Aldeia Nagô
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Dilma ainda lá! por Juarez Guimarães

11 - 15 minutos de leituraModo Leitura

Por que houve uma inflexão no crescimento de Dilma e o contrário ocorreu com Serra e Marina?
Não se deve nem é preciso confiar nos números da primeira pesquisa do Datafolha no segundo turno para se concluir que o favoritismo de Dilma está sob disputa e que sua vitória depende do que a sua campanha e a de seu adversário fizerem.


É preciso, pois, adquirir e partilhar com os brasileiros e
brasileiras a consciência da situação dramática deste segundo turno das
eleições presidenciais. O que está longe de significar um desfecho
necessariamente infeliz ou trágico. Isto quer dizer simplesmente que
todas as conquistas sociais e do trabalho, democráticas e de soberania
nacional construídas nestes últimos oito anos estão em risco. Serra só
pode vencer se a razão liberal conservadora, cobrindo um arco de
interesses e vontades que vão até a intolerância mais brutal, de cores
proto-fascistas, triunfar.

Sem esta consciência dramática não se pode vencer. Porque o gesto, a
fala, a palavra e o sentimento estarão aquém do necessário, não terão
suficiente força e capacidade de persuasão. É preciso, então, que esta
consciência dramática se expresse através de uma lucidez apaixonada que
faça um diagnóstico realista do desafio e proponha um caminho para
vencer.

A disputa de narrativas – A melhor referência
analítica destas eleições está no gráfico de curvas de tendências
eleitorais, elaborado a partir de pontos médios de pesquisas publicadas (
CNT/Sensus, Vox Populi, Datafolha e Ibope), que vem sendo atualizado
desde o início do ano e editado na revista CartaCapital.
Elaborada pelo cientista político mais reconhecido na área e professor
do Iuperj, Marcos Figueiredo, esse gráfico de curvas de tendências
eleitorais apresenta duas grandes virtudes: dilui eventuais manipulações
e imprecisões de pesquisas em médias do conjunto de pesquisas; permite
acompanhar tendências de evolução, evitando avaliações impressionistas a
cada momento.

De acordo com este gráfico de tendências eleitorais, a cena destas
eleições pode se dividir em duas até agora: até os inícios de setembro e
dos inícios de setembro até aqui. Em síntese, este gráfico nos diz o
seguinte: até os inícios de setembro, Dilma Roussef vinha em um
crescimento sustentado e amplamente majoritário, com Serra caindo para
cerca de ¼ do eleitorado e Marina Silva sempre abaixo de 10 %; desde
então, Dilma parou de crescer,estacionou durante um tempo, deu
indicações de uma queda leve para, na véspera das eleições, perder
alguns pontos que a levaram ao segundo turno; neste mesmo período, Serra
deixou de cair e começou lentamente a subir até atingir quase um terço
dos votos úteis e Marina começou a indicar tendências de crescimento,
para, em seguida, disparar até 1/5 dos votos úteis nos dias finais do
primeiro turno.

O que ocorreu? O que divide um período do outro? Por que houve uma
inflexão no crescimento de Dilma e o contrário ocorreu com Serra e
Marina?

Há uma explicação clara para este fenômeno. Até os inícios de
setembro, predominou a narrativa da continuidade do governo Lula
(“Continuar as mudanças”), que era expressa sobretudo pela transmissão
da altíssima popularidade do governo Lula a Dilma, mas também pela queda
de Serra e pelo caráter minoritário ou secundário da candidatura
Marina. De lá para cá, veio sendo construída pela candidatura Serra, com
apoio da mídia empresarial, a narrativa liberal-conservadora
anti-petista e centrada em toda sorte de preconceitos e calúnias contra
Dilma.

No primeiro período, que vai até inícios de setembro, a candidatura
Serra estava politicamente desestabilizada: a linha do marketing
político “O Brasil pode mais”, que alternava a crítica e a
indiferenciação com o governo Lula, retirava votos de Serra até na sua
cidadela paulista. Com caminho livre para sua ascensão, sem encontrar
uma barragem de oposição, Dilma pode se alimentar do crescente
conhecimento da população, ampliado pelo horário gratuito na TV, do
apoio de Lula a ela.

Nos inícios de setembro, a linha dominante na campanha de Serra ,
então em crise aguda, mudou: ela passou claramente a adotar a estratégia
proposta apor Fernando Henrique Cardoso desde o início do ano. Isto é,
associar, de forma virulenta, o governo Lula, o PT e a candidatura Dilma
a uma instrumentalização ilegítima do Estado, à corrupção, e às ameaças
à liberdade e aos valores religiosos.

Os meios para se promover esta mudança de agenda foram a forte
concentração temática diária da mídia (revistas, jornais diários e
principalmente o Jornal Nacional) somado à campanha de Serra e mais uma
verdadeira avalanche de calúnias na Internet. A dramatização das ameaças
encarnados pelo PT e pela candidatura Dilma criou um diálogo de
elevação da figura de Marina, em uma dinâmica aliada para gerar o
segundo turno.

Durante todo o mês de setembro, o longo tempo disposto à candidatura
Dilma praticamente ignorou esta mudança da agenda da disputa política.
Seria ingênuo supor que uma candidatura recentemente apresentada já
desfrutasse de uma opção de voto de todo cristalizado e definitivo. Se a
denúncia do pseudo-uso inescrupuloso da Receita Federal não parece ter
tido impacto imediato, ajudou a criar uma nova agenda para a campanha.
Já a denúncia de lobbies dos filhos da ex-ministra Erenice certamente
teve mais impacto, abrindo uma brecha que começaria a crescer. O que
parece ter ocorrido é que a certeza na vitória no primeiro turno na
direção da campanha de Dilma, cada vez mais em risco nas pesquisas
internas mas alardeada com força por analistas, criou a insensibilidade
para a mudança de agenda e clima de campanha que estava em curso.

A ascensão de Marina aos 20 % de voto útil certamente combinou fontes
variadas de apoio. Mas o mais importante é compreender que ele só
ocorreu em meio a este clima negativo e de suspeição em torno à
candidatura Dilma.

Esta nova agenda de campanha não foi capaz de apagar a anterior, a da
continuidade ou ruptura com a dinâmica de mudanças do país criada pelo
governo Lula, pois Dilma manteve, apesar de tudo, um alto índice de
votos no primeiro turno. Mas agiu no sentido de se impor a ela ou
neutralizá-la. Se isto for realmente conseguido neste segundo turno,
Serra pode vencer as eleições. Seria um erro de interpretação
desvincular a “disputa de biografias” proposta por Serra desta nova
agenda de campanha: pelo contrário, a sua “biografia” é apresentada, em
contraponto inteiramente à de Dilma, como a de um “homem de bem”. Da
mesma forma, Dilma não pode ser eficientemente defendida sem lutar pela
agenda da disputa política: é a sua representação do projeto do governo
Lula que pode levá-la à vitória. Nenhuma calúnia pode ser ignorada ou
deixar de ser respondida mas a capacidade persuasiva da resposta depende
da desmontagem da nova agenda de campanha que tem em Serra o seu
epicentro.

Por isso, é preciso superar a falsa dicotomia que pode aparecer: ou
centrar na “linha política” da campanha ou na “biografia da candidata”.
Na verdade, as duas questões são dependentes e configuradas, pois quanto
mais capacidade de retomar a linha de campanha, maior potência para
construir ou reconstruir a Dilma presidenta do Brasil.

Vamos, então, exercitar as respostas às três questões:

– como retomar no centro das eleições a agenda da continuidade ou retrocesso?

– como obstaculizar o crescimento em curso da candidatura Serra?

– como retomar o crescimento da candidatura Dilma presidenta?

A retomada da agenda da campanha – A soma do acerto
no programa de televisão mais a força política da coligação Dilma mais a
heróica e voluntariosa militância e cidadania ativa, inclusive na rede
virtual, tem capacidade para recentralizar a agenda da campanha e
colocar Serra, de novo, na defensiva. Mas, para isto ocorrer, é preciso
reconectar, combinar, fazer dialogar já mensagem na TV, a militância
ativa e a força política da coalizão. A candidatura Serra chegou no
início deste mês de outubro com a força plena de sua estratégia,
continuada e expandida após a conquista do segundo turno.

A recentralização da agenda da campanha passa por quatro linhas
constitutivas simultâneas. É preciso concentrar nela, repeti-la por
todos os ângulos, torná-la o centro da narrativa e sintetizador de todo o
discurso e ação, Implica em literalmente correr atrás do tempo perdido,
criando uma dinâmica ofensiva crescente, que pode se manifestar de
forma plena ao final do segundo turno.

A primeira linha visa despertar, reforçar e agudizar a consciência
dos brasileiros, das classes populares e das classes médias, de que FHC e
Serra são duas caras da mesma moeda, são criador e criatura, unha e
carne de um mesmo projeto. FHC e Serra escreveram juntos o manifesto
neoliberal de fundação do PSDB; Serra foi durante oito anos ministro de
FHC e indicado por ele para sucedê-lo; hoje, FHC, escondido ou quase
apagado do programa Serra, é de fato quem dirige politicamente a sua
campanha. Serra eleito é a turno de FHC de volta ao governo do país.

A segunda linha objetiva despertar, reforçar, agudizar a consciência
dos brasileiros, das classes populares e das classes médias, do que
poderia ocorrer com volta de Serra/FHC ao governo do país. Não se trata
apenas de fazer uma comparação de governos com base em números frios.
Quando FHC terminou seu segundo mandato, ele tinha o repúdio (
avaliações de ruim e péssimo) de cerca de dois terços dos brasileiros. É
preciso documentar, de modo dramático, com fotos e documentos o que foi
o Brasil nos anos noventa para o povo e para as classes médias. O
eleitor de Serra precisará, cada vez mais, esforço para defender o seu
voto e a conquista de novos eleitores será cada vez mais difícil.

A terceira linha buscaria despertar, reforçar, agudizar a consciência
do sentido democrático e republicano do governo Lula contraposto aos
anos de apartação social e conservadorismo político dos anos FHC. É
preciso superar a visada economicista, incorporando aos feitos do
governo Lula, em cada área, os valores e princípios que orientaram a sua
construção: democracia ativa dos cidadãos e maior pluralismo político;
direitos para quem trabalha e novos direitos para os pobres;
reconstrução das funções públicas do Estado, inclusive na área
ecológica, e combate inédito à corrupção; novos direitos para negros e
mulheres; retomada da soberania nacional e novo diálogo internacional,
pela paz e contra a pobreza e pelo acordo de sustentabilidade
internacional.

A quarta linha é retomar, com uma perspectiva histórica, o novo
futuro do Brasil democrático e republicano que será aprofundado com
Dilma presidente. Do princípio esperança para a imaginação plena de um
Brasil democrático, justo, soberano e sustentável. É com a clarificação
deste futuro, com suas metas para cada área, que o trabalho de
reconstrução de imagem e programa de Serra pode ser mais desmascarado. É
preciso iluminar a grandeza histórica do que encarna a candidatura
Dilma: é o melhor caminho para reconstruir a sua imagem pública tão
violentamente atacada.

Estas quatro linhas simultâneas de construção do discurso compõe
juntas uma narrativa que deveria ser estruturadora dos programas de
televisão, combinada com a defesa da imagem pública de Dilma.

Serra para baixo e Dilma presidente – A desconstrução de Serra e a (re) construção da imagem de Dilma são processos simultâneos e combinados.

De modo sereno, mas com a indignação necessária, o movimento de
calúnias contra Dilma deve ser publicamente cobrado da campanha de
direita de Serra e politicamente caracterizado como incompatível com a
democracia. Não pode ser um “homem de bem” quem estimula e tira proveito
das calúnias, dos preconceitos contra os pobres, do fanatismo religioso
para vencer. Esta estratégia tem a sua origem nos republicanos de
direita dos EUA que a usaram contra Obama que foi chamado até de amigo
dos terroristas, ofendido por racistas e por pretensos mensageiros da
palavra de Deus, fundamentalistas religiosos. Sem esta abordagem
política ofensiva, a defesa de Dilma será confundida com um movimento
apenas defensivo e até legitimador desta prática da direita.

Elas deveriam ser publicamente refutadas em quatro tipos:

– a que a acusa de ser “bandida”, assaltante de bancos, por isso
vetada nos EUA. O que está em jogo aqui é o papel democrático heróico de
uma geração contra a ditadura militar, fundamental para a conquista da
democracia.

– a que a acusa de ser contra a vida, contra a fé e o respeito às
religiões, debochando de Deus ou Cristo. O que está em jogo aqui é o
sentimento generoso cristão do projeto de Dilma, o fundamento do seu
amor ao próximo, o seu respeito ao valor dos sentimentos de
transcendência dos brasileiros.

– a que a acusa de ser sem experiência, corrupta ou conivente com a
corrupção: o que está em jogo aqui é o sentido público da vida de Dilma
como gestora exemplar e o seu papel no governo que, como pode e deve se
demonstrar, mais combateu a corrupção na história do Brasil.

– a que acusa de ser sem palavra ou falsa ou sem valores: o que está
em jogo aqui é a coerência e integridade de toda a sua vida, da luta
contra o regime militar à construção de um novo Brasil democrático no
governo Lula.

Com a disputa pela narrativa de sentido, pela agenda política da
polarização, tudo passa a convergir para um centro estruturado de
valores, idéias e personagens e realizações, promessas de futuro ou
ameaças de crise. É neste centro de disputa, capaz de dialogar com a
nova consciência democrática e republicana, das classes populares e das
classes médias brasileiras, que Serra será derrotado e Dilma será eleita
presidenta do Brasil.

*Juarez Guimarães é professor de Ciência Política da UFMG e autor de “A esperança crítica”, Editora Scriptum, 2007.

Foto: Roberto Stuckert Filho

Artigo publicado originalmente em www.cartacapital.com.br

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