Secretário Márcio Meirelles responde a Caetano Veloso
Caro Caetano, Motivado pelo seu
artigo do domingo passado, resolvi escrever esta carta, para esclarecer
algumas
coisas.
Você fala de mim como artista, criador do Bando de Teatro
Olodum (que
gerou Lázaro Ramos e Virgínia Rodrigues) e da peça "Ó paí, ó!" (depois
filme e
série televisiva).
E também como gestor, Secretário de Cultura do
Estado da
Bahia, "responsável pelo destino do Pelourinho".
Não sou responsável pelo
destino do Pelourinho porque ninguém é responsável pelo destino de nada. O
destino é um conjunto de acontecimentos que parecem prévia e inexoravelmente
traçados.
Mas, de fato, são construídos e podem ser alterados por
circunstâncias históricas, sociais, emocionais, econômicas, políticas… Vejome
apenas como parte deste elenco que constrói e modifica os
acontecimentos.
Também, ao contrário do que você afirma, nas peças da
"Trilogia do Pelô" – especialmente "Ó paí, ó!" e "Bai bai Pelô", que criei e te
emocionaram e nos aproximaram – não havia ódio. Havia indignação por ver um
poder truculento promover uma limpeza étnica e social, expulsando os antigos
moradores do Pelourinho e entregando as casas, que eles mantiveram de pé, a
novos ocupantes.
Diferente do exemplo da Lapa, no Rio, onde o poder
público fez sua parte, e a iniciativa privada e a sociedade, as delas, aqui, o
governo fez tudo, como um pai/padrasto, "com dinheiro numa mão e o chicote na
outra". Tentando ser o condutor do destino.
Mas o "destino" às vezes não
obedece a seus condutores, e o tempo dá respostas. A reforma não deu certo. A
pintura das casas, que lembrava Santo Amaro em festa e te encantou, não era
feita pelos moradores, nem pela prefeitura.
O Pelourinho foi reformado,
ou seja, ganhou nova forma.
Não foi revitalizado, não retomou sua
capacidade vital, não se pensou em sustentabilidade.
Não é possível
revitalizar um território urbano sem a força de seus moradores, sem ações
articuladas dos três entes federados. Não é possível tratar o Pelourinho como
uma área isolada, um (im)possível parque temático. A maioria das soluções está
no entorno para onde foram muitas das famílias retiradas da área, ocupantes
agora de outras ruínas ou marquises, sobrevivendo do possível.
Criamos o
Escritório de Referência do Centro Antigo de Salvador para articular o Plano de
Revitalização do Centro Antigo. Em parceria com a Unesco, ele foi concluído e
será apresentado no dia 2 de junho, com a entrega do Palácio Rio Branco
restaurado. Ampliamos a área expositiva dos museus do lugar, triplicando a
frequência e diversificamos a programação artística dos largos; temos tido, como
você já comprovou, um público significativo.
Caetano, meu amigo, o Bando
precisou de dois anos para fazer sua primeira temporada no Rio, quatro para
entregar ao mundo uma Virgínia Rodrigues, oito para um Lázaro Ramos, 17 para "Ó
paí, ó!" virar filme, 18 anos para a série. Os processos culturais sustentáveis
levam um tempo, mas, desde o seu início, o Bando sempre teve a vitalidade
necessária para ser agora o que é. Talvez um anticarlismo.
Sem ódio. Só um
caminho em outra direção. Um outro ponto de vista. Outra prática.
Não deixe
sua visão, tão preciosa sempre ao Brasil, ser nublada por questões
partidárias.
Não abandonamos o Centro Antigo de Salvador. Ele estava
abandonado. O crack é uma realidade trágica. A segunda renda per capita das
capitais brasileiras, o quarto pior ensino público, o abismo social, a
fragilidade de nossas instituições não foram criados nos últimos três anos e
meio. Não era possível.
Ó paí, velho: quem criou um espetáculo e um grupo
capazes de te abandonar o sujeito da peça?
Márcio Meireles é Secretário de Cultura do Estado da
Bahia