Investigações sobre supostos desvios na construção do Estádio começaram em 2013, mas somente agora, e após quatro dias o TRE-BA decidir pelo arquivamento, PF decide por busca e apreensão
O inquérito que investiga supostos desvios nas obras do estádio Fonte Nova, em Salvador, existe desde 2013 e o ex-governador da Bahia Jaques Wagner já prestou depoimento como testemunha no caso. O tempo de curso da sindicância é um fator que desmonta o principal argumento da delegada da Polícia Federal Luciana Matutino Caires, responsável pela Operação Cartão Vermelho, isto é, a necessidade de busca e apreensão para evitar a destruição de provas.
A Polícia Federal cumpriu por volta das 6h da manhã de ontem mandados em sete endereços, incluindo no escritório onde Wagner atua hoje como secretário de Desenvolvimento Econômico do Governo da Bahia, além do seu apartamento, onde jornalistas aguardavam pela operação antes mesmo da chegada dos carros da Polícia Federal.
Os mandados incluíram como endereços a casa e o escritório de Bruno Dauster, chefe da Casa Civil da Bahia. “Ele sequer era do governo no período da licitação, nem no período da construção. Começou a trabalhar no começo de 2013, e o Fonte Nova estava sendo entregue em abril”, comentou Wagner reforçando o argumento de que a ação da PF teve objetivo político.
A observação foi feita durante uma coletiva realizada na tarde desta segunda-feira (26), onde Wagner contou que foi chamado para testemunhar no inquérito em maio de 2017. “A própria delegada afirma que fui e colaborei e, de repente, vem uma busca e apreensão, na minha opinião, absolutamente desnecessária”, declarou.
O ex-governador disse se lembrar que, quando realizou o primeiro depoimento na Polícia Federal, a delegada perguntou se queria depor como testemunha ou como indiciado, lhe sendo explicado que como testemunha não poderia mentir.
“Eu disse ‘então me bote como testemunha, não tenho nada pra mentir, nem pra omitir aqui'”, destacou Wagner explicando que já vinha acompanhando “o sofrimento” de Nilton Vasconcelos Junior, Luiz Pititinga e Raimundo Nonato Tavares da Silva, o Bobô.
Na época das obras os três foram, espectivamente, conselheiro de administração, presidente da Agência de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia) e titular da Secretaria de Esporte. Wagner frisou que a Desenbahia fez os empréstimos para a Fonte Nova Participações realizar as obras, consórcio que ganhou a competição da PPP formado pela Odebrecht e OAS.
“Desde 2013 que esse inquérito rola na Polícia Federal, rola na incompreensão do que é uma PPP e até hoje muita gente dos órgãos de fiscalização não sabe o que é parceria público-privada”, criticou.
Inquérito arquivado no TRE-BA
Jaques Wagner estranhou também o fato de a operação acontecer logo após a juíza Patrícia Szporer, do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, arquivar uma investigação contra o ex-governador que tratava dos mesmos fatos narrados na Operação Cartão Vermelho, originada da Lava Jato.
“Foi feita uma consulta pública, foi feita uma audiência pública, foi feita uma PMI [Procedimento de Manifestação de Interesse], que é uma manifestação pública de interesse. Quem ganhou foi um escritório de um alemão que fez a forma da Fonte Nova, depois a institucionalidade na forma de PPP. Tudo isso com o acompanhamento do próprio TCU [Tribunal de Contas da União] a pedido do presidente Lula que, quando se falava muito de corrupção, pediu para o TCU [avaliar], apesar de não ter que acompanhar diretamente, na medida que não era [dinheiro do] governo federal. Quem tomou dinheiro [emprestado] foi o governo estadual”, reforçou Jaques Wagner pontuando que os preços da Fonte Nova estavam entre os mais baixos por assento, na época.
Na residência do ex-governador, a PF apreendeu o celular pessoal, computadores, iPads e relógios que, durante coletiva ainda na manhã de ontem, a delegada disse que eram de luxo.
“Quando fizerem a perícia, ela vai constatar que como fui algumas vezes à China… eu gosto de relógio, mas não ligo pra marca. Esse aqui mesmo é uma réplica, mas pode parecer aos olhos de quem viu que é relógio luxuoso”, contou mostrando o pulso para o auditório da coletiva.
Ao reforçar as incoerências da ação policial, Wagner lembrou que, na semana passada, a justiça bloqueou R$ 113 milhões achados em uma conta de Paulo Preto, acusado de ser operador de propinas do PSDB e ligado a José Serra. Mas nenhum mandado de busca e apreensão foi realizado até o momento no caso que investiga desvios de recursos na construção do Rodoanel.
Motivação política
Apesar de “indignado”, Wagner reforçou que está “absolutamente tranquilo”, agradeceu pelas ligações que recebeu de diversos colegas, incluindo de Lula e Dilma.
“Não se joga pedra em árvore que não dá fruto, e graças a Deus minha árvore política tem muito fruto”, avaliou lembrando que seu nome, assim como do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, está sendo cogitado como plano b do Partido dos Trabalhadores, caso não consigam lançar a candidatura de Lula. Há algumas semanas a Polícia Federal inidicou Haddad por falsidadee ideológica em um suposto esquema de caixa 2 nas eleições de 2012.
O ex-governador, entretanto, frisou que deixará o cargo na Secretaria do Desenvolvimento da Bahia em abril para se candidatar ao Senado.
Sobre os jornalistas na sua porta, antes da chegada da operação da Polícia Federal, o Wagner observou que as equipes da imprensa desrespeitaram o “próprio mandado de busca e apreensão”.
“Está lá escrito, porque evidentemente eu li, para que fosse custodiada as informações fruto da busca e apreensão, que fosse mantida sob sigilo”, completando que, para tentar se explicar sobre o fato, uma repórter disse que viu o carro da Polícia Federal (antes das 6h da manhã) e começou a acompanhar o veículo por curiosidade. “O problema é que chegaram antes da própria Polícia Federal”.
Fonte Nova
Em novembro de 2007, no primeiro mandato de Wagner como governador da Bahia, aconteceu o episódio da queda de parte da arquibancada do Fonte Nova, matando 7 jovens da torcida, dias antes do local ser fechado para a recuperação. O acidente levou o governo do Estado a optar por uma reconstrução completa.
“Eu fiz questão de fazer ali [o estádio para receber os jogos da Copa do Mundo de 2014], para manter a tradição da Fonte Nova, para manter a ferradura que era a reclamação de vários arquitetos e urbanistas, que aquilo era uma marca da Fonte Nova e eu exigi para a empresa que fosse construir que mantivesse o formato da ferradura. Então, estou absolutamente tranquilo para dizer que esse estádio foi feito para não transformar a antiga Fonte Nova em um verdadeiro cemitério”, concluiu o ex-governador.