Aldeia Nagô
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Seres Humanos & Mercadorias por Emir Sader

3 - 5 minutos de leituraModo Leitura

Um cartaz em uma manifestação
de imigrantes equatorianos – eles são mais de 700 mil, chegados depois da
dolarização da moeda do país -, lutando pela sua legalização, dizia: "Estamos
aqui, porque vocês estiveram lá." Afirmação sintética sobre a relação entre
colonizadores e colonizados, entre globalizadores e globalizados.


A
chamada Diretiva da vergonha – assim caracterizada pela carta de Evo Morales
pedindo aos governos europeus para não aprová-la – reflete uma virada geral para
a direita no continente, de tal forma que, ao mesmo tempo que foi aprovada a
duríssima legislação sobre os imigrantes, a duração da jornada de trabalho foi
aumentada para além das 48 horas semanais, incluídas as horas extras. Agora a
jornada deve ser negociada diretamente entre patrões e trabalhadores, podendo
chegar até a 78 horas – mais do que o dobro das 35 horas aprovadas há duas
décadas na França.

Em algumas regiões a polícia tem o poder de deter a
qualquer pessoa por 42 dias sem acusações. Alguns serviços secretos estão
autorizados a violar, sem autorização judicial, os correios eletrônicos. Os
imigrantes sem documentos podem ser detidos por até 18 meses. As crianças podem
ser enviadas a países distintos de sua origem. O governo italiano mandou ao
Parlamento projeto de lei que pode castigar com até 4 anos de prisão a
imigrantes ilegais. Autorizou também a polícia a deter e expulsar aos ciganos. A
França fixou cotas de estrangeiros a ser expulsos cada ano, numero ascendente
conforme passam os anos.

A Inglaterra aumenta de 28 a 42 dias a detenção
sem acusações a suspeitos de terrorismo. A França autoriza o interrogatório de
suspeitos durante 6 dias sem a intervenção de advogados e as normas que
controlam os aeroportos se tornaram secretas.

A Espanha, mesmo sendo o
país que regularizou a situação de centenas de milhares de estrangeiros,
apresenta, no entanto, o caso mais evidente de discriminação. Por um lado,
tolera os latino-americanos – brancos, de fala espanhola, religiões ocidentais
-, a ponto de tê-los recrutado para fazer a guerra no Iraque e no Afeganistão,
com uniformes espanhóis. Mas rejeita os africanos, que chegam diariamente a suas
fronteiras, especialmente desde o Marrocos, o Senegal e a Mauritânia. Somente
neste ano 12.260 chegaram e foram rechaçados.

Os que foram legalizados, o
foram quando a economia espanhola crescia, a população espanhola diminuía e
ninguém queria fazer trabalhos desqualificados. Mas agora que chega a recessão,
fecham-se as portas para os imigrantes.

"A mensagem européia é clara –
diz um colunista espanhol: "imigrantes, não, muito obrigado; petróleo, passe,
por favor". Em outras palavras, livre comércio, mas numa sociedade que considera
aos seres humanos mercadorias, estes – ou estas – são excluídos(as) da lei
geral. As mercadorias podem e devem circular livremente, os seres humanos,
não.

Os seres humanos – neste caso, imigrantes – estão acompanhados das
idéias. O norte globalizador envia sistematicamente suas interpretações do mundo
– via grande mídia, via internet, via cinema, editoras, etc. – para o sul
globalizado, que não tem como difundir suas visões do mundo, visto desde a
periferia.

Não é necessário recordar que sempre aceitamos aos imigrantes
europeus, sem nenhuma política de cotas. Mas as reações são imediatas. Uma vez
Garcia Marquez anunciou que não permitiria mais a venda dos seus livros na
Espanha, se passasse a ser solicitado visto para os colombianos. Agora Hugo
Chávez anuncia que deixará de vender petróleo aos países que aplicarem a
Diretiva da vergonha. O Mercosul condenou expressamente a medida. Imigrantes sem
papéis invadiram centros que deveriam atendê-los em Paris. Marroquinos se
aproveitaram que todos os espanhóis estavam assistindo à cobrança de pênaltis,
em que a seleção do seu país derrotou à italiana, para saltar os muros da
fronteira em grande quantidade.

A fronteira entre direita e esquerda
nunca é tão clara quanto no que se refere à política com os imigrantes. Porque
eles estiveram aqui, há tantos dentre nós por lá.

Emir
Sader
é sociólogo e
professor

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