Analógicos & Digitais. Por Zuggi Almeida
Ele era analógico. Ela era digital.
Ele era decimal. Ela era binária.
Ele preferia o Houssais. Ela utilizava o Google.
Sempre teclando perdidos em redes a navegar por sites, blogs e lives, até clique certeiro dado por Ele na foto com filtro. O coração disparou a 100 bpm ( bites por minuto ). Uma busca rápida nas informações sobre a dona da página e o um envio da solicitação de adicionamento no pequeno grupo de amigos digitais que exibia em seu perfil. Nada de atrativos.
Aconteceu uma confirmação de pedido rápida como um e-mail e seguiu-se as mensagens.
Logo, Ele soube que Ela malhava, comia sushi, fazia bronzeamento artificial, foi à Noronha no verão passado, adorava frequentar baladas, shoppings, cachorros, flores, brownies e assistiu a live de Caetano.
Ele apenas, escritório, estádio, barzinho,estádio,escritório, skol, salame, queijo ou batata frita.
Ele, Bahia. Ela odiava futebol.
Até o início da pandemia.
Assim anexaram-se em zapzaps e passaram a dividir sonhos e solidão
Ela na ansisedade pela busca para alcançar cem mil seguidores na página do instagram e haja fotos do iPhone de tônus, glúteos e bocas – a língua sempre de fora. Os pirulitos de todas as cores estavam nos closes nos vídeos. Os discos doces espetados em palitos fálicos massageavam os lábios num entre e sai bucal. O seguidores cresciam junto com as propostas insinuantes e impossíveis.
Ele, curioso em saber o significado de vicissitude na ortografia, embora já soubesse que ergonomínia quer dizer o estudo ciêntífico da relação entre o homem e a máquina na busca da segurança e de melhor desempenho na interelção entre ambos. A visita virtual ao acervo dos museus mundo afora era uma das suas predileções. Não gastava um centavo siquer em bilhetes aéreos, translados, hospedagens, além de não correr o risco de um contágio. Tudo acontecia ali, nos doze metros quadrados do quarto. Também gostava de pesquisar sobre a história dos clubes de futebol. Nada fora do comum.
Um post aberto exibia o flayer do convite para uma live dela falando sobre qualidade de vida, desempenho e sucesso. Seria na sexta no final da tarde. Ele sorriu por conta da lembrança e poder participar do primeiro evento digital da sua vida. Decidiu apenas ficar assistindo e não opinar.
À noite ela entrou no zap, ele de imedito digitou ´Oi!’.
Ela respondeu:
– Oi! Tudo bem pode falar?
– Posso, sim.
Ela prosseguiu:
– Antes de tudo peço desculpas pelo que pretendo revelar. Nem lhe conheço direito. Não sei se devo…
Ele garantiu:
– Fique tranquila. Tenho todo o tempo do mundo.
Ela começou a discorrer sobre sua biografia que incluía a chegada do interior para frequentar a Universidade, a família de classe média, o pai prefeito da cidade, o curso de Nutrição e os poucos amigos , a ausência de parentes na capital ou algúem que preenchesse a sensação de vazio do momento.
Prosseguiu comentando sofre os efeitos da pandemia, a interrupção dos treinos na academia, a obesidade ameaçadora de três quilos acrescentados à silhueta, o acervo no guarda-roupas que poderia se tornar obsoleto, assim, como a falta de abraços, beijos, cheiros e gozos.
Ele acompanhava com toda atenção do mundo. Primeira vez que ouvia uma confissão feminina. A novidade que tinha para comentar era o tricampeonato do seu tricolor. Isso não possuía qualquer importância. Agia como um psicólogo remoto.
Ela comentou sobre Valium, Diazepam e Lorax. Produtos opostos aos suplementos alimentares e a felicidade exibida no perfil de digital influencer.
Ele sentiu uma onda de calor invadindo os pelos e poros. Seriam vestígios da chegada de um amor ?
Ela desculpou-se e saiu do zap.
O telefone da portaria tocou. Ele desceu para pegar a pizza encomendada: marguerita com borda fina.
Ela liga para o iFood e pede uma pizza marguerita de borda fina.
Combinavam em paladares e solidão.
Tinha tudo para dar certo.
Zuggi Almeida é roteirista e cronista baiano.
