Ilusões Perdidas. Por Claudio Guedes
Como um romântico da política – um dos últimos, talvez – vejo o fracasso do que poderia ser a constituição de uma frente ampla em defesa da democracia e da não-violência na política no bojo dos momentos finais do processo eleitoral em curso.
Processo malfadado, desde muito antes, pelas interferências autoritárias e não-republicanas do judiciário e da mídia hegemônica no ambiente político da sociedade brasileira. Parcialismo, partidarismo e omissões graves macularam de forma indelével o que seria a consagração do momento maior da democracia.
Paciência.
Um dos maiores desafios da democracia é a própria manutenção desta. E quando grande parte da sociedade aceita procedimentos autoritários e inconstitucionais visando a eliminação de uma corrente política representativa e incômoda (para muitos que possuem fortes posições de poder econômico e social) é porque o sistema democrático entrou em pane.
Pane lenta, mas corrosiva.
A chapa Fernando Haddad e Manuela D’Ávila resiste com extrema dignidade. Jovens, inteligentes e portadores de uma mensagem de esperança e generosidade são a resistência final de um jogo duríssimo onde ambição, hipocrisia, vaidade e torpeza se impuseram.
Ciro Gomes deu um “tiro no joelho direito” da chapa Haddad/Manuela com seu apoio (sic) crítico – ainda no calor dos resultados do primeiro turno – e posterior abandono do país nessas semanas tão importantes para a definição do nosso futuro próximo.
Ciro teve 12,47% dos votos válidos, Haddad 29,28%, juntos perfizeram 41,75%, algo muito próximo dos 46,03% dos votos obtidos por Jair Bolsonaro, que “levou as fichas” de quase toda a direita e centro-direita no 1° turno.
Poderia ter jogo, caso uma aliança verdadeira e costurada com empolgação tivesse sido tentada. Era difícil, claro. Mas poderia acontecer.
Seu irmão, senador eleito na ampla coligação vitoriosa no Ceará, liderada pelo PT e pelo PDT, Cid Gomes, usou a arma carregada de destempero verbal para “atirar no pé” de uma chapa já baleada no joelho direito. Lacrou, como diriam os jovens. Em favor do adversário.
FHC, o líder intelectual do PSDB e figura respeitada pelos liberais, amargurado pela impressionante derrota que seu partido sofreu nos pleitos regionais e nacional, negou apoio aos defensores da democracia e da não-violência. Omissão que significou, na prática, um apoio velado ao candidato truculento e anti-democrático.
Os números da pesquisa, de ontem 18/10, do DataFolha, confirmam o que já tínhamos compreendido: 76% dos eleitores do PSDB, 52% do PSB e 31% do PDT, partidos em tese democráticos e republicanos, preferem o ex-capitão, o político que desdenha da democracia e faz tábua-rasa dos preceitos republicanos – igualdade, liberdade e fraternidade.
Ilusões perdidas. Honoré de Balzac se consagrou no mundo da alta literatura ao descrever os jogos de poder e intriga, sobretudo a corrupção e a licenciosidade da imprensa, na França do século XIX.
A indigência intelectual e a mediocridade por aqui são tamanhas que acho que sequer essa graça teremos. Não teremos um Balzac para captar com maestria os momentos de decadência política e moral da nossa sociedade neste início de século XXI.
Seria no mínimo interessante ver retratados personagens como Rosa Maria Weber, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, juristas da província, conduzidos ao estrelato do STF por um governo do PT, que se transformaram em algozes do líder petista e, hoje, assistem, inertes e apenas levemente constrangidos, o escândalo do disparo de mensagens anti-PT bancados ilegalmente por empresas que apoiam o candidato da extrema-direita truculenta.
No Brasil de hoje, ambição, hipocrisia, vaidade e torpeza desafiariam até mesmo um inspirado Balzac.
Claudio Guedes é emnpresário
