De onde saiu essa gente? Por Moisés Mendes
São singelas, como formulações de dúvidas, as perguntas do ministro Fernando Haddad, apresentadas em entrevista à Folha de S. Paulo há poucos dias. O ministro fez essas indagações a respeito do crescimento da direita na eleição municipal:
“Nos perguntamos. De onde saiu essa pessoa? De onde saiu esse sujeito? Como é que essa pessoa tem 30% dos votos?”
É o desconforto com a galeria de retratos de caras novas da direita, e não só com a caricatura de Pablo Marçal, muitas delas disputando o segundo turno em capitais e cidades médias. De onde saiu essa gente?
Saiu da ampliação das reconexões da direita com suas bases paroquiais, mesmo sob governo Lula. Mas essa direita, ministro, não é, na essência, gente da base e da índole do bolsonarismo, ou não é pelo menos em maioria. E ainda está longe de ser marçalista.
O PP que domina as prefeituras do Rio Grande do Sul, incluindo regiões que deram ampla vitória a Lula em 2022, para dar um exemplo, não é Bolsonaro. Em muitos outros Estados dá para dizer quase o mesmo.
A direita e o centro distantes ou sem vínculos diretos com o bolsonarismo está abrigada no PP, no PSD, no MDB e até em boa parte do União Brasil. Só esses partidos têm quase 3 mil prefeituras.
Mas é mais cômodo atribuir, sob espanto, toda a avalanche de votos da direita às aberrações do bolsonarismo. Porque assim as esquerdas se livram dos constrangimentos de outras explicações.
E as outras explicações podem ser buscadas no fato de que a nova direita ressuscitou a velha direita em meio aos erros e à apatia contemplativa do PT e das esquerdas.
Em algumas regiões, inclusive no Nordeste, é quase a ressurreição da velha Arena. A direita se renovou, com caras novas mesmo, até com gente de menos de 40 anos, a partir da redescoberta da vitalidade do conservadorismo da província. E não necessariamente por causa do bolsonarismo.
Empresários de todos os portes, advogados, professores, gente do agro, prestadores de serviços e muitas lideranças das periferias. Todos compõem a renovação pela direita. A direita buscou nos subúrbios gente que as esquerdas não conseguem mais transformar em nomes com mandato.
Sim, há exceções em redutos da extrema direita, como Santa Catarina, o mais bolsonarista de todos os Estados. Mas Haddad não se refere a esses enclaves, e talvez a figuras como um sujeito que frequentava Pelotas, como empreendedor imobiliário e advogado, mas que morava na Serra. E que disputa o segundo turno.
Marciano Perondi, candidato do PL, mora há um ano na quarta maior cidade gaúcha e disputa a prefeitura contra o ex-prefeito e ex-deputado Fernando Marroni. Morava a 400 quilômetros de distância da cidade e pode ser seu governante no ano que vem.
Mas essa figura estranha, ministro Haddad, pode ser o exemplo clássico da ascensão de um bolsonarista, que parece não ter, mas tem explicação. Mas não é esse sujeito que explica o crescimento da direita.
Não são os Perondis que explicam os fenômenos dessa eleição, que alguns enxergam como fatias de pizza ainda nebulosas de direita, centro e extrema direita. A obsessão com as explicações buscadas no extremismo só atrapalha a compreensão do que aconteceu na eleição.
O resumo pode estar nessa frase esclarecedora de Muniz Sodré, em artigo sábado na Folha: “Com algumas exceções, o bolsonarismo da destruição criativa deu lugar a uma direita centrada no status quo local”.
O status quo da paróquia foi reabilitado com o desgaste das esquerdas locais e a redescoberta, com os PIX dos emendões e outros fatores, de que a velha direita, com seu poder econômico, não precisava se render totalmente ao bolsonarismo. Foi de onde saiu essa gente, companheiro.
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
Artigo publicado no Brasil 247