Aldeia Nagô
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Digital Influencer. Por Zuggi Almeida

3 - 5 minutos de leituraModo Leitura

O papo era eclético e todos assuntos eram abordados.

Assim aconteciam encontros diários no boteco de Mimiro, em Itapuã. A inspiração vinha por conta dos goles generosos dados no porongo: uma bebida misteriosa e maravilhosa criada pelo próprio Mimiro.

Tudo corria normal até Sebastião fazer uma provocação.

– Estou preparando o documento que vai propor o prêmio Nobel de Química pra Mimiro. Vejam bem, Mimiro desenvolveu a fórmula do porongo que guarda a sete chaves. A elaboração do porongo tem mais mistério que a composição da Coca-Cola.

Houve silêncio geral no boteco após a informação dada por Sebastião, professor universitário aposentado e doutorado em boêmia nos bares da vida.

Logo, Bereco interpelou o mestre.

– Mas, Tião esse negócio de prêmio de Bebel, Noel, sei lá! Não é coisa pra gringo ganhar? Como é que um cara de Itapuã, vendedor de birita vai botar palitó, pegar avião, chegar no estrangeiro e ainda fazer discurso em ingrês?

E seguiu Bereco questionando.

Cê sabe que outro dia chegou aqui em Mimiro um gringo queimado do sol pra caralho e pediu um ‘porongô’.

Sabe o que Mimiro disse?

– Sai pra lá seu afrescalhado tá botando apelido na minha bebida.

Sebastião insistiu em explicar.

– Não, Bereco ! Mimiro é um verdadeiro alquimista moderno. Imagine que ele vem há muitos anos preparando doses de porongo e todas são iguais. Você já viu ele espremendo o limão? Não passa o mínimo da quantidade de gotas. Isso é uma técnica desenvolvida por décadas. A mistura das partes com água de flor, jurubeba, mel e os escambaus. Mimiro vai ganhar o Nobel de lavada. Vai ser o primeiro de dono de birosca laureado no mundo !

Martins Pescador perguntou:

– Mestre como é esse negócio de digita… digital influência?

O professor Sebastião seguiu explicando.

– Na realidade Martins, você quer dizer digital influencer? Pois bem, digital influencer é alguém que consegue usar as redes sociais para incentivar hábitos de consumos e influenciar outras pessoas.

Aí, a dúvida tomou conta do ambiente.

Foi quando Bereco interveio.

– Não professor, isso aqui em Itapuã é velho. O negócio não é influenciar as pessoas? Pois, Dona Zelinda, a mulher de Gereco do cartório já fazia isso aqui, na Cacimba. Ela conseguia influenciar na vida de todo mundo daqui de Itapuã. Se metia em tudo. Era uma fofoqueira de primeira!

– Imagine o senhor que ela ajudava nas missas da igreja de Nossa Senhora da Conceição. Por outro lado, padre Nilo tinha que contar as confissões dos fiéis pra ela.

Martins Pescador ajudou no argumento acrescentando.

– Ela sabia tim – tim por tim – tim da vida das mulheres de Itapuã e dos homens também. Não tinha um que tomasse um corno que ela não soubesse. Dona Zelinda era temida e respeitada em todo Itapuã.

Martins Pescador continuou.

– Você se lembra quando a filha de Talisca desmaiou na fila do açougue? Dona Zelinda tava na fila atrás dela e acudiu a menina. Dona Zelinda passou um algodão com álcool no nariz da moça e quando ela acordou, tome-lhe pergunta? “ Você se sentiu mal por que minha filha?”. “ Foi o cheiro do fato, foi…? ”.

– A menina ficou nervosa e foi disparada pra casa. No outro dia Talisca já sabia que seria avô e Dona Zelinda ainda batizou o menino. Era a madrinha mais malvada do Itapuã.

“ Mudando de pau pra cachorro”, o professor Sebastião desconversou:

– Rapaz, você já viu que todo dia alguém ganha um título de cidadão ou comenda em Salvador? Pois, acho que Itapuã deveria se separar do resto de Salvador e ser um município independente! Deveria ter a própria câmara dos vereadores. Ai! A gente iria dar o título de Cidadão Itapuãzeiro pra quem merece. Os nossos vereadores poderiam ir pra sessões de bermudas e sandálias havaianas.

Martins com um olhar futurista disparou:

– Fico imaginano quando os vereadores tivesse votano e a guaricema batesse na beira da praia! Ia ser uma loucura com todo mundo larganno a votação e saindo avoado pra botar a canoa na água e cercar o peixe.

Bereco indagou:

– Me diga uma coisa. O prefeito ou prefeita de Itapuã ia ser um preto?

(Essa crônica é uma homenagem ao memorável Mimiro, proprietário da Tulha Pedra Que Ronca- boteco que marcou passagem em Itapuã e fechou as portas após a pandemia da covid. A excessão de Mimiro, os outros personagens são fictícios e inspirados nos delírios causados pelos cheiros da maresia)

Zuggi Almeida é baiano, escritor e roteirista.

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