Aldeia Nagô
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Políticos fartos de democracia, polícia contra o povo por Naomi Wolf

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

As forças de segurança vêm reprimindo com violência alguns protestos nos EUA, como no restante do mundo



Ao
que parece, os políticos estão fartos da democracia. Por todo os EUA, a polícia,
atuando sob as ordens das autoridades locais, vem pondo fim aos acampamentos
montados pelos manifestantes do movimento Ocupe Wall Street. Às vezes com uma
violência escandalosa e totalmente gratuita.

No
pior incidente até agora, tropas de choque cercaram o acampamento dos
integrantes do movimento em Oakland e dispararam balas de borracha (que podem
ser fatais), bombas de efeito moral e granadas de gás lacrimogêneo, com alguns
policiais investindo diretamente contra os manifestantes. No canal do Twitter do
Ocupe Oakland surgiu uma notícia como se fosse sobre Praça Tahrir do Cairo
"eles estão nos cercando; centenas e centenas de policiais; há veículos
blindados e tanques". Foram presas 170 pessoas.

Minha
recente prisão, embora eu tenha obedecido as exigências contidas na autorização
e realizado um protesto pacífico numa rua em Manhattan, trouxe a realidade da
repressão bem próxima de nós. Os Estados Unidos estão acordando para o que foi
criado enquanto dormiam: empresas privadas contrataram sua polícia (a JP Morgan
doou US$ 4,6 milhões para a Fundação da Polícia da Cidade de Nova York); e o
Departamento Federal de Segurança Interna forneceu às forças policiais
municipais armas de padrão militar. Os direitos à liberdade de expressão e de
reunião do cidadão foram prejudicados sorrateiramente por critérios opacos para
obter as autorizações.

Repentinamente,
os EUA assemelham-se ao restante do mundo que não é completamente livre, está
furioso e protesta. De fato, muitos comentaristas não conseguiram entender
completamente que uma guerra mundial está ocorrendo, mas que esse conflito é
diferente de qualquer outro na História da humanidade. Pela primeira vez, as
pessoas no mundo todo não estão se identificando e se organizando com base em
posições religiosas ou nacionais, mas em termos de consciência global e as
demandas são de uma vida pacífica, um futuro sustentável, justiça econômica e
democracia. Seu inimigo é a "corporatocracia" que comprou governos e
parlamentos, criou suas forças armadas, engajou-se numa fraude econômica
sistêmica e saqueou ecossistemas e tesouros.

Em
todo o mundo, os manifestantes pacíficos são satanizados como desordeiros. Mas
a democracia é desordeira. Martin Luther King afirmou que a desordem pacífica é
saudável, pois expõe a injustiça sepultada, que pode, então, ser restaurada. O
ideal é que os manifestantes se dediquem a uma desordem disciplinada, não
violenta, com esse espírito – especialmente a desordem do trânsito, que serve
para manter os provocadores à distância e ao mesmo tempo deixar clara a
militarização injusta da resposta policial.

Além
disso, movimentos de protesto não têm sucesso em horas ou dias; manifestações
geralmente implicam sentar num lugar ou "ocupar" áreas por longos períodos.
Esta é uma razão pela qual os manifestantes devem arrecadar seu dinheiro e
contratar seus advogados. O mundo corporativo está aterrorizado com a
possibilidade de os cidadãos reivindicarem o Estado de direito. Em todos os
países os manifestantes devem responder com um exército de advogados.

Comunicação.
Eles devem criar a própria mídia, em vez de depender de agências de notícias
tradicionais para cobrir seus protestos. Devem manter blogs, tuitar, escrever
editoriais e comunicados de imprensa, assim como registrar e documentar casos
de abusos da polícia.

Infelizmente,
existem muitos casos documentados de provocadores violentos infiltrando-se nas
manifestações em locais como Toronto, Pittsburgh, Londres e Atenas – pessoas
que, segundo me disse um grego, são "desconhecidos conhecidos". Os provocadores
também devem ser fotografados e registrados e por isso é importante não cobrir
o rosto durante um protesto.

Os
manifestantes nas democracias têm de criar listas de e-mail locais, combinar
suas listas com as nacionais e começar a registrar os eleitores. Devem dizer a
seus representantes quantos eleitores registraram em cada distrito e devem se
organizar para destituir políticos que são brutais ou agressivos. E precisam
apoiar aqueles – como em Albany e Nova York, por exemplo, onde a polícia e o
Ministério Público locais recusaram-se a reprimir com brutalidade os
manifestantes – que respeitam os direitos de liberdade de expressão e de
reunião.

Muitos
manifestantes insistem em continuar sem uma liderança, o que é um erro. Um
líder não tem de se colocar no topo de uma hierarquia: pode ser um simples
representante. Eles devem eleger representantes com um "mandato" limitado, como
em qualquer democracia, e treinar essas pessoas para conversar com a imprensa e
negociar com políticos.

Os
protestos devem ser o modelo da sociedade civil que se pretende criar. No
Parque Zuccotti, em Manhattan, por exemplo, há uma biblioteca e uma cozinha; o
alimento é doado; as crianças são convidadas a passar a noite ali; e aulas são
organizadas. Músicos trazem seus instrumentos e a atmosfera deve ser alegre e
positiva. Os manifestantes devem procurar manter a limpeza. A ideia é criar uma
nova cidade dentro de uma cidade corrompida e mostrar que ela reflete o desejo
da maioria e não de uma camada destrutiva e marginal.

Afinal,
o que há de mais profundo no caso dos movimentos de protesto não são as
demandas, mas sim a infraestrutura nascente de uma humanidade comum. Por
décadas o que se tem dito aos cidadãos é que se deve manter a cabeça baixa –
seja num mundo de fantasia consumista ou na pobreza e na labuta – e deixar a
liderança para as elites. O protesto é transformador precisamente porque as
pessoas emergem, encontram-se face a face e, ao reaprender os hábitos da
liberdade, criam novas instituições, relacionamentos e organizações.

Nada
disso pode ocorrer num ambiente de violência policial e política contra
manifestações democráticas e pacíficas. Como indagou Berthold Brecht, após a
brutal repressão dos comunistas alemães orientais, em junho de 1952, "não seria
mais fácil… para o governo dissolver o povo e eleger um outro?". Por toda a
parte nos Estados Unidos, e em muitos outros países, líderes supostamente
democráticos parecem estar considerando seriamente a irônica pergunta de
Brecht.

Naomi Wolf is a political activist and social critic whose most
recent book is Give Me Liberty: A Handbook for American Revolutionaries.

Tradução:
Terezinha Martino

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