Ainda estou aqui, a força da sprezzatura. Por Renato Janine Ribeiro
Vendo Fernanda Torres no seu filme, Ainda estou aqui, percebi a força da sprezzatura – um conceito cunhado por Baldassare Castiglione no século XVI, em seu clássico renascentista “O Livro do Cortesão” (Il Libro del Cortegiano, 1528). Ele descreve uma das grandes qualidades do cortesão ideal: a habilidade de realizar tarefas difíceis ou complexas com uma aparência de total facilidade, como se fossem naturais e sem esforço. Castiglione define a sprezzatura como “uma despreocupação estudada”, ou seja, a capacidade de esconder o esforço por trás de uma ação para fazê-la parecer espontânea e natural. Esse esforço invisível é essencial para criar uma impressão de graça e domínio sobre as situações, especialmente no contexto das cortes renascentistas, onde a etiqueta e a aparência eram cruciais. A vida na corte era como um grande teatro, e a sprezzatura era o segredo para “atuar” sem parecer que se está atuando.
Fernanda Torres domina a cena com uma naturalidade impressionante, mas claramente muito bem construída. Isso é evidente não apenas em suas performances no cinema, mas também em momentos como o agradecimento no palco do Globo de Ouro. No filme que lhe rendeu essa conquista, é fascinante observar como ela consegue transmitir emoções e significados profundos com pequenas e sutis mudanças de expressão facial. Essas nuances demonstram a essência da sprezzatura, onde refinamento e simplicidade se unem para transformar algo elaborado em uma performance aparentemente sem esforço.
A sprezzatura é comparável à ideia de “fazer parecer fácil” em várias áreas, como arte, esporte, atuação, comunicação e até moda. Grandes artistas e músicos frequentemente exemplificam essa qualidade ao executar suas obras com fluidez, ocultando o trabalho árduo por trás de sua criação. Na comunicação e na diplomacia, a capacidade de parecer natural e à vontade, mesmo em situações difíceis, é uma forma de sprezzatura extremamente útil. Na moda, ela se traduz em looks que parecem despretensiosos, mas são meticulosamente compostos para atingir esse efeito.
Mais do que uma simples habilidade prática, Castiglione via a sprezzatura como uma filosofia de vida que valorizava o equilíbrio entre esforço e graça, autenticidade e controle. Para ele, um verdadeiro cortesão não apenas dominava essa arte, mas fazia dela uma extensão natural de sua personalidade. Hoje, a sprezzatura continua sendo um conceito fascinante e relevante, aplicável não apenas à elegância renascentista, mas também à maestria discreta em qualquer área da vida contemporânea.
Na verdade, o cortesão vivia em cena; sua vida era uma performance; seu espaço, um teatro. Não por acaso, o bom ator precisa construir sua sprezzatura.