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Corrupção bolsonarista, capítulo 5. Por Conrado Hübner Mendes

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Gilmar Mendes foi entusiasta da Lava Jato. Dizia na Fiesp que a operação teria descoberto “modelo de governança corrupta” e, “felizmente para o Brasil”, “estragou tudo”. Os missionários de Curitiba teriam desvendado a “cleptocracia”.

Após o impeachment, Gilmar trocou de lado e inverteu o alvo de xingamentos e liminares. A virada lhe rendeu título de trincheira do Estado de Direito, honraria graciosa dada pela advocacia também a Augusto Aras, outro ícone da “descriminalização da política”.

Artur LiraRodrigo Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado, construíram um magistral “modelo de governança corrupta”. Dessa vez, secreto.

O segredo abre múltiplos túneis escuros de corrupção, além de reconfigurar, de modo inconstitucional, antirrepublicano e antidemocrático, a separação de Poderes, o jogo federativo e a competição eleitoral. Os adjetivos soam hiperbólicos. Mais hiperbólico é esse tatuzão.

Remodelou a relação entre Executivo e Legislativo, entre presidente da República e presidentes das Casas do Congresso; e também entre parlamentares e governos locais. E a possibilidade de lucrar com isso sem prestar contas e curtir a anonimidade.

orçamento secreto é capítulo central da corrupção bolsonarista. Criou laço de reciprocidade e mútua dependência entre a parcela mais venal e parasitária da política brasileira e Jair Bolsonaro.

Estrutura uma permuta: para evitar impeachment, delinquir sem consequência e disputar reeleição ameaçando ignorar as urnas, parlamentares do centrão recebem poderes como nunca para negociar recursos pelas prefeituras do país, garantir sua reeleição e com liberdade de colocar recurso no próprio bolso.

Reportagens impressionantes de Breno Pires, no Estadão e na Piauí, a partir de 2021, radiografaram o mecanismo: Lira e Pacheco, empoderados, negociam apoio com cada parlamentar e premiam os disciplinados com quantias não sabidas.

Com esses recursos, o parlamentar pode bater à porta, por exemplo, de prefeituras e oferecer recursos em troca de contrapartidas. Entre as contrapartidas, às vezes, está a chamada “volta”, ou seja, o retorno de parte do dinheiro para o bolso do parlamentar.

O último texto de Breno Pires descreveu remessas recordes de dinheiro para municípios minúsculos do Maranhão, onde se falsificam consultas e exames no setor de saúde. Depois do escândalo dos tratores, das máquinas agrícolas e dos fundos de educação, é urgente aprofundar investigação do que se passa no SUS.

O STF foi chamado a intervir nessa turbina nuclear do clientelismo. Cobrou transparência. Suas ordens continuam ignoradas. O Congresso simula obediência pela publicação de planilhas obscuras que não revelam valores destinados a “usuários externos”. E esses usuários desconhecidos levam parte significativa dos recursos secretos.

Ao lado de sua postura no tema do meio ambiente e do armamento, a passividade diante de mais essa desobediência a suas decisões completa uma trinca de omissões retumbantes do STF. Talvez prefiram deixar para depois das eleições. Depois das eleições, o orçamento secreto já terá reeleito a nata da elite venal do Congresso. E poderá ter feito por Bolsonaro, nas eleições de 2022, ainda não sabemos o quê.

Pode-se comparar, do ponto de vista financeiro, o volume de recursos movimentados nos últimos grandes escândalos de corrupção. No mensalão, R$ 140 milhões. No petrolão, R$ 2,1 bilhões desviados da Petrobras. O secretão, entre 2020 e 2022, teve R$ 53 bilhões de dotação orçamentária, R$ 44 bilhões empenhados e R$ 28 bilhões já pagos.

Mas a comparação financeira diz pouco. Importante analisar a função de cada um na arquitetura da corrupção. No mensalão, parlamentares vendiam seu voto e embolsavam dinheiro. No petrolão, desvios e propinas nos contratos da empresa geravam dinheiro para partidos da coalizão governamental. Um “quid pro quo” rudimentar.

O secretão é plurifuncional: não apenas facilita que dinheiro incerto enriqueça o parlamentar como lhe concede poder inédito de influenciar a microgestão do gasto em política pública. Multiplica não só a irracionalidade mas o potencial do roubo. O dinheiro não vai para o lugar que mais precisa, mas para onde o parlamentar quiser.

E diante de pedidos por transparência do recurso público secreto, gritos contra a “criminalização da política” voltaram a ressoar no Planalto.

Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade – SBPC

 

Artigo publicado originalmente em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/conrado-hubner-mendes/2022/07/corrupcao-bolsonarista-capitulo-5.shtml

 

 

 

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