dona Candinha falou para Elias que o sonho maior do irmão estava para ser concretizado. Daniel recebeu uma bolsa de estudos para fazer dança numa instituição americana. O incentivo cultural incluía passagens aéreas e moradia. Os custos de manutenção por um ano ficaria por conta do estudante.
No dia seguinte, um motoqueiro entregou nas mãos de dona Candinha uma mochila. O volume assegurava por seis meses a estadia com determinado conforto para Daniel, numa hospedagem no Harlem.

Aos 19 anos, Daniel iniciava uma nova etapa na sua vida estudando no exterior. Elias tinha sido promovido ao Ás do Baralho do Crime, na Bahia.
A trajetória de Daniel, no início foi árdua por conta dos conhecimentos limitados da língua inglesa. Porém, a vontade de vencer e apostar numa única oportunidade supera todo e qualquer obstáculo que a vida possa impor. 
De repente, Daniel está num estúdio de dança só visto quando assistia na TV “ Eu, a Patroa e As Crianças “ ou nos filmes de Madonna e Beyoncé. A Broadway não estava tão longe dali. Daniel fazia aulas de street jazz durante o dia e a noite trabalhava no Tropicana, um bar de brasileiros , na Little Brazil.

As remessas semestrais para Daniel chegavam cada vez mais generosas, no início, o que foi a tábua da salvação com o passar do tempo tornou-se objeto de angústia e remorsos para si.
Ele sabia a origem daquele dinheiro de sangue e quantas mortes tinha custado. Tomou uma decisão de viver por conta dos próprios ganhos e deixar depositado no banco a ajuda do irmão.

Com 22 anos,Elias tornou-se o pai do segundo filho. Isaac foi um bebê com gestação de risco que nasceu com parelesia cerebral. Um choque para Elias e uma depressão pós-parto para Semirâmis. A vida é um croupier dando as cartas aleatoriamente, certas vezes cai nas mãos um naipe imbátivel em outras ocasiões nos levam quase todas as fichas. Elias não tinha como blefar, Issac era uma realidade dura e tinha que ser enfrentada.

Exames complementares concluiram a condição de vegetativo para o pequeno ser. Eliasl estava dividido entre o tráfico e o filho. Resoluto decidiu chamar os parceiros e comunicar que estava passando a adminstração dos negócios para Beto de Nicolau, seu homem de confiança. No entanto, continuaria acompanhando mesmo à distância todo o movimento. Acertaram retiradas semanais sobre o faturamento e Elias foi cuidar da sua prole.

Após 13 anos , num domingo estavam sentados no banco do templo seu Eliezer, dona Candinha, Semirâmis, Daniel e os filhos.

“ Mais tarde, frustrados os iniciais planos divinos de uma sociedade ordeira e progressista, novamente uma família é tomada como modelo de comportamento para a reconstrução dos valores sociais e a reorganização do projeto de se fazer uma humanidade menos comprometida com o pecado. Noé, sua esposa, os filhos Sem, Cão e Jafé e as noras entram na arca do futuro em busca de novos tempos para a humanidade (Gn 7.1-16). “

Assim, com essa parábola, o pastor Egídio saudava a volta do irmão Elias ao seio da congregação e usando como exemplo demonstrava que nunca é tarde para retornar aos braços de Deus. Issac repousa inerte nos braços de Semirâmis. Toda a família chora. A igreja em peso louva.
Ao final do culto, a família recebe as bençãos do pastor Egídio e dirige-se para porta do templo. Elias à frente dá o primeiro passo no pátio externo quando uma saraivada de balas derruba os dois seguranças do traficante que guardavam a saída. Um tiro certeiro de fuzil atinge o peito esquerdo de Elias perfurando o terno de linho bem cortado, atravessando a bíblia de bolso, quebrando duas costelas, despedaçando o coração com orifício de saída nas costas.
Rápido como chegaram os atiradores desaparecem deixando o cheiro de pólvora, fumaça e o pânico espalhado pela igreja.

Semirâmis desmaia com o bebê nos braços. Dona Candinha cai deseperada sobre o corpo do filho.

Nesse mesmo dia , Daniel faz sua estréia no grupo de dança Stomp, na Broadway. Dava-se início a uma carreira artistica bem sucedida e convites para participação em outros musicais diversos. O ícone de luto do Facebook de um amigo brasileiro comunicou a morte de Elias para o irmão.

Uma mês depois, o grupo de dança amador da associação comunitária recebeu de Daniel, a doação de duzentos mil dólares. O dinheiro destinava-se a construção de um centro artistico de excelência para crianças e adolescentes do bairro do Nordeste de Amaralina.

Foi feito apenas um único pedido. 
O nome do equipamento cultural deveria ser Elias Eliotério de Deus, um investidor das artes.

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