Aldeia Nagô
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Eu estava ali o apoiando ou não? por Marcos A. P. Ribeiro

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Na manhã da terça-feira, atendendo a uma convocação por e-mail, fui ao Palácio Rio Branco, assinar o Termo de Acordo e Compromisso com a Fundação Cultural do Estado da Bahia, que possibilitaria a liberação dos recursos necessários à publicação de meu livro, selecionado pelo Edital de Literatura 2013 da própria FUNCEB.

Fui gentilmente recebido numa ampla sala, escassamente mobiliada, com pilhas de processos sobre as mesas.

Mas havia um problema com o texto do documento, que apenas a “coordenadora” seria capaz de resolver; disse-me a servidora que me atendera.

– Onde está a coordenadora? – perguntei receosamente.

– Num evento aqui do lado, com o governador – respondeu com um matiz de orgulho na voz.

– Quando tempo dura o evento?

– Meia-hora, quarenta minutos no máximo… O senhor está convidado a participar – acrescentou com um sorriso.

Agradeci; e dirigi-me ao evento. Seria a melhor maneira de esperar pela coordenadora.

Num belo salão do palácio, contíguo a uma sacada em semicírculo que permitia vista da Baía de Todos os Santos, o governador, acompanhado do secretário de cultura e de assessores, discursava, apresentando à platéia – composta por artistas plásticos, músicos, jornalistas, bailarinos, escritores, produtores culturais e todos aqueles que “vivem de editais”- o lançamento dos Editais 2014 da FUNCEB, apoiados pelas empresas Oi e COELBA. O clima era festivo.

Então, encontrei-me, eu, um escritor baiano de 55 anos, com camisa branca de mangas compridas, barba recém-feita e os costumeiros óculos de grau, tendo sob o braço um envelope pardo com o logotipo do estado da Bahia, em pé na platéia e, para todos os efeitos, compondo-a. As pessoas à minha volta – amigos, inimigos, conhecidos – sabiam que eu era escritor. Algumas me lançavam olhares de cumplicidade. A televisão registrava o evento. Fotógrafos trabalhavam. Mas eu estava ali por acaso! Não viera apoiar o governador; mas, sim, assinar um contrato!

Tive uma espécie de insight e me vi de longe, de um ponto qualquer da história; talvez, até, fora do tempo; com um distanciamento que me permitiu questionar meu papel como escritor na sociedade baiana. Seria diferente de todos aqueles que estavam ali? Como eles, eu não havia sido várias vezes publicado pelo estado? Nas gestões daquele governador, mesmo sem manter qualquer relação pessoal com membros do governo, eu não havia sido premiado três vezes e, inclusive, tido uma viagem de dois meses à Alemanha custeada por aquela administração? Isso não seria realmente meritório? Eu deveria ou não apoiar o governador? Eu estava ali o apoiando ou não? (Aplaudi-o instintivamente ao final do discurso).

Pensei-me à luz da história e imaginei que um estudioso futuro da cultura baiana, ao analisar a imagem daquela platéia de artistas e produtores culturais a qual eu involuntariamente acabara participando, acharia minha presença muito natural. Afinal, eu fora um dos escritores contemplados pelo Edital 2013!

Há em mim um pudor instintivo em apoiar governantes e poderosos. Talvez para evitar que se pense que pretendo obter vantagens com meu apoio.

Mas, no caso desse governo, especificamente por suas ações na área da cultura, certamente o mais justo seria apoiá-lo.

Marcos A. P. Ribeiro

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