Aldeia Nagô
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O Amor Segundo Nelson Rodrigues

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

Há um cansaço mais ou menos geral. Crise política e escândalos de corrupção, de
um lado. Frustrações na economia, de outro. Falamos nisso quase o tempo inteiro.
A esta altura, todos os assuntos parecem exaustos e esgotados.


Não tenho
ânimo hoje para tratar de juros, câmbio ou PIB. Como me escreveu uma leitora,
formou-se um verdadeiro "coro natalino" em favor da diminuição dos juros. 
Críticos da política econômica estão saindo pelo ladrão.

Esse consenso
tardio produz um certo tédio. Mas, enfim, como dizia aquele letreiro de motel na
Barra, no Rio: "Antes à tarde do que nunca". Por outro lado temos aquela frase
de Nelson Rodrigues que, de tão citada, também está meio exausta: "Toda
unanimidade é burra".

A citação me conduz ao tema de hoje. Fui salvo do
tédio por uma coincidência providencial. Escrevo, como sempre, de véspera. Há
exatamente 25 anos, no dia 21 de dezembro de 1980, morria Nelson Rodrigues, o
santo padroeiro desta coluna.

Não posso deixar a data passar em branco.
Afinal, foi com ele que aprendi a escrever para jornal. Um dos segredos,
acredito, é tentar escrever como quem conversa com o leitor. Com as devidas
transposições, é claro, e aí é que reside a dificuldade. Trata-se, na verdade,
de simular uma conversa, elaborá-la num registro diferente, que é o do texto
escrito, evitando porém as formalidades, os cacoetes e o jargão do texto
econômico habitual. Não foi fácil escapar da camisa-de-força estilística dos
economistas e escrever com naturalidade. Precisei de tempo, de prática e da
leitura de Nelson Rodrigues.

No início, essa proximidade com o grande
cronista carioca provocava uma certa estranheza. Afinal, ele raramente abordava
temas econômicos. E tinha pelos economistas, segundo dizia, um "divertido
horror". Mas aí é que está, leitor: eu também tenho, pelos economistas, um
"divertido horror". O que aconteceu nos últimos 25 anos só fez reforçar essa
aversão.

Poucos sabem que, no seu último ano de vida, Nelson tornou-se
colunista da Folha. As duas últimas crônicas que escreveu, logo antes de morrer,
são comoventes e delicadas, realmente maravilhosas. Prevalece a melancolia, mas
entremeada de tiradas humorísticas, bem ao seu estilo. Ainda hoje, ao relê-las
pela enésima vez, fiquei emocionado de novo. Elas foram republicadas em livro
editado por este jornal em 2001 ("Figuras do Brasil: 80 Autores em 80 Anos de
Folha", PubliFolha).

Seu último tema foi o amor, mais precisamente a nossa
incapacidade de amar. Temos, dizia ele, uma vastíssima experiência amorosa e,
paradoxalmente, não sabemos amar. O ser mais sensível e lúcido, diante da pessoa
amada, é um incerto ou, pior, um inepto. Se soubéssemos amar, escreveu Nelson,
não elevaríamos a voz nunca, jamais discutiríamos, jamais faríamos sofrer.

O
momento mais doce do amor é o flerte. Veja, leitor, a beleza desta passagem: "O
flerte não dilacera, não envenena. Um simples olhar, de uma luz mais viva; um
sorriso leve é quanto basta para que dois seres experimentem a esperança de uma
comunhão docemente infinita".

Quando é que o amor começa a morrer? Nem
sempre são as grandes causas que liquidam o amor. Quase sempre o que decide é a
soma de pequenos incidentes. No primeiro bate-boca, o sentimento amoroso começa
a definhar, adverte Nelson: "Todos os fracassos matrimoniais vêm da soma de
todos os "não chateia", de todos os "não amole", que vamos largando pela vida".

Vale a pena citar, na íntegra, o último parágrafo da sua última crônica: "Eu
sempre digo que não é na recepção do Itamaraty que devemos ser perfeitos. Não.
Devemos reservar o melhor de nós mesmos, de nossa delicadeza, de nossa
cerimônia, de nosso charme, para a mais secreta intimidade do lar. É menos grave
chamar de "chato" um embaixador, um ministro, do que o namorado, a noiva, a
esposa, o marido. Se respeitássemos o nosso amor, não seríamos tão solitários e
tão malqueridos".
Obrigado, Nelson.

Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da
FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e
a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional"
(Campus/Elsevier, 2005)

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