Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

Detox do bolsonarismo não vai ser fácil. Por Celso Rocha de Barros

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura
Celso_Rocha_de_Barros

Jair Bolsonaro deve ser declarado inelegível por ter reunido embaixadores do mundo todo e deixado claro que tentaria um golpe se perdesse a eleição presidencial de 2022.

Acho triste que Jair seja condenado pela única promessa que cumpriu, mas a vida é dura.

Com Bolsonaro fora de cena, surge a questão de quem o substituirá no comando da direita brasileira.

O ideal, é claro, seria vê-la de novo sob controle de seus membros moderados. Torço muito para que isso aconteça, mesmo já sabendo que mesmo os direitistas moderados também serão meus adversários. Afinal, se tudo der certo, disputaremos desarmados.

Minha suspeita é a seguinte: a qualidade da direita pós-bolsonarista será proporcional à duração das sentenças às quais Jair e seus cúmplices diretos sejam condenados.

A dificuldade de se tentar um “bolsonarismo moderado” é que Jair era o líder da facção radical do próprio movimento, e o golpe era parte central de seu programa.

O extremismo era parte da atração que exercia: quem aderia ao bolsonarismo era convidado a experimentar a promessa de que a polícia e os militares ficariam do seu lado mesmo se você cometesse os piores crimes.

O bolsonarismo lhe oferecia proteção das autoridades enquanto você agredia jornalistas mulheres, perseguia LGBTs, queimava florestas e roubava terra de indígenas.

A política sempre vai ter um lado sádico, porque é a última parada antes da guerra. Mas tudo permanece sob controle enquanto ninguém estiver armado, e as armas do Estado estiverem sob controle da lei. O bolsonarismo te armava e te prometia que as armas do Estado se juntariam às suas se você cometesse crimes.

Quem tentar achar a raiz da sedução bolsonarista apenas nos valores tradicionais ou em interesses econômicos vai perder metade da história. O bolsonarismo oferecia um bolsa-sadismo que proporcionava enorme satisfação psicológica para seus militantes, ao menos enquanto o movimento teve controle da máquina de Estado.

Políticos, empresários, militares e formadores de opinião que apoiaram Bolsonaro sobreviverão à moderação.

Continuarão com seus cargos, com seus espaços, com seu dinheiro. A direita ainda é majoritária na política brasileira por ampla margem, como sempre foi. O sarrafo para ser comentarista de direita na mídia brasileira deve continuar baixíssimo.

Mas os soldados-rasos do bolsonarismo podem sentir falta do bolsa-sadismo.

É perfeitamente possível que esse fascínio se dilua diante da punição aos golpistas e ao próprio Bolsonaro.

O fato mesmo de Jair ter fugido para a Disney enquanto seus soldados-rasos cumpriam ordens no 8 de janeiro deve ter sido um trauma nesse imaginário. O zé-ruela golpista está lá na Papuda, olha ao redor, não encontra seu líder, onde ele está? Está em uma mansão paga pelo Valdemar Costa Neto.

O medo é que a punição não venha, que persistam dúvidas sobre a permanência das armas do Estado como um lado do debate político.

Afinal, não vai faltar gente para mentir que Jair não foi tão ruim assim: sempre há mercado para comentaristas que posam de “fora da caixa” e “politicamente incorretos” enquanto defendem que o establishment não abusa o suficiente de seus privilégios.

Se as punições não vierem, a transição até a direita democrática pode ficar pelo meio do caminho. E meio bolsonarismo ainda é bastante ruim.

Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de “PT, uma História”.

Artigo publicado originalmenete em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/celso-rocha-de-barros/2023/06/detox-do-bolsonarismo-nao-vai-ser-facil.shtml

Compartilhar:

Mais lidas