Assobio por Zuggi Almeida
O assobio é o sopro musical da alma. A representação de um estado de harmonia espiritual expresso em modo sonoro.
Talvez, os pássaros detenham o sentido do poder canoro e brinde os dias com as simbilâncias da Natureza.
Mas, na Bahia, assobio é assovio, mesmo? E de repente percebi que não tenho visto mais ninguém assoviando pelas ruas.
Lembro quando menino, a primeira vez que conseguir emitir um assovio. Foi de uma felicidade danada, a ponto de não querer mais parar de assoviar, afinal era mais uma façanha nas minhas habilidades de menino.
O assovio antecedeu o celular bem antes, na hora de convocar um amigo. Bastava se postar em frente a casa do parceiro e soltar a chamada sonora. Detalhe: existia modulações diferenciadas entre grupos. A turma de uma rua possuía um chamado especifico para ser identificada entre si.
O fiu-fiu era a senha para classificar o nível de beleza da moça que passava no passeio do outro lado da rua. Essa atitude era considerada coisa de moleque por pais conservadores. Geralmente, o cara assoviava e se escondia até atrás de um poste de iluminação.
A minha mãe era interiorana e não permitia assobios à noite dentro de casa. A crença que poderia atrair a Caipora falava mais alto e fazia prevalecer a ordem e sabedoria materna.
Aprendi também que assoviar na roça de santo não é muito bom e sempre respeitei o procedimento.
Mas, parece que o assovio ficou restrito aos espetáculos musicais, esportivos e eventos políticos ( ainda nos tempos dos comícios).
Ninguém mais arrisca assoviar uma canção inteira, os meninos crescem sem a necessidade de assoviar e fica difícil perceber o estado de felicidade do outro.
Os bons assoviadores eram chamados ‘bicos doces’ e existiam alguns capazes de realizar um solo de música inteira acompanhado por violões.
O assovio era valorizado.
As transições e durezas apresentadas na vida contemporânea originam estados de enclasuramentos existências não permitindo sentir a leveza de assoviar uma música ou tentar imitar um passarinho.
Porém, a habilidade de assoviar é inata ao ser humano, basta afinar as cordas da sensibilidade e embalar o corpo e soltar a música do coração.
Quem sabe não seja um bom processo terapêutico nesses dias de isolamento? Quem assobia não sente a solidão. Existe a sensação de haver alguém ao lado.
Experimente.
Quando foi que você acordou com vontade de assoviar nos últimos tempos?
– Zuggi Almeida é baiano, produtor cultural, escritor e roteirista.
P.S: Concluo essa crônica sabendo da morte do meu amigo Jorge Portugal. Uma grande perda humana para cultura baiana.
Ficam suas grandes criações que merecem ser assoviadas por uma eternidade.
