Os catadores de migalhas. Por Ulysses Ferraz
”O fascista fala o tempo todo em corrupção.” (Norberto Bobbio).
Imagine um pão francês em uma cesta. Cada vez que você corta um pedaço para servi-lo, algumas migalhas caem nessa cesta. Agora imagine milhões de pães sendo cortados diariamente, durante vários anos.
E que a cada corte, todas as migalhas são desperdiçadas. Agora imagine que esses pães representam contratos públicos. E as migalhas, representam o dinheiro que é desviado em corrupção. Agora imagine que quem se apropria desses bilhões de migalhas acumuladas nesses anos corresponda apenas a algumas centenas de pessoas.
Para os catadores de migalhas, os corruptos, todas elas juntas e repartidas entre eles será o equivalente a milhares de pães para cada um. Mas o pão que perde algumas migalhas não deixa de cumprir sua função de alimentar as pessoas. Assim funciona a corrupção. Por isso é tão difícil de identificá-la. É um crime quase perfeito. E seus impactos nos cofres públicos são muito menores do que se imagina.
Quando falta leito em hospital não é em razão da corrupção. Se não houvesse corrupção, a “migalha” não seria suficiente para comprar o leito, mas é mais do que suficiente para enriquecer seus catadores. Os coletores profissionais de migalhas. A sonegação, por outro lado, é esconder o pão inteiro.
Essa sim, junto com um baixo PIB per capita e, consequentemente, uma baixa arrecadação per capita, associada ao maior juros reais do planeta, que drenam recursos públicos para o setor financeiro e impões políticas de austeridade, e às desonerações fiscais irresponsáveis, tudo isso é que faz com que faltem leitos em hospitais públicos e todo o resto de que tanto necessitamos.
Corrupção é caso de polícia. Mas o seu combate não modifica o quadro social e econômico de um país. Apenas evita o enriquecimento ilícito de uma minoria. O que certamente justifica o seu combate rigoroso, mas não a transforma numa panaceia contra todos os nossos males.
A corrupção, portanto, não é causa da miséria humana, nem no Brasil, nem alhures, apenas um dos muitos efeitos mesquinhos das relações iníquas de poder. De resto, somos um país extremamente desigual, com uma concentração de renda e riqueza brutal. Isto sim, embora não seja uma exclusividade de nosso país, é uma particularidade perversa.