Tonho da Ilha. Por Zuggi Almeida
Tonho saiu da barriga de Maria metendo os pés pelas estradas do mundo. Criado na localidade de Baiacú, em Itaparica, Tonho de Maria era um ilhéu franzino e ainda menino era um exímio especialista em tocas de caranguejos.
Zeca de Maria, seu pai, , insistia em preparar o filho na arte de trabalhar o couro, colocar a sola, o salto ou mesmo reparar calçados que já requeriam a aposentadoria. Tonho trouxe apenas uma característica paterna, o direito de imaginar viagens a paraísos longíquos.
O sapateiro no final de tarde reunia a meninanda do Baiacu e sentado na porta da tenda contava as façanhas que realizou abatendo alemães em terras italianas, na Segunda Guerra Mundial.
Zeca dizia ser integrante da Força Expedicionária Brasileira e combateu com garbo em Monte Castelo defendendo um mundo livre.
Os contemporâneos de Zeca de Maria sabiam que as únicas embarcações que a única embarcação que o valente guerreiro conhecia na vida era o vapor da Baiana. atravessar a Baía de Todos os Santos. O local mais distante de casa que Zeca de Maria já tinha ido era a Ladeira do Taboão,em Salvador onde comprva produtos para reparo de sapatos.
Mas, Zeca fazia a festa da criançada sendo o super-herói de plantão de toda o Baiacu.
Tonho já com 20 anos, todos os dias botava a catraia no canal num pesqueiro conhecido e recolhia sirís graúdos ou tainhas quando lançava sua tarrafa com maestria perfeita.
Vadú de Judite chegou a Baiacu de férias no final do ano, era um primo de Tonho que trabalhava embarcado num cargueiro grego. Vadú aproveitou a passagem pelo porto de Salvador para reencontrar a família, os amigos e alimentar o grande sonho da vida de Tonho.
Vadú fez ao primo uma proposta de embarque como oficial de limpeza do convés do navio,onde trabalhava como ajudante na cozinha. Tonho aceitou na hora e três meses depois estava embarcando num dos cargueiros da frota do armador grego Pierre Onassis.
Enfim, lá se foi Tonho de Maria descobrir o mundo.
Cinco anos depois, Tonho voltou pra casa bancando rodadas intermináveis de cervejas, na Visgueira do Bené.A indumentária sempre a mesma: camisas de cambraia de linho, calças de gurgurão, sapatos polidos e um imenso relógio dourado no pulso.
Contava as aventuras pelos países mais exóticos do mapa terrestre, os costumes diferentes de cada povo, as mulheres magníficas e o domínio que adquiriu sobre os mais diversos idiomas, dentre esses destacam-se o inglês, o espanhol, o francês, o alemão e até uns pitacos em russo.
Apenas omitiu da platéia que a estadia nesses países era por poucos dias, apenas o suficiente para desembarcar a carga e partir rumo ao porto seguinte.
Na maioria das vezes, a tripulação não recebia a autorização para ir à terra e os contatos com essas populações locais jamais aconteciam.
Num domingo cedo, Tonho de Maria ainda dormindo da farra da noite anterior foi acordado pela mãe que avisou:
– Tonho , o motorista do prefeito está aí na porta procurando por você !
O rapaz levantou, lavou o rosto e foi saber do motivo da procura.
– Tonho, o prefeito precisa muito de você – disse o motorista, – e completou – você sabe falar russo?- de pronto o filho de Maria respondeu -, depende !
Na dúvida, Tonho de Maria vestiu um dos paletós que trouxe da viagem embarcando no carro oficial, enquanto no caminho o motorista explicava qual era a missão diplomática.
– Tonho, chegou aqui na ilha um pessoal da embaixada da Rússia que veio assinar um convênio com a prefeitura para construção de uma escola de música. A mulher do prefeito contratou uma gringa para traduzir a conversa, mas, ela comeu uma muqueca apimentada e passou mal.
– Eu logo vi que ia dar errado, a mulher bebeu oito caipirinhas, uma atrás da outra. Ela deve estar é de ressaca, lá na pensão-, denunciou o motorista.
O carro parou em frente ao prédio onde todo o recepetivo aguardava a chegada de Tonho. O prefeito apressou-se para receber o filho nobre de Maria e Zeca dando-lhe um forte abraço.
O alcaide pediu a Tonho de Maria que desse as boas vindas da prefeitura de Vera Cruz para as autoridades estrangeiras.
Tonho pegou o microfone, pigarreou e disparou:
– Dobrowski polanski vera cruz island orloff !
A delegação russa sorriu, afável.
O prefeito pediu que Tonho agradecesse ao apoio do povo russo à educação na ilha de Itaparica.
– Tonho pigarreou e mandou:
Tchaikovski azenka gorbachev itaparica island perestroika.
Mais uma vez, os russos continuaram sorrindom
Então, o prefeito pediu que Tonho convidasse os russos para o lançamento da pedra fundamental da escola.
Tonho arrematou:
– Venka! – e apontou a direção da pedra, – e todos seguiram para o local.
Após a inauguração onde foi assinado o protocolo de intenções, os russos retornaram para Salvador e Tonho seguiu com o prefeito e seus assessores para pensão de Neidinha.
A farra de moquecas regadas à cervejas e fartas doses de Correinha foi até o começo da noite.
Durante a comemoração, o prefeito fez um convite solene para Tonho de Maria:
– Tonho você veio pra ficar de vez ? Que tal você assumir a nossa secretaria do turismo ? perguntou.
Tonho pigarreou e respondeu:
– Seu prefeito, estou aqui apenas passando uma temporada enquanto aguardo um convite da ONU para assumir um cargo numa embaixada no exterior -, respondeu.
Enquanto o convite imaginário do órgão internacional não chegava, Tonho aproveitou o tempo, mandou fazer uma canoa nova, comprou uma tarrafa maior e todos os dias apoitava no canal, bem em cima do pesqueiro secreto.
A maré é de lua cheia e a manta das curimãs andavam preocupadas com a estréia da tarrafa nova de Tonho.
– Zuggi Almeida, baiano, escritor e roteirista.
